Pesquisa de Atividade Psicopictográfica de Jacques Andrade. 1ª Fase

Resumo

 

Neste trabalho apresentamos os resultados da 1ª fase da pesquisa realizada com Jacques Andrade, com o objetivo de averiguar se sua obra, constituída de quadros pintados a tinta guache, pode ser considerada de cunho psicopictográfico.

Para tanto, a equipe de pesquisadores do IPPP acompanhou a feitura de 107 quadros, no período de 08 setembro a 07 novembro de 1995.

Diante da dificuldade em localizar parâmetros específicos para a psicopictografia, que norteassem satisfatoriamente sua medição, decidimos pela criação de uma escala de caracterização, nos moldes da escala de coma de Glasgow e da contagem de índice de Apgar, a qual será aplicada na fase seguinte desta pesquisa.

 

Introdução

 

O fenômeno psicobiofísico pode apresentar componentes de criatividade, tanto no grupo psikapa como nos eventos de psigama. Dentre estes destacamos aquele em que o conteúdo psíquico é exteriorizado na forma de pinturas, nos mais diversos estilos, muitas vezes assinadas por nomes famosos, já falecidos.

 

Este relatório foi redigido com a colaboração do biofísico brasileiro George Jimenez. salientando que os experimentos de manipulação de luminosidade, aferição de temperatura corporal e análise do retângulo áureo foram proposições suas.

 

Entre os vários agentes psi que apresentaram esta forma de expressão, destacamos Mirabelli, Victorien Sardou, Augustin Lesage, Helen Smith, William Howftt, Cathenne Berry e, mais recentemente, Luiz Antônio Gasparetto.

As pressões psicossociais muitas vezes reprimem as potencialidades artísticas do ser humano, impedindo que estas se atualizem. Determinados estados de consciência permitem que estas faculdades se tomem ostensivas, bem como informações armazenadas à nível inconsciente, obtidas de maneira usual ou paranormal alcancem o nível consciente, apresentando uma atividade criativa que extrapola a usualmente demonstrada pelo indivíduo, no estado vígil.

A psicopictografia é caracterizada por alguns aspectos, embora nem todos ocorram simultaneamente. São eles:

  1. a) Confecção de pintura ou desenho com instrumentos (pincel, lápis, etc.) ou com os próprios dedos das mãos e/ou dos pés.
  2. b) Nível técnico de produção artística superior à aptidão do agente psi em seu estado vígil.
  3. c) Tempo de realização da obra muito inferior ao necessário para sua confecção, de maneira tradicional.
  4. d) Apresentação de vários estilos.
  5. e) Assinatura psicográfica.
  6. f) Variação de luminosidade (pintar no escuro ou com os olhos fechados ou vendados; uso de lâmpada com cor diferente da usual).
  7. g) Ambidestrismo simultâneo.

 

 

O IPPP se propõe realizar pesquisa de atividade pictográfica com Jacques Andrade, averiguando a possibilidade deste ser agente psi de psicopictografias.

Caso a hipótese venha a ser comprovada, trará subsídios relevantes para a compreensão da sistemática do processo psicopictográfico, fornecendo material para posterior reflexão acadêmica.

 

O sujeito desta pesquisa tem 53 anos, é solteiro tem estatura baixa, compleição frágil e é portador de deficiência auditiva moderada, apresentando conseqüentemente dificuldades na dicção. Tal deficiência é decorrente de uma queda, sofrida aos três meses de idade, O que ouve, não compreende. Toda comunicação se dá através de leitura labial. Reside em Recife, PE -Brasil com sua genitora. É introvertido, porém bastante simpático e afetuoso. Exibe uma notória disposição em produzir pinturas, muitas das quais parecem ser reproduções de pinturas de outros artistas, já falecidos. Alega que sua produção é toda realizada em estado de transe mediúnico, e que tem por objetivo fazer caridade, ajudando as pessoas através da cromoterapia. O local onde reside foi construído com esta finalidade, tendo por nome Sala de Artes Mediúnicas Leonardo da Vinci. Cada dia da semana tem trabalhos diferenciados, que vão desde a doutrinação espírita até à “cura mediúnica”.

O presente estudo consistiu na observação e cronometragem da feitura de quadros, devidamente registradas em atas, com medição concomitante da temperatura corporal do sujeito. A manipulação de luminosidade foi outro recurso utilizado. A análise do retângulo áureo foi aplicada em amostra de telas atribuida a um mesmo autor. Quadros representativos de autores mais conhecidos foram fotografados para posterior análise, assim como foi realizada a filmagem de uma sessão.

 

Procedimento

 

Pesquisadores do IPPP solicitaram autorização a Jacques e ao seu grupo de assistentes, para acompanhar as sessões realizadas às terças e sextas-feiras, nas quais executa a feitura de quadros. Obtida a anuência, a equipe do IPPP foi formalmente apresentada aos outros participantes

A equipe foi constituída por oito pesquisadores, mantidos pelo menos três em cada sessão. As sessões eram iniciadas às vinte horas, durando cerca de uma hora, na presença de, em média, vinte pessoas. O local da reunião é ao ar livre, com coberta simples em telha de amianto, com iluminação razoável por três lâmpadas fluorescentes de 40W, com temperatura ambiente de aproximadamente 28º e ventilação natural. O início é marcado pela leitura de um trecho de livro espírita, seguido do comentário do leitor. Jacques convida três pessoas para sentarem-se à mesa, com o intuito de ajudá-lo. Segurando as bordas laterais de cada folha de papel guache utilizada para as pinturas, a fim de evitar seu deslocamento por ocasião dos bruscos movimentos por ele realizados. Tais pessoas terão suas mãos e até braços atingidos pelas tintas que são utilizadas por Jacques, por conta da rapidez na execução das pinturas. A preferência é dada àqueles que estão comparecendo pela primeira vez. As folhas de papel são de diversas cores, predominando a de cor branca. Ocasionalmente recusa a folha, trocando-a por uma de outra cor. A tinta utilizada é a guache. Normalmente executa três quadros por vez, em seqüência, começando pela direita ou pela esquerda. Algumas vezes pinta os três quadros simultaneamente. Enquanto pinta, as pessoas presentes cantam músicas suaves, que tenham por tema o amor. Jacques acompanha com leve movimento corporal. Quando conclui as telas, muitas vezes cumprimenta os presentes, apertando-lhes as mãos, com as suas sujas de tinta, dependendo da personalidade assumida, a qual é atribuída a autoria dos quadros. Algumas vezes tece comentários sobre a necessidade de fazer caridade. A seguir, volta a seu lugar, concentra-se e solicita a prece de encerramento dos trabalhos, a qual é feita com iluminação do ambiente apenas por uma lâmpada de cor azul.

 

Discussão

 

A quantidade de telas produzidas é grande, atingindo a marca de 1.000, no período de aproximadamente um ano. O número de autores reproduzidos é também significativo, chegando a 296, no mesmo período. A diversidade de motivos das telas é grande, embora os de paisagem e figura humana ocorram com maior freqüência. Os quadros que buscam representar paisagens parecem mais expressivos do que aqueles em que se verificam figuras humanas. Aliás, é interessante ressaltar que estas últimas quase sempre São apresentadas com precária indicação de profundidade, assim como sem acréscimos de detalhes sobre a tonicidade muscular, que caracteriza o perfil da expressão e do temperamento da imagem representada. É importante esclarecer que as assinaturas apresentam muitas semelhanças na grafia e que alguns nomes têm diferenças tão sutis que poderiam ser agrupados como sendo de um mesmo autor (por exemplo: Daubigni, Daubigny ou Daubny).

Alguns padrões foram observados, quando da execução das telas:

  • Quando o motivo é uma paisagem, na grande maioria das telas há a presença de cercas, que pode estar representando a restrição auditiva do autor;
  • A letra h é sempre truncada, independentemente do “autor” atribuído;
  • Antes de começar a pintar, Jacques alisa seu ventre: qual o significado de tal ato?
  • Os traços de detalhe para compor os rostos, caules das plantas e assemelhados, como também as assinaturas, são feitos com pincel, em posição vertical sem inclinação;
  • Jacques usa preferencialmente a mão direita, embora alguns quadros sejam executados com o uso simultâneo das duas mãos. Outras vezes pinta com o dorso das mãos e dedos. Arranha a tela com as unhas para fazer as cabelos das figuras e bate o pulso com força para imprimir a imagem de folhagens;
  • Antes de iniciar as pinturas, Jacques concentra-se por 20 a 30 segundos;
  • A estratégia empregada para a reprodução da pintura, principalmente para aquelas pintadas sob a assinatura de determinados “autores”, como Miró e Dali, apresentava curiosa semelhança: os quadros eram iniciados com a formação de um círculo central, empregando-se cores variadas, de onde, uma vez definido o “pano de fundo”, eram pintadas figuras de rostos masculinos ou femininos, definidos muitas vezes de forma implícita.

 

Das nove sessões pesquisadas, seis tiveram o uso de termômetro digital, para registro da temperatura na região axilar esquerda de Jacques, a qual só apresentou alterações significativas em duas sessões. Nestas sessões, a temperatura corpórea elevou-se em dois graus centígrados, no momento em que Jacques entrou no estado de “transe” , durante a concentração que antecede a execução das telas. A temperatura continuou subindo lentamente, até o momento em que o mesmo admitiu ter saído da condição de “transe”, quando a temperatura baixou, quase que instantaneamente, em cinco graus centígrados.

Outro recurso utilizado foi a análise do retângulo áureo, em nove telas atribuídas a Miró. Esta análise foi efetuada sobre as proporções métricas dos quadros, usando-se uma régua especial, revelando que os elementos principais do quadro estavam situados sobre os mesmos pontos áureos. Aparentemente, isto poderia ser uma evidência de que os traços métricos estariam atrelados à marca do artista em tela. Mas, Miró, quando Vivo, parecia não utilizar tal recurso e, em sua fase final, aliou-se a um grupo de artistas cuja corrente idealística expressava-se de forma aversiva às formas pré-concebidas.

 

Algum tempo após as nove sessões em que os trabalhos de pintura foram observados, alguns pesquisadores do mesmo grupo fizeram ainda um experimento de manipulação da luminosidade ambiental, com o intuito de verificar se haveria interferência na execução dos quadros.

De fato, Jacques demonstrou certa dificuldade em reproduzir um quadro em um ambiente no qual a luminosidade evoluía de uma condição de luz branca para a de luz vermelha. Tendo iniciado uma tela usando cores escuras como marrom e preto, no momento em que o ambiente foi tomado pela luz vermelha, utilizou-se de cores claras como branco e amarelo, para definir os contornos do vaso com flores sobre uma mesa, que havia proposto como motivo para sua pintura. Logo em seguida, após o retorno da luminosidade normal, Jacques reproduziu outro quadro, com o mesmo motivo, numa condição de contraste de cores diferentes, atribuído ao mesmo” autor” do quadro anterior.

Este fato é curioso, porque a percepção de cores em um ambiente, bem como de suas relações numa figura, depende da qualidade da iluminação efetuada. Sob luz vermelha, só é possível perceber a parte do desenho que conseguiu, de alguma forma, emitir luz na faixa espectral do vermelho ou muito próximo a esta, ficando o restante totalmente com cor escura, de difícil percepção de contraste. Desta formas sob condições normais, perde-se a noção dos limites entre duas figuras pintadas com cores que reflitam a luz vermelha, ou que emitam luz com a mesma intensidade e faixa espectral.

De certa forma, estes fatos sugerem que, se os motivos já estivessem previamente definidos em Jacques, ou se a fonte doadora fornecesse a informação totalmente decodificada, não haveria razão para que o mesmo mudasse de atitude, no momento da definição dos contornos da figura. Também não justificaria a necessidade de pintar um novo quadro com o mesmo motivo, agora em condições de iluminação novamente normal.

 

Conclusões

 

Constatou-se que, dentro do universo de telas considerado – 1.000 no período aproximado de um ano – houve um grande número de autores reproduzidos, totalizando 296. Este quantitativo dilui-se de tal forma que, os três maiores percentuais encontrados foram de 3,7, 3,2 e 2,3%, representando respectivamente, as reproduções de Miró, Van Gogh e Salvador Dali.

A média de tempo utilizada para a execução das telas é de 6 minutos e 28 segundos, considerando a amostra de 86 telas, pintadas em 09 sessões. Nesta contagem foram excluídas aquelas as quais Jacques só concluiu após terminar a execução concomitante de outras duas telas, dificultando assim a medição por tela. Também foram excluídas as telas que, durante sua execução, Jacques interrompia para “catequizar” a assistência, explanando a necessidade de se fazer caridade.

Muitos pontos levantados ficaram em aberto e, ao final desta primeira fase, temos mais perguntas que respostas: como caracterizar o estado de “transe” alegado pelo possível agente psi Jacques, quando da execução de suas telas, e poder inclusive diferenciar da execução em estado vígil; se o estado de “transe” corresponder a um estado alterado de consciência, poderemos concordar com Milan Ryzl quando afirma que tal estado pode afetar favoravelmente a potencialidade criativa do homem. Em que momento Jacques define sua pintura: previamente, antes de lançar as tintas sobre a tela; após ter estabelecido o “pano de fundo”; ou simultaneamente, à combinação de traços, sombras e outros?

Parece que o fenômeno psicopictográfico é facilmente abordado sob enfoque espírita, a qual, no entanto, no presente caso, não nos parece uma hipótese viável, desde que os argumentos por ele fornecidos se mostraram questionáveis, tais como a qualidade das reproduções, o padrão de assinatura, a análise através do retângulo áureo e a mudança na execução de telas quando da alteração de iluminação ambiental, entre outros. Questões como a verificação do olho dominante do autor, o que ocasiona mudança na perspectiva da pintura, deverão ser pesquisadas amiúde, não só no caso Jacques, como em outros, onde seja abordada a psicopictografia dentro desta hipótese.

Por outro lado, alguns fatores apontam para a possibilidade do fenômeno psicopictográfico em Jacques, quando consideramos por exemplo, o curto tempo para a realização das telas, a presença de vários estilos e o ambidestrismo simultâneo. Há que ser considerado também um novo dado: a alteração de temperatura corporal de Jacques, e, a partir daí, que correlações poderão ser feitas, tendo por figura o fenômeno parapsicológico. Junte-se a isto a informação de que uma mudança de luminosidade no ambiente, após definição do fundo de tela, pode interferir na consecução psicopictográfica, ou seja, o meio interfere e a informação paranormal sofre mudanças por parte do agente psi. Se Naum Kreiman está certo quando fala da existência de canais, campos ou fontes de inspiração a que tem acesso os pintores paranormais, poderemos dizer que estes pintores podem modificar os dados daí advindos, em decorrência de alterações sofridas no meio ambiente em que se encontram no momento da deflagração do fenômeno.

Após tais considerandos, podemos concluir que esta pesquisa se caracterizou como primeira fase ou fase inicial, onde a coleta de dados e o levantamento de questionamentos serviu ao propósito de estruturar a próxima fase, que contará com o auxílio de outros profissionais como técnicos em arte e artistas plásticos, de avaliações audiométrica, clínica, psicológica e neurológica, explanando ainda a medição da temperatura corporal, a modulação luminosa do ambiente, a análise do retângulo áureo, a dominância visual, tendo por base os critérios já estabelecidos, aplicados na escala IPPP de caracterização da psicopictografia, conforme tabela a seguir.

 

(Publicado no ANUÁRIO BRASILEIRO DE PARAPSICOLOGIA-1998)

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