Alucinações Telepáticas (*)

IVO CYRO CARUSO

 

 

Na busca de referências para estudos de assuntos sobre a Parapsicologia, recorri à releitura de um clássico, ALUCINAÇÕES E APARIÇÕES, publicado em plena segunda guerra mundial, em 1943, por G.N.M.Tyrrell (1989-1952) licenciado em fisica e matemática pela Universidade de Londres. Temos em mãos o livro de publicação da Editora Uhsseia Ltda. que mantém os direitos de tradução para a língua portuguesa, do título original APPARITIONS, The Society for Psychical Research (SPR).

 

O prefácio de H .H. Price, em 10 páginas analisa o ponto de vista da argumentação de Tyrrell, quanto à física e psicologia da época, oferecendo-nos um apreciável esboço do pensamento e as dificuldades que eles enfrentaram, bem como investigadores do valor de Meyers e de Gurney.

 

Qualquer apreciação deverá retomar às posições do saber de antes de 1942 e considerar os inúmeros avanços do após II Guerra Mundial.

 

Em 1942 a SPR celebrava o seu sexagésimo ano de fundação e Tyrrell fora convidado para orador da VII Conferência em memória de Myers. A conferência, segundo Price, foi pronunciada em 31.10.1942 e, logo a seguir, publicada pela Sociedade. O livro APPARVHONS foi editado por Edward Osborn, membro do Conselho da SPR e por esta promovida. Tyrrell, inicialmente, faz uma critica do censo promovido pela SPR e recorreu a sessenta e um casos para ilustrar a sua argumentação.

 

As primeiras referências partiam de aparições como uma entidade física, isto é, fisicamente presente, ocupando um lugar, próximo de onde se encontra o percipiente. A despeito de qualquer outra alusão, estaria ali, na aparição, uma espécie de reprodução física de determinado ser humano identificável pelo percipiente, cujo corpo se encontraria a uma distância muito longínqua, ou, o gerador da aparição estaria morto a muito tempo. Essa situação levaria a uma exploração tomando-se valores informativos afastados no espaço e no tempo, já modernamente estudados na teoria da comunicação e pelo psicólogo Abraham Moles ( Teoria da Informação e Percepção Estética).

 

Tyrrell e os estudiosos contemporâneos dele, como veremos adiante, evitaram a palavra fantasma, uma vez que “ver um fantasma” envolve em si uma falsa expressão. Acertaram, então, tratar do conceito de alucinação, existente em ocorrências de desvios mentais sob o efeito de patologias, drogas e mesmo em pessoas normais. A alucinação é existente em domínios de investigação no qual ver ou ouvir algo é possível embora não esteja realmente presente.

 

Uma alucinação não resulta de uma percepção, mas de uma série de percepções, adverte Price no seu longo Prefácio. E interessante retomar a idéia de exploração na percepção estética de A. Moles (op. cit.). Retornando a Price, este afirmara que geralmente uma “convicção errada” freqüentemente é acompanhada por uma convicção errada.

 

                                Essas séries de percepções, como se fossem reais e originadas de uma convicção certa provoca estímulos nervosos de modo que “uma pessoa alucinada tem experiências sensoriais” que apresentam traços fortes e semelhantes “com experiências que essa pessoa teria se os seus órgãos sensórios fossem estimulados por um objeto físico determinado; na realidade, porém, esse objeto físico não está presente”. E continua Price: “as aparições são, no entanto, alucinações de um tipo muito particular: correspondem a um objeto ou acontecimento físico exterior ao organismo da testemunha, embora esse objeto ou acontecimento não estejam fisicamente presentes na proximidade do percipiente, podendo mesmo encontrar-se a vários quilômetros de distância”. Concluindo, as “aparições diferem das alucinações puramente subjetivas do doente mental ou do drogado e podem ser descritas como alucinações telepáticas”.

 

                                Essas alucinações telepáticas explicam as chamadas “aparições de crise, aparições post-mortem, as aparições de assombração e as aparições do tipo experimental”, todas estudadas por Tyrrell, que define:

 

“Na aparição de crise, ocorrida quando uma pessoa A atravessa uma situação crítica (que pode ser de grande perigo de vida) uma outra pessoa B, geralmente um parente ou grande amigo, que tem uma alucinação visual. Esta é tão plena e vivida que a segunda pessoa B imaginará momentaneamente que A se encontra, ali presente, somente verificando a sua convicção errada, quando a aparição se desvanece. Trata-se de fenômeno de origem telepática”.

 

É de admitir-se que sejam uma das muitas formas através das quais uma impressão telepática, inconscientemente recebida, é manifesta ao nível consciente A manifestação sob a forma de sonho ou de sucessão de imagens em vigília é percebida como alucinação visual, auditiva e também por meio de escrita automática ( automatismo motor) ou outro mecanismo psicofísico.

 

A mensagem alucinatória é veiculada e seus estímulos se traduzem por emoções e ações tornadas conscientes, que se sucedem, influenciando novas associações, emoções e ações.

 

“Na assombração a mesma forma de objeto ou humana é “vista” recorrentemente num mesmo e determinado local, durante um relativo período de tempo, mais ou menos longo”.

 

“Na aparição post-mortem, o período da crise é determinado em mais ou menos doze horas da ocorrência da morte. Essa faixa de 24 horas parece compreender um período de latência (ou diferimento) da mensagem alucinatória ser veiculada da pessoa A para o percipiente B. Esta última experimenta uma alucinação telepática”.

 

“Na aparição de casos experimentais, uma pessoa A exerce um esforço deliberado da vontade de conseguir que a mensagem alucinatória seja veiculada até a pessoa B distante e que esta experimente uma aparição de A, do tipo telepático”.

 

Tyrrel inicia o livro ALUCINAÇÕES estudando os resultados do Censo das Alucinações, um empreendimento promovido pela SPR e conduzido por um grupo de pesquisadores de primeira linha como prof. Henry Sidgyick, Alice Johnson, Frederic Myers, Dr. A. T. Meyers, Frank Podmore e Sra. Sidgyick. Esse Censo foi aprovado durante a realização do Congresso Internacional de Psicologia Experimental, em Paris, ano de 1889.

 

O objetivo era a coleta de dados sobre casos de telepatia. Em particular, Tyrrell apresenta 19 itens do que denomina “aparição perfeita” que se trata de um modelo auxiliar para descrever o que é, de fato, uma aparição, ou para se perceber uma aparição. Com efeito, esses itens compõem um conjunto de características de um MODELO. A aparição é semelhante a uma figura material normal, no entanto, não é um fenômeno físico, donde concluiu Tyrrell que “não está ali nada”. Aliás, esse é o conceito de alucinação, percepção de sensações imaginárias.

 

A preocupação de Tyrrell é a formulação de uma teoria telepática das aparições sob a forma de uma investigação psíquica. Essa investigação seguiria dois caminhos, o da exploração da personalidade humana e, em particular, dos estratos subliminares e inconscientes.

 

Price analisa que a teoria telepática das aparições sob a preocupação de Tyrrell, deixa “muito por dizer”. Nos casos de aparição de crise, o agente telepático não precisa de saber com exatidão onde se encontra e o percipiente freqüentemente “não tem meios de o saber”. Entretanto, a “aparição consegue adaptar-se ao meio, exatamente como se fosse um objeto material parado ou em movimento nesse meio”. Esse movimento, o refletir-se, projetar a sombra, ser audível, é uma adaptação de um pensamento revestido de “uma grande intensidade emocional, de conteúdo intelectual, geralmente, muito vago”. Tyrrell recorre à analogia com o processo teatral, repetindo “o drama aparicional” que se transforma numa expressão-chave de sua teoria. Os pormenores da aparição desenvolvem os fatores mentais inconscientes responsáveis pelas impressões telepáticas.

 

É interessante notar que esses pormenores são informações retiradas da memória do próprio percipiente, inconscientemente e disso não se dá conta, e mais, será capaz de sustentar que em sua “lembrança” ele sabe que aquele detalhe é provador de uma aparição de um ente verdadeiro ali apresentado.

 

Quanto à adaptação, neste momento, lembramos que C. Jung em a A ENERGIA PSÍQUICA traz as idéias de Von Grot, como um dos pioneiros nesse domínio:

 

“1. As energias psíquicas são quantidades e grandezas como os de natureza física”.

“2. São recíprocas entre si e imutáveis como formas distintas da atividade psíquica e da potencialidade psíquica”.

“3. Podem converter-se também em energia física e vice-versa ( através dos processos fisiológicos)”.

 

O item 3 mereceu algumas críticas de Jung, além de outros, sobre a afirmação de Grot, ao que este já havia escrito (citação do próprio Jung) que a obrigação de provar (onus probandi) caberia àqueles que negam a aplicabilidade da lei da conservação da energia à Psicologia, mas não àqueles que a admitem.

 

Sem entrar em consideração dos meios analisados por Jung (et alli) de examinar os fatores para estimar as quantidades energéticas, o próprio Jung deixa bem claro na introdução de “A Energia Psíquica” que os fenômenos físicos podem ser considerados sob dois pontos de vista:

  1. o mecanicista, de concepção meramente causal; que compreende o fenômeno como resultante de uma causa; e
  2. o energético, de concepção finalista; que entende os fenômenos partindo do efeito para a causa, no sentido de que no fundamento das transformações há uma energia que se mantém constante, produzindo, entropicamente, um estado de equilíbrio.

 

Essas concepções são as naturezas de finalidade e causalidade que não se confundem nem são formas autonômicas de entender. A diferença entre a consideração causal (conf. “a”) e a teleológica são os dois modos de pensar as maneiras formais de descrever um mesmo fenômeno.

 

A teoria dos sistemas e a cibernética trouxeram após os anos cinqüenta o conceito de teleologia, a doutrina que trata das causas finais (ou conjunto dos argumentos que se aplicam à noção de finalidade) que até alguns anos atrás ( antes das descobertas dos ácidos nucléicos ARN e ADN) era repudiada pelos biólogos e botânicos.

 

Jung elabora uma argumentação inegavelmente forte em favor de que a energia psíquica e física têm o seu elo de equivalência na forma de adaptação psíquica ao meio, conforme já vimos linhas atrás nas afirmações de Tyrrell.

 

Inegavelmente houve um salto no desenvolvimento da neurofisiologia, a partir dos estudos dos casos verificados com as vítimas da II Guerra Mundial, no que se refere às lesões cerebrais, no próprio palco de guerra ( front, locais bombardeados) e hospitais afastados. Os achados neurológicos não só enriquecem os estudos anteriores, mas também os desenvolvem, mostrando que ainda restam outros caminhos de análise, em seus vínculos, além daqueles sustentados por Tyrrell e Price.

 

Entre os vertebrados, obtém-se provas do fato de no SNC(sistema nervoso central) cada neurônio tem uma ação excitatória ou inibitória de modo exclusivo. Esse é o conceito da especificidade funcional. Já é sabido que não são somente as próprias substâncias transmissoras mas as propriedades das membranas subsinápticas que também, determinam o efeito excitatório ou inibitório dessas substancias. Nada é conhecido quanto ao surgimento de modelos de impulsos neurônicos que levam do planejamento ao comando da ação que têm origem em mecanismos designados de deflagradores automáticos ou da nossa própria vontade. Os neurofisiólogos admitem, porém, que os pensamentos levam à ação a atividade neurônica das regiões superiores do cérebro, quando esta pode ser modificada, por adaptação ao meio ambiente. Ainda faltam os modelos (pattern) da transformação do “pensamento” e da “vontade”. Os processos da linguagem, do reconhecimento da forma e do espaço (interior e exterior do próprio corpo) têm a participação das regiões parietais e temporais do córtex associativo. As funções do lobo frontal fazem supor que numa delas se vincula ao aprendido dos modos de comportamentos característicos da espécie. Os pacientes que sofrem lesão nos lobos frontais apresentam humor variado, ora eufóricos ou desinibidos, ora impulsivos, instabilidade psíquica, falta de iniciativa e perseveração. A aprendizagem, a memória, e a liberação da informação são propriedades da rede neurônica. Significam, com efeito, uma “tarefa” de adaptação comandada pelo córtex em face das transformações do meio ambiente. Os mecanismos de recordação ainda não estão bem conhecidos em relação aos de aprendizagem (tomada de informações) e da memória (armazenamento de informações). Os mecanismos de escolha e esquecimento das informações protegem o indivíduo contra um acúmulo excessivo de dados, simultâneos, que seria prejudicial, isto é, a onisciência seria altamente prejudicial ao homem se ocorresse num átimo de tempo. O estudo dos neurotransmissores e transferências intersinápticas mostram algum caminho, dos quais se evidencia a serotonina na observação de alterações típicas daquelas encontradas na alucinação. Em CIBERNÉTICA DOS ESTADOS EMOCIONAIS de L. Holanda Jr. encontra-se um desenvolvimento de Constatin Balanceanu- Stolnici para explicar um modelo cibernético, que resumimos, em um outro estudo, o sistema de motivação “tende a manter certos parâmetros estruturais e funcionais do organismo, contra a influência de todas as perturbações”. Para alcançar esse objetivo, desenvolve uma estratégia da motivação, complexa, através de limiares, “drives”, “patterns”, etc. que considera os fatores circunstanciais do meio ambiente e do organismo, interatuantes segundo aspectos probabilísticos. Esses elementos serviram de ferramenta às bases experimentais da hipnose, obtendo-se com verbalização adequada uma eficiência ampliada. Pierre de Latil (O PENSAMENTO ARTIFICIAL) examina os fatores que designa “pre-fatores comuns” que identificam imagens e comportamentos comuns a uma espécie e a um determinado meio, de modo que, à maneira do inconsciente coletivo, memórias, imagens, ação do meio, reações comportamentais de um grupo identificado por uma história cultural comum podem ser explorados (reavivados) e determinam respostas “esperadas” prováveis por indivíduos desse mesmo grupo. E, desse modo, certas configurações contingenciais deixariam de depender do simples acaso, por participarem “do meio contingente” preformado na mente do indivíduo. Retornando à obra de Tyrrell, a “aparição e um objetivo de percepção criado para exprimir imagens de uma “idéia”, a dotando-se que há um fenômeno telepático: o agente de uma aparição poderia não ter uma concepção exata da imagem com que irá aparecer, apesar da aparição o representar completo por vários pormenores. Anota que as “aparições se comportam como se conhecessem o ambiente que as envolve e tivessem conhecimento do que estão a fazer”. A idéia desenvolvida é a de conformação de um padrão (pattern) pré-fator comum. O agente da alucinação telepática fornece o tema geral, “deixando grande margem à originalidade criadora, representativa, do produtor”. A “idéia padrão”, então, distingue-se através de três características gerais:

 

“1.  É dinâmica, pois que se associa normalmente ao início de um intervalo.

“2. É criativa, pois que manifesta interesse na expressão e perfeição.

“3.  É teleológica, pois que manifesta interesse na adaptação e ajustamento dos meios aos fins.”

 

Nesta linha de pensamento Tyrrell amplia a imagem da “idéia padrão coletiva”. O conceito de idéia padrão coletiva corresponde ao inconsciente coletivo de Jung. Daí surge uma questão que atormenta os parapsicólogos: pode uma alucinação telepática ser coletiva? a resposta parece-nos positiva. Esta resposta acarreta outras implicações.

 

Tyrrell defende a transferência do gerador da alucinação telepática, da pessoa A que lança o tema, a imagem simples, a idéia, despida de adjetivos, que é captada a nível inconsciente pelo percipiente B (isoladamente ou não) o qual irá criar o drama, a roupagem e o espaço para o palco onde se desenvolve a peça e a interpretação da idéia poderá surgir depois de um ou mais atos do drama vivenciado pelo emissor A, ainda em vida. O desenvolvimento de Tyrrell como se vê, é resistente aos conceitos modernos. Tyrrell não deixa de abordar a experiência fora do corpo (EFC) e a inclui dentro do seu modelo geral de alucinação. Concluímos que a idéia de Tyrrell merece um tratamento mais demorado e que além dos dois caminhos de Price, os fenômenos alucinatórios telepáticos devem seguir um programa interdisciplinar cabendo-lhe um amplo espaço à neurofisiologia, motivação que, desde 1983, tem tomado boa parte de nosso tempo e por ora (e em boa ora) o I.P.P.P. está lançando o seu primeiro curso sobre o sistema nervoso central para os seus associados.

 

 

(*) Trabalho apresentado no XIV SIMPÓSIO PERNAMBUCANO DE PARAPSICOLOGIA, realizado no Recife, em 9 de novembro de 1996.

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