A paranormalidade na Justiça brasileira

POR VALTER DA ROSA BORGES

O primeiro caso em que a Justiça brasileira foi chamada a decidir ocorreu no campo do Direito Civil, em 1944, quando a Sra. Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor Humberto de Campos, ingressou em juízo com uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e o médium Francisco Cândido Xavier, exigindo o pagamento de direitos autorais sobre as obras psicografadas por aquele médium e atribuídas a seu falecido esposo. Pretendia a suplicante que se declarasse judicialmente se as obras eram da lavra do espírito de Humberto de Campos e, em caso afirmativo, a quem pertenciam os direitos autorais. Na hipótese contrária a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier deveriam ser passíveis de sanção penal e proibidos de usar o nome de Humberto de Campos em qualquer publicação literária estando ainda sujeitos ao pagamento por perdas e danos.

Como era de se esperar, a ação foi julgada improcedente por sentença prolatada pelo Juiz de Direito, Dr. João Frederico Mourão Russel, sob fundamento de que o Poder Judiciário não é órgão de consulta para decidir sobre a existência ou não de um fato e, na hipótese dos autos, sobre a atividade intelectual de um morto.

Inconformada a autora agravou da decisão, a qual, no entanto, foi mantida por seus jurídicos fundamentos, pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, tendo sido relator o Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa.

O nosso Direito Civil, no seu Artigo 10, estabelece que “a existência da pessoa natural termina com a morte” e, por conseguinte, não cogita da continuidade da pessoa física após a morte e praticando atos que gerem conseqüências jurídicas. Ainda que, um dia se prove, cientificamente, a sobrevivência post-mortem, terá o legislador que decidir se os atos praticados pelo espírito tenham ou não repercussão no mundo jurídico.

À luz da Parapsicologia e do Direito, a atividade literária ou artística de um agente psi no campo da psicografia, psicopictografia e psicomusicografia, é a ele atribuída embora, em razão de sua crença espirita, declare que seus autores sejam escritores, pintores e músicos falecidos.

No Brasil, Francisco Cândido Xavier psicografou obras literárias no estilo de mais de uma centena de escritores e poetas brasileiros e portugueses já falecidos, podendo-se destacar, entre eles, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimarães, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Emílio de Menezes, Guerra Junqueiro, João de Deus e Bocage.

Outro brasileiro, o psicólogo Luiz Antônio Gasparetto, psicopictografou quadros no estilo de Renoir, Touluse Lautrec, Gauguin, Degas, entre tantos outros pintores.

Nesses casos, não há que se falar de plágio, pois não se trata de reprodução integral da obra dos intelectuais e artistas falecidos e nem também de adaptação da mesma. O fenômeno é um pastiche inconsciente, demonstrando a extraordinária capacidade criativa do agente psi de imitar os mais variados estilos, reproduzindo-os, de maneira vertiginosa, mediante processo de automatismo motor. O pastiche, por ser imitação de estilo, não é plagio e, com mais razão, se o pastiche é inconsciente. Não há plágio de estilo.

No Brasil, psicógrafos e psicopictógrafos, em razão de sua crença espírita, acreditam que as suas produções se originam de intelectuais e artistas desencarnados. Por isso, a eles não se aplica o disposto no Art. 185 do Código Penal, que define, como crime, “atribuir falsamente a alguém, mediante uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária científica ou artística”.

No nosso Direito Penal, há três casos cuja decisão judicial que se fundamentaram em comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier nas quais os pretensos espíritos das vítimas de homicídio inocentaram os respectivos réus. Os casos são os seguintes:

  1. a) crime de homicídio, ocorrido em Goiânia de Campina, Goiás, no dia 8 de maio de 1976, praticado por José Divino Gomes contra Maurício Garcez Henriques.
  2. b) crime de homicídio, acorrido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 1º de março de 1980, praticado por José Francisco Marcondes de Deus contra a sua esposa Cleide Maria, ex-miss Campo Grande;
  3. c) crime de homicídio, ocorrido na localidade de Mandaguari, Paraná, no dia 21 de outubro de 1982, praticado pelo soldado da Polícia Militar, Aparecido Andrade Branco, vulgo “Branquinho” contra o deputado federal Heitor Cavalcante de Alencar Furtado.

No primeiro caso, o Juiz de Direito da 6ª. Vara Criminal de Goiana, Dr. Orimar de Bastos, absolveu o réu, sob fundamento de que a mensagem psicografada de Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, merece credibilidade e nela “a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado”.

Trata-se de uma sentença equivocada à luz do Direito e sem qualquer respaldo na Parapsicologia, por fundar-se numa hipótese extrajurídica e não-científica, visto que a existência do espírito e sua pretensa interferência no mundo dos vivos não constitui matéria atinente a estas duas ciências.

No segundo caso, o advogado do réu, devidamente autorizado pelo Juiz, entregou aos jurados cópias de três mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier, onde o espírito da vítima afirmava que o seu esposo a matara acidentalmente. Por unanimidade, o tribunal do júri absolveu o réu, o qual, em nova julgamento, após cinco anos, foi, mais uma vez, absolvido.

No terceiro e último caso, embora admitida como prova a mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, na qual o espírito da vítima inocentava o réu pelo tiro que deste recebera, o tribunal do júri, por cinco votos a dois, o considerou culpado, tendo o Juiz de Direito, Dr. Miguel Tomás Pessoa Filho, condenado o réu a oito anos e vinte dias de reclusão.

Em face desses três casos, a questão que se levanta é a seguinte: é juridicamente admissível, como prova judicial, mensagens psicografadas que digam respeito à determinação de responsabilidade penal ou de direitos e obrigações civis? A resposta é afirmativa, desde que se trate de prova subsidiária e em harmonia com o conjunto de outras provas em direito admitidas. Fica, porém, claro que, em hipótese alguma, a autoria da mensagem psicografada seja atribuída à pessoa falecida, mas, sim ao inconsciente do psicógrafo. No julgamento do caso, poderia ser admitida a hipótese parapsicológica de que o agente psi, por telepatia, recolheu informações sobre o crime do inconsciente da vítima, ainda quando ela estava viva. Segundo a hipótese da latência psigâmica, a informação telepática pode permanecer no inconsciente do agente psi, durante dias ou meses após o falecimento da pessoa de onde se originou, sendo afinal conscientizada sob forma de “mensagem mediúnica”, como se fosse produzida por aquela pessoa na condição de espírito. Assim, a mensagem mediúnica, trazida como prova subsidiária em juízo, constituiria testemunho de pessoa enquanto viva, e não depois de sua morte.

Poder-se-ia, no caso, argumentar que a vítima, no momento dramático de sua morte, percebeu, de seu ponto de vista, a inocência do réu na prática do ato que lhe tirou a existência. Esta experiência traumática foi captada telepaticamente por um agente psi e, posteriormente, explicitada sob forma de psicografia. Dentro dessa perspectiva parapsicológica, a mensagem psicografada poderia servir como prova subsidiária, desde que em harmonia com as demais provas dos autos, podendo, inclusive, trazer novas subsídios para uma melhor compreensão do fato delituoso.

Nos três casos decididos pela Justiça brasileira, a prova psicográfica apresentada em juízo deveria ter sido apreciada à luz da Parapsicologia e não do Espiritismo.

 

Compartilhe: