Valter da Rosa Borges
O problema central da Parapsicologia é o médium, considerado, até o momento, a causa exclusiva dos fenômenos paranormais.
As evidências sugerem que talvez todas as pessoas, ao menos uma vez na vida, passem por uma experiência paranormal, o que não autoriza a conclusão de que elas sejam médiuns.
Médium é quem, “habitualmente”, produz fenômenos paranormais. A habitualidade na produção de tais fenômenos é o que caracteriza esta faculdade numa pessoa. Assim, sob o ponto de vista da Parapsicologia, médium não é aquele que tem mediunidade, pois a mediunidade é uma hipótese e não um fato, embora, de modo contrário, pensem os parapsicólogos de formação espírita. Para estes, a mediunidade tem por “causa” um agente extracorpóreo a que denominaram de “agente teta” e, por “condição”, um intermediário humano — o médium. Com isto, porém, não estamos negando, mas situando a mediunidade como uma hipótese de alta probabilidade, notadamente para a explicação de certos eventos paranormais.
O médium não é uma pessoa excêntrica, nem, muito menos, um ser especial, dotado de um dom ou de um carisma. A paranormalidade não é qualquer tipo de psicopatia, embora, em certas circunstâncias, possa afetar o equilíbrio emocional e psíquico do médium. A crença, infelizmente generalizada, de que o exercício dessa faculdade leva a maioria das pessoas a internamento em ambulatórios psiquiátricos, embora destituída do mínimo fundamento, tem contribuído para distorcer a realidade dos fatos. E’ um erro pensar-se que todas as pessoas que participam, direta e ativamente, de “trabalhos mediúnicos” em centros espíritas ou em terreiros de Umbanda são, verdadeiramente, médiuns. Muitas das “manifestações” e “comunicações mediúnicas” podem ser facilmente explicadas como simples fenômenos psicológicos.
Não raro — já o dissemos — a faculdade paranormal ocasiona problemas. Estes problemas decorrem mais da falta de informação que as pessoas têm sobre o assunto do que mesmo da faculdade em si. Não se nega, contudo, que certa classe de tais fenômenos é bastante incômoda e até mesmo vexatória para o médium. Não obstante, na quase totalidade dos casos, esta faculdade é facilmente incorporável à própria rotina da vida. A resistência ao fenômeno é que, via de regra, produz desajuste emocional e psíquico. E o medo aumenta a sensação de desconforto e da angustia, instalando, naquele que vive esse tipo de experiência, uma intensa neurose situacional. E, se por acaso, o evento paranormal ocorre em pessoa com problemas psicológicos, disto resultará uma síndrome bastante complexa para uma abordagem terapêutica convencional. Nesta emergência, a pessoa, acicatada por essas perturbações, iniciará uma longa romaria aos consultórios de psicólogos e psiquiatras e aos centros espíritas e terreiros de Umbanda.
Os representantes da ciência oficial lhe dirão que tudo o que ela sente não passa de conflitos existenciais não resolvidos, produzindo, em conseqüência, alterações somáticas e distúrbios neurovegetativos. Os espíritas e umbandistas lhe assegurarão que se trata de um caso de “obsessão” — influência maléfica de “espíritos desencarnados” ou de “exus” sobre o consulente — ou de mediunidade. Nesta hipótese e sendo a mediunidade uma missão ou uma provação, o médium tem a obrigação de desenvolvê-la, dela se utilizando para a prática do bem e para sua própria melhoria espiritual.
Há, assim, uma tendência generalizada de se considerar o médium como uma pessoa diferente, excepcional. Tal distinção concorre, muitas vezes, para alterar-lhe a personalidade, principalmente se ele se torna famoso em sua comunidade religiosa, passando a receber atenções especiais e privilégios. A partir daí, tudo fará, conscientemente ou não, para manter sua posição de destaque como abençoado medianeiro entre os espíritos, desencarnados e os homens. Nesta situação de “corretor da espiritualidade”, agenciando soluções para as pessoas desorientadas, ele compensa também suas próprias frustrações e necessidades de afirmação, exercendo incontestável domínio, conquanto velado, sobre seus companheiros de fé. A falta de senso crítico, as necessidades emocionais de segurança, a imaturidade e o despreparo intelectual da maioria das pessoas levam-nas a acreditar, piamente, nas “orientações espirituais” por mais estapafúrdias que elas sejam. A dúvida sobre tais comunicações tem um sabor indisfarçável de heresia, o que favorece a tranqüilidade do médium quanto a uma possível contestação de sua infalibilidade mediúnica. Nestas circunstâncias, o papel do médium é altamente gratificante, pois se constitui numa forma vicária de liderança. O médium, assim, exerce o mando, na qualidade de preposto do líder invisível, o “guia espiritual” do centro ou do terreiro.
Aliás, em nosso livro, “Introdução ao Paranormal” já advertíamos:
“E’ de bom alvitre, por Isso, que os médiuns fiquem sob a orientação e o controle de pessoas experimentadas e conhecedoras do assunto, a salvo de leigos e místicos, os quais, por seu despreparo científico e psicológico, poderão ocasionar-lhes sérios rejuízos de natureza física e/ou psíquica.
“Não é possível qualquer pesquisa séria e produtiva, no campo da paranormalidade sem um conhecimento aprofundado da personalidade do sensitivo, através de testes adequados, aplicados por especialistas competentes.”(l)
Praticamente impossível, por conseguinte, a pesquisa com médiuns filiados a movimentos religiosos, porque, sob o pretexto de “fazer a caridade”, eles se furtam a uma pesquisa científica com o receio, talvez inconsciente, de comprometer a sua faculdade e também o seu prestígio.
Durante os cinco anos de existência do nosso Instituto Pernambucano de Pes-quisas Psicobiofísicas, raríssimas vezes tivemos a oportunidade de pesquisar um fenômeno paranormal autêntico, face à resistência que os grêmios religiosos oferecem aos parapsicólogos, impedindo-os, por todos os meios, de estudar e comprovar as faculdades de seus médiuns.
Raro é o médium como Arigó que, demonstrando alto espírito de compreensão, colaborou na pesquisa científica de suas faculdades, sem, por isto, prejudicar suas ati- vidades caritativas ou suas convicções religiosas.
Quem foge, assim, a um trabalho dessa natureza, sob o surrado refrão de que todo cientista é um céptico, é porque, na verdade, ou desconhece a natureza da faculdade que possui, ou porque não possui qualquer faculdade paranormal para ser testada.
(*) Publicado no Jornal do Commercio. 7 de maio de 1978.