A realidade transcendental: uma introdução à transcendentologia

Ronaldo Dantas Lins

 

Tratar a questão do transcendental sem estar ligado a qualquer credo religioso, escola filosófica ou metodologia científica é o desafio audacioso de Valter da Rosa Borges ao escrever o livro “A Realidade Transcendental: uma Introdução à Transcendentologia”. E, para incentivar o estudo da Transcendentologia, que ele criou, fundou a Sociedade Internacional de Transcendentologia, no dia 18 de abril de 1999, constituída de  brasileiros e um norte-americano, o Dr. Stanley Krippner.

Dada à complexidade dos temas abordados no referido livro, faremos apenas considerações gerais sobre a proposta da Transcendentologia como um ramo de conhecimento emergente e interdisciplinar.

Argumenta Rosa Borges que certos fenômenos paranormais e outros tidos por milagrosos transgridem as leis da realidade física e ultrapassam, de muito, a capacidade do ser humano, ensejando a especulação sobre a existência de um outro nível da realidade – a realidade transcendental ou RT, que constitui uma expressão genérica para todos os níveis não-físicos do real.

Argumenta ainda que a realidade é, para nós, sempre material, porque matéria é o modo como decodificamos a realidade. E esclarece que a matéria não é ilusória, mas, sim, a nossa crença de que ela é a única forma da realidade. Alega que a essência da matéria é a percepção e é a cultura que nos fornece a materialidade das nossas percepções. Mas a realidade, diz ele, não se reduz à materialidade do universo físico e, conseqüentemente, existem outros níveis da realidade com a sua materialidade própria. Há, assim, infinitos níveis da realidade, dos quais a realidade física é apenas um deles. Sustenta que a vida não é apenas um fato biológico, mas transbiológico e que, em ocasiões especiais, existe uma interação entre os seres vivos ou biológicos e o seres transvivos ou transbiológicos, conhecidos como “mortos” ou “espíritos”.

Segundo Rosa Borges, a Transcendentologia é a proposta de um conhecimento interdisciplinar que utiliza subsídios das mais diversas áreas do conhecimento humano para a investigação da realidade transcendental ou RT e tem por objeto a investigação de fenômenos insólitos que possam ser atribuídos a um agente transcendental ou AT. Também especula a respeito da RT com base nas informações fornecidas pelos AT’s. Por isso, a Transcendentologia se utiliza da metodologia científica, da especulação filosófica e das experiências místicas e mediúnicas para a investigação de fenômenos que sugerem a existência deste outro nível da realidade.

A Transcendentologia postula que a RT, sendo não-física, é ininteligível pelas leis que governam a realidade física. A RT é povoada por seres transcendentais ou STs, que possuem uma natureza diferente da nossa e por seres humanos transcendentais ou SHTs, que são os espíritos das pessoas falecidas que, embora transformadas na nova realidade em que vivem, guardam ainda elementos identificativos de sua extinta vida biológica.

Diz Rosa Borges que os fenômenos insólitos que não possam, razoavelmente, ser atribuídos a uma pessoa humana, na condição de agente psi ou AP, devem ser considerados como indícios da interferência de um agente transcendental ou AT, nome genérico para os seres transcendentais ou STs, os quais foram identificados, pelas religiões, como deuses, anjos, demônios, devas, espíritos da natureza e espíritos dos mortos. Teoriza, ainda, que  o homem, após a sua morte, se converte num tipo de ser transcendental, a que denomina de ser humano transcendental ou SHT e, nesta condição, guarda resquícios do ser que já foi, revelando a conservação de um fator sobrevivente ou FS. Não há, portanto, que se falar em sobrevivência, mas na transformação do ser falecido em outra forma de individualidade compatível com o novo meio onde passou a viver.  Apesar disso, o seu FS permite a sua identificação por parentes e amigos nas raras ocasiões em que interage com o universo físico. Para isso, o SHT se utiliza, geralmente, de um ser humano, denominado de Mediador biológico ou MB que, no Espiritismo, é conhecido como médium.

Entende Rosa Borges que a RT é extremamente complexa, constituída de diferentes níveis fenomenológicos, o que explica a diversidade das revelações espirituais e das comunicações mediúnicas.

Inicialmente, ele julga necessário estabelecer as fronteiras entre o paranormal e o transcendental, definindo os seus respectivos domínios fenomenológicos, reconhecendo, no entanto, que é quase sempre difícil estabelecer esta distinção, em razão da inexistência de um critério confiável para distinguir precisamente as duas ordens de fenômenos. Assim, ele adotou o critério da razoabilidade, o qual consiste em declarar que um fenômeno insólito é transcendental se não pode, razoavelmente, ser atribuído à ação do inconsciente do AP.

Assinala Rosa Borges que a pesquisa da sobrevivência post-mortem do homem não implica a admissão de sua imortalidade. A sobrevivência pode ser transitória. Ou seja, o indivíduo pode durar séculos, até mesmo milênios, retornar várias vezes à existência física e, um dia, finalmente, morrer. A imortalidade do ser humano, diferentemente da sua sobrevivência post- mortem, não é verificável empiricamente e sempre será matéria de especulação filosófica e religiosa.

A Transcendentologia se divide em duas partes: a Transcendentologia Geral que estuda a RT como um todo e a Transcendentologia Especial que examina questões particulares da RT, como, por exemplo a investigação da sobrevivência post mortem do homem.

Os fenômenos transcendentais são subjetivos e objetivos.

Os fenômenos transcendentais subjetivos são aqueles em que o SHT interage telepaticamente com o MB, o qual, na maioria das vezes, transmite a sua mensagem por psicografia, sob forma personificativa ou não. Eles se apresentam sob as seguintes modalidades:

  1. a) comunicação transcendental subjetiva (telepatia e comunicação transcendental subjetiva personificativa);
  2. b) aparição subjetiva;
  3. c) percepção transcendental (clarividência, experiência fora do corpo ou EFC e experiência de quase-morte ou EQM);
  4. d) cognição transcendental (memória extracerebral, xenoglossia e criatividade psi).

Os fenômenos transcendentais objetivos são aqueles em que o SHT se comunica com os seres humanos ou age sobre o mundo físico, utilizando, quase sempre, os recursos orgânicos do MB. Suas modalidades são as seguintes:

  1. a) ação transcendental (escrita direta ou pneumatografia, pintura ou desenho diretos, escotografia, telecinesia, levitação, “poltergeist“, curas transcendentais e metafanismo);
  2. b) comunicação transcendental objetiva (voz direta ou pneumatofonia e transcomunicação instrumental ou TCI);
  3. c) aparição objetiva.

Rosa Borges propõe a utilização de quatro métodos para a investigação transcendentológica: o método indutivo, o método qualitativo, o método comparativo e o método histórico.

O método indutivo visa a coleta de dados que permitam, em determinado momento, elaborar uma proposta de generalização da fenomenologia transcendental. É o que melhor se presta para a investigação transcendentológica e aplicável tanto aos casos espontâneos, como às experiências controladas.

A pesquisa dos casos espontâneos se fundamenta na confiabilidade do testemunho das pessoas e de sua manifesta isenção em relação aos fenômenos que presenciaram. Também devem ser observadas a coerência e consistência dos relatos com os respectivos fatos.

Rosa Borges enfatiza  que os instrumentos tecnológicos, utilizados para subsidiar nossas observações e até para corrigi-las, não podem substituir o testemunho humano, porque são meros auxiliares e não fatores decisórios na pesquisa. Lembra também que não há como repetir-se fenômenos insólitos com um SHT específico. É o conjunto de manifestações dos SHTs que demonstra a sua constância e consistência significativas. Cada manifestação do SHT é um fenômeno singular, autônomo, irrepetível. E argumenta:

A repetibilidade objetiva da metodologia científica é substituída, na investigação transcendentológica, pela repetibilidade subjetiva das experiências transcendentais coincidentes. Não é, portanto, a repetibilidade do fenômeno na mesma pessoa, mas a repetibilidade do fenômeno em pessoas diferentes. A interpretação da nova teoria quântica, segundo a escola de Copenhague, derrubou a concepção clássica da objetividade, mediante a qual o mundo possuía um estado de existência bem definido e independente da nossa observação.

Embora o SHT não seja controlável, é possível estabelecer condições em que ele possa ser melhor observado. Afinal, estamos lidando com seres inteligentes que podem não concordar em se submeter aos critérios da nossa investigação. Assim, ainda que não possamos repetir, controlar e prever as manifestações de um SHT, o seu FS, em alguns casos, é passível de comprovação empírica.”

O método comparativo visa à coleta do maior número possível de fenômenos insólitos, ocorridos na presença de místicos, santos, médiuns, xamãs e gurus, nas mais diversas culturas, seja no passado ou no presente, com o propósito de observar as suas características comuns, as suas formas coincidentes de manifestação, para a elaboração de padrões epistemológicos coerentes e significativos.

O método histórico objetiva o estudo e revisão dos casos espontâneos e as pesquisas realizadas, no passado, por cientistas de renome e competência em investigação psíquica, o que poderá fornecer subsídios para a avaliação da natureza dos fenômenos observados. Assim, é possível, em cada caso específico, defini-los como paranormais ou transcendentais.

Há duas vertentes da pesquisa transcendentológica: a identificação do STH, com base no seu FS e o estudo comparativo das informações dos mais diversos STs sobre o universo onde habitam.

A investigação do SHT procura identificar padrões fenomenológicos, na manifestação do seu FS, capazes de favorecer as condições confiáveis de sua observação e compreensão.  Assim, são indicativos da manifestação do FS de um SHT:

  1. a) a demonstração inequívoca de suas aptidões e habilidades, cacoetes e modos de expressão de quando ele era um ser humano;
  2. b) a comprovação da veracidade das informações a respeito da pessoa que ele foi e de que nenhuma outra poderia, razoavelmente, ter conhecimento.

Assinala Rosa Borges que a pesquisa transcendentológica do SHT não se centrará diretamente sobre ele, mas sobre o seu FS e adotará os seguintes procedimentos: a) estudo de casos espontâneos, relatados por pessoas que presenciaram o fenômeno transcendental; b) estudo e reavaliação de casos espontâneos investigados por pesquisadores competentes;

  1. c) reavaliação crítica das experiências, realizadas por pesquisadores qualificados, com pessoas dotadas de aptidões paranormais;
  2. d) a realização de experiências com pessoas e/ou instrumentos que permitam observar fenômenos suscetíveis de serem interpretados como evidência do SHT.

A Transcendentologia Especial, portanto, estuda os fenômenos transcendentais em suas diversas modalidades e a Transcendentologia Geral investiga as questões relativas aos seres individuais como também ao Ser absoluto, discutindo as relações ontológicas entre os indivíduos e o Todo.

Observa Rosa Borges que parece existir um acordo tácito entre as diversas correntes filosóficas e religiosas sobre a existência de algo necessariamente eterno de onde se originam todas as coisas. E argumenta:

“Na verdade, se não existe algo eterno, coisa alguma subsistiria, pois, mesmo admitindo o absurdo de que algo pudesse originar-se do nada, este algo não seria eterno e, portanto, voltaria ao nada de onde veio. Aqui nos referimos ao nada como um nada e não como uma potencialidade ou virtualidade. Logo, é claramente evidente que o nada não pode gerar algo e, muito menos, ser uma fonte contínua de tudo quanto existe.

            Mas, se existe algo eterno, ele pode ser esta fonte geradora contínua de tudo quanto existe, restando discutir se as coisas geradas são também imortais ou apenas passageiras, retornando à fonte original.”

Para Rosa Borges, não há morte, perdição e salvação, pois nada pode morrer ou se perder no Todo e, portanto, não há nada para salvar. O que se chama de morte é o processo contínuo de transformação das formas. O que se chama de perdição, a ignorância da parte sobre a sua essencial união com o Todo. E o que se chama de salvação ou libertação, a conscientização do ser individual de sua integração no Todo. A salvação ou libertação não é a perda da individualidade, absorvida pelo Todo, mas a perda da ilusão de uma individualidade separada de tudo e do Todo.

Finalmente, assinala que a evolução só existe na realidade fenomenal e consiste no processo de contínua ampliação da consciência da integração do ser individual no Todo. Por isso, o ser individual é, como essência, imortal e, portanto, em sua trajetória evolutiva, ele não conquista a imortalidade, mas sim a consciência de sua imortalidade.

Com esta obra, o professor Valter da Rosa Borges dá uma importante contribuição na busca de construir um modelo coerente para o instigante mundo do transcendental, apresentando um conteúdo denso, pormenorizado e profundo, sobre um tema por demais complexo e que só pesquisadores preparados como ele têm a coragem e a competência de enfrentar.

 

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