Parapsicologia: Uma Avaliação Crítica Fenomenológica (*)

INTRODUÇÃO

 

Já tivemos a oportunidade de apresentar em congressos e simpósios de Parapsicologia, realizados no Brasil, trabalhos de apreciação crítica sobre problemas ligados a interdisciplinaridade, epistemologia e demarcação da ciência do paranormal.

O trabalho que agora apresentamos constitui um prolongamento e aprofundamento das nossas reflexões, que visam clarificar, cada vez mais, o terri­tório da investigação parapsicológica.

Passadas mais de três décadas do Congresso Internacional de Ciênci­as Psíquicas, realizado em Utrecht, na Holanda, a classificação proposta por Thouless e Wiesner permanece incólume e como que a salvo de tentativas revisionistas.

Não se pode, no entanto, esquecer a existência de outros fenômenos insólitos que, no passado, foram criteriosamente pesquisados e autenticados por eminentes pesquisadores.

Já é tempo, portanto, de a Parapsicologia absorver, com as necessá­rias cautelas, alguns desses fenômenos, incorporando-os ao seu domínio.

Este trabalho é uma proposta de ampliação do território fenomenológico da Parapsicologia, enfatizando a versatilidade do psiquismo inconsciente na gênese dos fenômenos paranormais.

 

O INCONSCIENTE EM PARAPSICOLOGIA

 

Podemos, preliminarmente, definir o inconsciente, à luz da Parapsi­cologia, como o conjunto de todas as potencialidades da mente humana.

O inconsciente, como já reconhecera Jung, é um processo. Mas, um processo de extrema complexidade, porque envolve dois níveis operacionais distintos: os automatismos psicofisiológicos e as atividades estocásticas e criadoras.

Os fenômenos paranormais têm demonstrado que somos muito mais do que tudo o que aprendemos e apreendemos. Em nosso psiquismo inconsciente estão em contínuo processo dinâmico, todas as nossas experiências normais e paranormais, produzindo, incessantemente, associações espontâneas, as quais, por sua vez, passam a fazer parte do turbilhão associativo, resultando em novos conteúdos psíquicos e, assim, indefinidamente. É um processo autor- reprodutor, elaborando criações originais, independentemente dos subsídios do universo exte­rior. A mente, portanto, não trabalha somente com a matéria-prima importada da realidade externa, como pensava Kant, mas, principalmente, com a sua própria matéria-prima. Ela é um turbilhão de extraordinária complexidade, geran­do e gerindo seus próprios produtos e exportando-os para o nível consciente, o qual constitui o resultado final desse processo psíquico.

Em regra geral, o estado de vigília é a seleção do material mnemônico de rotina, isto é, aquele conjunto de dados psíquicos considerados úteis às atividades cotidianas. Porém, em situações especiais, afloram ã consciência as descobertas e os inventos científicos, as obras literárias e artísticas e as manifestações paranormais.

A vigília não detém o privilégio de ser o único estado possível da consciência. Na verdade, o homem possui vários estados de consciência. Porém, pressupomos seja o de vigília o principal. Por isso, denominamos os demais de estados alterados, admitindo, como premissa, que a vigília é o estado padrão da consciência. Os sonhos, assim, são estados especiais de consciência a mar­gem da vigília, elaborando novos conteúdos psíquicos, que passam também, por sua vez, a fazer parte do nosso patrimônio existencial. O homem é o permanen­te resultado de todas as suas experiências objetivas e subjetivas e, por isso, não sabemos o quanto de real existe na atividade onírica e o quanto de sonho existe na nossa experiência do real.

Podemos comparar o inconsciente a um aposento em plena escuridão, onde é impossível se vislumbrar sua extensão e seu conteúdo. Seria necessário que o aposento fosse completamente iluminado para a percepção de seus limites e de tudo nele existente.

Acontece que a nossa consciência, em vigília, é, por analogia, um pirilam­po, voando, sem rumo certo, na escuridão do inconsciente e iluminando fracamente os locais por onde passa. Por isso, tudo o que podemos conhecer a respeito do inconsciente é, necessariamente, fragmentado, particularizado e mais pressuposto do que observado.

O nosso psiquismo inconsciente é permanentemente informado sobre o que se passa no mundo exterior, nao somente por intermédio da nossa percepção sensorial, inclusive a hiperestésica, mas também pela percepção extrassensorial. Ele não é apenas um complexo de impulsões instintivas, compulsões neuróticas, frustrações, repressões, comportamentos regressivos, heranças genéticas e condicionamentos culturais, porém de experiências parapsicológicas e conteú­dos originais resultantes das interações de tudo isso, num interminável processo associativo.

Quando um determinado material psíquico é conscientizado e reconhecido como recordação de vivências pessoais, este registro mnemónico é de nature­za psicológica.

Mas, se o material psíquico conscientizado não diz respeito à nossa experiência pessoal, estamos perante um fenômeno parapsicológico denominado de criptomnésia. Tal fato é uma evidência de que tudo o que está no psiquismo in­consciente nem sempre passou, antes, pelo psiquismo consciente. A criptomnésia, portanto, é memória parapsicológica.

Por outro lado, podemos também exteriorizar conteúdos psíquicos diretamente do inconsciente para o mundo exterior, sem que a nossa consciência to­me conhecimento do material exportado. Ou seja, podemos psiquicamente influir sobre outras pessoas sem que o saibamos.

 

PSI TETA: APENAS UMA HIPÓTESE

 

Inadvertidamente, alguns parapsicólogos, deixando-se trair por suas preferências religiosas, passaram a incluir, na classificação oficial da Para­psicologia, um outro tipo de fenômeno – o psi-teta.

Trata-se, no entanto, de um lamentável equívoco, visto que o psi-te­ta não é um fenômeno, mas uma hipótese, mediante a qual se pretende provar que certos fenômenos paranormais são produzidos por Espíritos. Ora, como a Parapsicologia tem por objeto os fenômenos incomuns da mente humana, a questão da so­brevivência se situa fora do seu domínio fenomenológico, podendo, no entanto, constituir-se em matéria de especulação interdisciplinar. Logo, não há fenôme­nos psi-teta e, assim, é um erro inadmissível colocar uma hipótese que nem se­quer é científica ao lado de fatos comprovados em laboratório, como a telepatia, a clarividência, a precognição e a psicocinesia.

Em trabalho anterior (1), já havíamos advertido:

 

“Nada obsta que, pessoalmente, o parapsicólogo possa interessar-se pela intervenção dos espíritos desencarnados na vida material. Porém, lhe é vedado misturar suas crenças particulares com os objetivos da Parapsicologia, utilizando-se dessa ciência para fazer proselitismo religioso ou filosófico. A finalidade da Parapsicologia não é provar ou negar a hipótese da sobrevivência, conquanto possa, indiretamente, contribuir para a sua discussão”.

 

ENRIQUECIMENTO FENOMENOLÕGICO

 

Definido, a partir de agora, o papel do inconsciente na gênese dos fenômenos paranormais, proporemos o enquadramento teórico de alguns dos fenômenos admitidos pela Metapsíquica no modelo oficial da Parapsicologia. Para isso, no entanto, é necessário distribuí-los nas modalidades de psi-gama e psi-kapa, considerando-os como simples formas de manifestação dos fenômenos paranormais.

Ressalte-se, por fim, que esse enquadramento é uma mera proposta de aproveitamento fenomenológico, não importando na admissão imediata daqueles fenômenos no domínio da Parapsicologia. Somente alguns deles apresentam, no momento, condições razoáveis de reconhecimento, carecendo de novos experimentos laboratoriais, seja com a utilização do método quantitativo-estatístico-matemático, seja com o emprego do método qualitativo.

Se utilizarmos, exclusivamente, o método quantitativo-estatístico-matemático, amesquinharemos o âmbito da pesquisa parapsicológica pela redução de sua área experimental.

Do mesmo modo se empregarmos, unicamente, o método qualitativo, empobreceremos, perigosamente, o rigor da investigação científica com o risco de comprometer a seriedade e a confiabilidade da Parapsicologia no seu status de ciência.

Cuidamos, portanto, que a conciliação entre as duas metodologias, preferindo esta ou aquela na conformidade de cada caso concreto, é a única estra­tégia capaz de ampliar o campo de ação do parapsicólogo sem ameaçar o rigor da experimentação paranormal.

 

ENQUADRAMENTO EM PSI-GAMA

 

A experiência paranormal tem evidenciado que a percepção da realida­de não ocorre exclusivamente na conformidade dos padrões convencionais de tem­po e espaço. Há pessoas que, em certas ocasiões, ou frequentemente, percebem fatos de modo contrário à orientação temporal (precognição), ou em contradição com as leis físicas e as noções clássicas de espaço (clarividência) e, finalmente, tomam conhecimento do que se passa com outras pessoas, quer estejam pre­sentes ou ausentes, por meios puramente psíquicos (telepatia). Daí, a compreensível perturbação que acomete, quase sempre, aqueles que passam por experiências paranormais, eis que se sentem alienados, embora transitoriamente, dos parâmetros rotineiros da realidade.

Não discutiremos, porém, nesta oportunidade, o problema do conhecimento paranormal, pois já tratamos criticamente do assunto em tese intitulada “Epis­temologia parapsicológica – uma nova proposta conceitual para o fenômeno de psi-gama”, apresentada, em 1983, no I Simpósio Pernambucano de Parapsicologia.

Limitar-nos-emos, portanto, a analisar, sumariamente, alguns fenôme­nos que, ao menos sob o ponto de vista teórico, poderão, com as devidas caute­las, ser enquadrados na Parapsicologia, como formas de manifestação psigâmica.

 

PSICOGRAFIA

 

A psicografia é, fisiologicamente, a expressão de automatismo motor, desencadeado por um fator psicológico ou parapsicológico. O que vai determinar-lhe a causa é o conteúdo informacional da mensagem psicografada. Se o comuni­cado, como soe acontecer na quase totalidade dos casos, não ultrapassar o nível da capacidade intelectual, das aptidões e dos conhecimentos do psicografo, ela não passará de um fenômeno meramente psicológico.

 

PSICOPICTOGRAFIA. PSICOMUSICOGRAFIA

 

O mesmo pode ser dito em relação à psicopictografia e a psicomusicografia. A melhoria do desempenho operacional de uma pessoa em estado alterado de consciência não é sintoma de paranormalidade. O afrouxamento da censura do ego facilita a atividade criativa do inconsciente em pessoas vocacionadas para as manifestações artísticas.

 

PSICOMETRIA. RADIESTESIA

 

A psicometria e a radiestesia são, a rigor, um mesmo fenômeno, porque consistem na obtenção de conhecimento paranormal pela manipulação de obje­tos físicos que funcionam como indutores da manifestação psigâmica. Nestes ca­sos, em vez de a mente humana exercer uma ação extracorpórea sobre o mundo ex­terior, ela é que é afetada pelas coisas materiais com as quais entra em contato.

Talvez devêssemos criar uma nova palavra que unificasse os dois fenômenos, significando essa influencia especial da matéria sobre o psiquismo de determinadas pessoas. Esta palavra seria hilestesia (de hyle – matéria – e aisthesis – percepção, sensação) em substituição aos vocábulos psicometria e radiestesia, enquadrando-a como forma de telepatia ou de clarividência segundo o caso.

 

XENOGLOSSIA

 

Se uma pessoa – o que é extremamente raro -, em certas circunstânci­as e comprovadamente, se exprime, com segurança e fluência, em idioma que des­conhece (xenoglossia), é evidente que explicita um conhecimento não aprendido. Trata-se, de um autêntico fenômeno de psi-gama, porém não redutível às modali­dades de telepatia, clarividência ou precognição.

A xenoglossia é, na verdade, um fenômeno de criptomnésia, porque o conhecimento manifestado já existia a nível inconsciente.

A discussão sobre a gênese desta manifestação psigãmica envolve os simpatizantes da hipótese genética e os que defendem a explicação reencarnacionista.

Acreditamos que a xenoglossia, porque diz respeito à experiência de pessoa viva, pode ser incluído como manifestação de psigama, embora a discussão a respeito de suas causas deva situar-se numa área interdisciplinar.

 

PROJEÇÃO DA CONSCIÊNCIA

 

A projeção da consciência é uma experiência psíquica, na qual uma pessoa percebe fatos que estão acontecendo em algum e, em alguns casos, como se estivesse ali presente. Alguns santos católicos também passaram por essa experiência. Em outros casos, as pessoas se percebem como se estivessem fora do corpo, observando o que se passa ao seu redor e, às vezes, também percebendo o seu corpo físico.

Se ela for constitui uma modalidade de clarividência, essa experiência psíquica pertence ao domínio da Parapsicologia.

Porém, se ficar comprovada a existência real deste outro corpo onde a consciência se localiza, separando-se, temporariamente, de seu corpo físico, a projeção da consciência passará a ser um fenômeno de fronteira ou de superposição entre a Parapsicologia e o Espiritismo. Interessa à Parapsicologia, porque está ligado a uma pessoa viva, numa situação psicofisiológica especial. E diz respeito ao Espiritismo, porque sugere a independência da consciência humana de sua estrutura orgânica. Neste caso, a projeção da consciência poderá tornar-se um setor especializado da Parapsicologia ou do Espiritismo de conformidade com a interpretação que seja dada ao fenômeno.

 

APARIÇÃO. CASA MAL-ASSOMBRADA

 

É inadequado falar-se de espaço físico ou psíquico. Há um só espaço-pois ele é criação da mente. Assim, nao há espaços, mas níveis psíquicos de es paço, segundo a situação de cada percebedor.

O que chamamos de espaço físico é a situação psíquica de interação ordinária entre as pessoas. Físico, portanto, é tudo aquilo que se encontra nessa interação. Então, denominamos de não físico o que não se situa neste contexto interpsíquico.

Os sonhos e as alucinações são vivências psíquicas solitárias, em regra gerais, pois que resultam da utilização de nosso próprio repertório existencial. Em outros casos, se originam de relações telepáticas com outras pessoas.

À luz da Parapsicologia, as aparições são classificáveis como fenômenos de psi-gama, se se tratarem de alucinações telepáticas e, como de psi-kapa, se o fantasma parece ser a causa de acontecimentos físicos insólitos, manifes­tados em sua presença.

Nas alucinações coletivas, ou seja, quando a aparição é vista simul­taneamente por várias pessoas, o ternário psíquico comum pode ser explicado pe­la dominância do inconsciente de um indivíduo sobre o dos demais.

O mesmo se diga em relação às casas mal-assombradas que se caracterizam por aparições recorrentes.

A Sra. Sidgwick, entre outros investigadores psíquicos, procurava ex plicar as assombrações por uma influência física sutil que, agindo sobre o cé­rebro de uma pessoa, produzia alucinações.

A hipótese é, na verdade, sedutora. Certas formas de radiações decorrentes da estrutura de um prédio ou de lençóis de água subterrânea, a presença de microrganismos, entre outros fatores, podem provocar experiências alucina­tórias em algumas pessoas, seja de maneira individual ou coletivamente. Assim, um determinado ambiente pode funcionar como um alucinógeno espacial, produzin­do fantasmas, os quais, em indivíduos predispostos, se transformarão em indutores de manifestações psicocinéticas. Por conseguinte, sob esse enfoque, o ver­dadeiro assombrador de uma casa é uma pessoa viva, passando por experiência paranormal.

Para o Prof. H.H. Price, no entanto, a assombração é constituída de imagens persistentes e dinâmicas, criadas pela mente humana, mas dela se sepa­rando para adquirir existência autônoma. Myers também aventava a hipótese de que o fantasma era “uma manifestação de energia pessoal persistente”.

A aparição, pela sua riqueza e complexidade, é um fenômeno que inte­ressa não apenas a parapsicólogos, mas a psicólogos, médicos e físicos. E (por que não?), principalmente aos espíritas, quando a aparição é de pessoa morta e também é percebida por animais. O diálogo interdisciplinar nos parece altamente gratificante e enriquecedor para todos os interessados no assunto.

 

ENQUADRAMENTO EM PSI-KAPA

 

Propusemos, para a categoria de psi-kapa, uma definição abrangente: ação paranormal da mente humana sobre seu próprio organismo, como também sobre outros seres vivos e a matéria em geral.

Inúmeras experiências – nem todas, porém, confiáveis-, realizadas por diversos pesquisadores – nem todos qualificados -, parecem demonstrar que a ação psi-kapa apresenta múltiplas formas de manifestação, podendo produzir profundas alterações na fisiologia humana ou afetar outros seres.

Agindo em seu próprio organismo, a mente é capaz de aumentar ou diminuir o peso do corpo, elevá-lo do solo (levitação), perfumá-lo (osmogênese), torná-lo eletrizado, indene ao fogo (incombustibilidade) ou apresentando fosforescência (fotogênese), alterar o tamanho e a fisionomia de uma pessoa (trans­figuração), desmaterializar uma parte do corpo, gravar, por irritação cutânea, letras, palavras e números (dermografismo) ou produzir ulcerações espontâneas (estigmatização) em diversos locais do mesmo.

Pode, ainda, exercer uma ação paranormal extracorpórea, afetando ou­tros seres vivos, seja de maneira benéfica (cura paranormal) ou maléfica (doença paranormal ou, vulgarmente, “mau olhado” e “quebranto”) e acelerar processos biológicos nos microrganismos e nas plantas. E, finalmente, desagregando parte de seu corpo, num fenômeno fisiológico desconhecido, mas assemelhado ao da histólise, criar extensões inusitadas de si mesmo (ectoplasmia), num simulacro de mãos e rostos humanos, ou, então, pseudópodes, podendo, inclusive, em casos especiais e discutidíssimos, elaborar réplicas antropomórficas (ideoplastia, teleplastia, materialização) com todas as aparências de um ser vivente e dotado de inteligência.

A ação psi-kapa pode, também, movimentar objetos (telecinesia), fazê-los aparecer onde antes não se encontravam, ou desaparecer e reaparecer no mesmo lugar ou em locais distantes (metafanismo, hiloclastia ou transporte), incendiá-los, mesmo que não sejam combustíveis (parapirogenia) e, ainda, dobrá-los, caso sejam de metal (efeito Geller). Pode, finalmente, impressionar películas fotográficas (escotografia, fotografia espírita ou fotografia transcendental) e fitas magnéticas, alterar a substância dos corpos, produzir vozes e música (pneumatofonia), luzes (fotogênese) e odores (osmogênese), queda de temperatura ambiental e pancadas (toribismo, “raps” ou tiptologia).

A listagem não esgota todas as possibilidades da ação paranormal, mas apenas relaciona suas manifestações mais conhecidas, muitas das quais questio­nadas, quanto a sua autenticidade, pelos mais diversos parapsicólogos. Ademais, cada médium poderoso tem o seu próprio estilo psi e apresentam novas variedades formais de psi-kapa, enriquecendo o elenco dos fenômenos paranormais.

De toda essa imensa parafernália, destacaremos somente alguns fenômenos que, na nossa opinião, merecem ser enquadrados como formas de categoria de psi-kapa.

 

CURA PARANORMAL

 

A cura paranormal é uma área de superposição e, portanto, de intensa interdisciplinaridade entre a Parapsicologia e a Medicina.

A questão, porém, é delicada e controvertida, porque não existe um conceito satisfatório para definição da saúde e seu oposto – a doença -, numa visão mais profunda e holística além do procedimento descritivo de cada entidade nosológica e de sua específica estratégia terapêutica.

O conceito de saúde, adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), nos parece excessivamente elástico: saúde é bem-estar físico, psíquico e soci­al. Ora, é sabença geral que nem todas as pessoas que se sentem bem, estão bem e as que se sentem mal – e aí estão os hipocondríacos -, estão realmente mal. Assim, não sabemos, precisamente, o que é saúde e doença, como poderemos saber, também com precisão, o que é cura e, consequentemente, o que é cura paranormal. Tal inconveniente, no entanto, não nos impede de determinar, em certos casos, se um determinado êxito terapêutico extrapolou os limites do que era razoavel­mente esperado dentro de um quadro mórbido específico. É o que se chama, popu­larmente, de curas milagrosas, justamente porque, no estágio atual da Medicina, não seria de se esperar que acontecessem.

Há, portanto, urgente necessidade de uma maior aproximação entre mé­dicos e parapsicólogos, superando o nível de contatos eventuais e aligeirados, a fim de que a investigação de casos dessa natureza possa enriquecer o patrimônio gnosiológico de ambas as ciências.

Não há dúvida de que estamos perante uma nova modalidade de terapia alternativa, proporcionada por pessoas dotadas de uma aptidão paranormal de influir beneficamente sobre os enfermos, restituindo-lhe o equilíbrio psicossomático.

A cura paranormal, numa reavaliação fenomenológica, pode ser enquadrada como manifestação de psi-kapa, se decorreu de uma ação da mente do cura­dor sobre o organismo do paciente, ou como atividade psigâmica, se resultou de sugestão telepática, principalmente nos casos de cura ã distância (teliatria).

 

OUTROS FENÔMENOS SIMILARES

 

Ignoramos, totalmente, a extensão da mente humana sobre o seu próprio organismo. Daí, a extrema dificuldade de se estabelecer um limite confiável entre ação normal e ação paranormal, pois tudo dependerá dos conceitos adotados para se fazer essa diferenciação.

A Medicina psicossomática vem constatando, a cada dia, os mais extraordinários processos de somatização, decorrentes de fatores emocionais, chegando a admitir que um significativo número de enfermidades é de natureza psicogênica. E até onde a nossa mente pode produzir profundas alterações fisiológicas e funcionais sobre o próprio organismo? Seria necessário que, inicialmente, se fixassem os parâmetros teóricos da ação paranormal da mente humana sobre a sua estrutura somática. À míngua dessa providência, ficamos impossibilitados de asseverar se os fenômenos de estigmatização, dermografismo, incombustibilidade, transfiguração, fotogênese e osmogênese são exclusivamente paranormais. É pre­ferível, portanto, como medida de cautela, vedar o seu ingresso na Parapsicologia até que novas pesquisas possam comprovar, em definitivo, a sua autenticidade.

 

LEVITAÇÃO

 

Podemos definir a levitação como uma modalidade de telecinesia e tam bém incluí-la como forma de psi-kapa.

Empiricamente, é um fenômeno fartamente atestado por pessoas idôneas e, em certos casos, observado em condições favoráveis por pesquisadores qualificados.

Santos e médiuns levitaram nas mais diversas situações, não se podendo, a priori, negar o testemunho de pessoas sérias e até mesmo cépticas, que asseguraram a sua realidade.

Se a Parapsicologia ainda não se pronunciou a respeito da levitação, é porque não foi observada em rígidas condições laboratoriais e nem se apresta ã verificação pelo método quantitativo-estatístico-matemático tao ao gosto dos parapsicólogos ocidentais. Acontece que este procedimento metodológico nao e o único utilizável na investigação parapsicológica e, por isso, a levitação não deve ser excluída a priori da fenomenologia paranormal.

 

METAFANISMO

 

O metafanismo (também denominado de hiloclastia e, no Espiritismo, de transporte) é um fenômeno que foi constatado, em excelentes condições experimentais, por pesquisadores do gabarito de William Crookes, Alfred Russel Wallace, Enrico Morselli, Friedrich Zollner e Julian Ochorowicz.

Tal como a precognição, em relação ao tempo, o metafanismo é um desafio ã nossa concepção clássica de espaço. Onde se encontram os objetos metafanizados e como aparecem ou desaparecem do nosso espaço são questões que, até o momento, não receberam explicações satisfatórias.

O metafanismo pode ser considerado uma forma de fenômeno de psi-kapa, porque sucede na presença de determinada pessoa. Mas se não é apenas um fenômeno paranormal, porque a sua causa pode ser atribuída a outro fator inteligente que nao a inteligência humana, nao compete ao parapsicólogo discutir o mérito da questão. Basta que admita a possibilidade de que este agente é o homem, fa­zendo dessa possibilidade a sua única explicação.

 

IDEOPLASTIA

 

A ideoplastia (ou materialização, para o Espiritismo) é o mais polêmico de todos os fenômenos pesquisados pelos metapsiquistas.

Os seus detratores negam-lhe autenticidade sob a alegação de que to­das as pesquisas demonstrativas de sua existência estão comprometidas pela com provação ou suspeita de fraude. Por outro lado, os seus defensores argumentam que, em certas experiências, notadamente as realizadas no Instituto Metapsíquico Internacional, o controle exercido sobre os médiuns foi irrepreensível, tornando praticamente nula a possibilidade de mistificação.

Não pretendemos, neste trabalho, adotar posição favorável ou contrá­ria ã realidade da ideoplastia, mas, sob o ponto de vista estritamente teórico, admitir, por premissa, a sua possibilidade.

De logo se vi que a ideoplastia pode ser incluída como forma de psi-kapa, visto que as configurações ectoplásmicas se produzem a expensas do organismo de um ser humano. Por isso, o parapsicólogo, por fidelidade aos limites do seu território fenomenológico, tratará a manifestação ideoplástica como se fosse produzida pelo psiquismo inconsciente do próprio homem. Porque, seguindo a sábia recomendação – “sapateiro, não vá além do sapato” – , o parapsicólogo, como tal, não deve aventurar-se além das fronteiras do homem vivo.

 

POLTERGEIST

 

A palavra poltergeist (espírito batedor), infelizmente já consagra­da, é, sob o ponto de vista semântico, inadequada à Parapsicologia, porque esta não lida com espíritos. Por conseguinte, seria recomendável o expurgo daquele vocábulo da nomenclatura parapsicológica, substituindo-o pela expressão psicocinesia espontânea recorrente ou, simplesmente, a sigla PER, ao invés do sucedâneo inglês recurrent spontaneous psychokynesis ou RSPK.

O PER é, na verdade, um fenômeno plural, pois constitui, via de re­gra, um elenco de manifestações de psi-kapa – telecinesia, metafanismo, parapirogenia e toribismo.

As pesquisas sobre a PER sugerem que alguns indivíduos próximos à puberdade exteriorizam uma peculiar energia orgânica suscetível de agir e interagir com o mundo exterior. Parece-nos, no entanto, que a simples alteração endocrinológica, embora necessária, não é, por si só, suficiente para produzir o fenômeno. É necessário que a pessoa púbere esteja também atribulada por problemas psicológicos, vivendo um estado de tensão ou de forte emoção. Assim, a conjunção desses dois fatores – tensão ou emoção + alterações endocrinológicas da puberdade – constituem, no nosso entender, a gênese da PER.

A nossa experiência pessoal com este fenômeno nos vem demonstrando o acerto da hipótese. Com a eficiente colaboração de minha esposa, a psicóloga Selma Rosa Borges, obtivemos resultados positivos na solução dos casos de PER que investigamos, simplesmente pela adoção de medidas psicoterapêuticas adequadas ao epicentro e aos seus familiares e pelo consumo direcionado da energia paranormal através de atividades físicas intensivas.

A PER, em virtude de sua complexidade fenomenológica, é uma área de superposição entre a Parapsicologia, a Psicologia, a Medicina e a Física, por­que envolve aspectos que dizem respeito a cada uma dessas ciências.

 

CONCLUSÃO

 

O que chamamos de realidade é a resultante da interação de dois sis temas: de um lado, o observador e, de outro, a multiplicidade das coisas observadas.

Tempo e espaço, causa e efeito nada mais são do que construtos men­tais.

Já afirmamos, em outra oportunidade, que “o que chamamos de mundo ob­jetivo nada mais é do que um acordo de subjetividades”. (2)

Ora, se o espaço é mental, nao há longe ou perto, acima ou abaixo, dentro ou fora, altura, comprimento e largura, forma e peso, pois tudo não passa de condicionamentos de nossa estrutura sensória. A clarividência acontece, quan­do a mente se liberta, temporariamente, do a priori do espaço.

Por outro lado, se o tempo é mental, a sua divisão em passado, presente e futuro é um artifício pragmático e rigidamente unilinear. A precognição acontece quando a mente  se emancipa do a priori do tempo.

Acreditam os físicos quânticos que as coisas são interconexoes habituais e que todas elas estão em conexão instantânea com a totalidade do univer­so, o que importa na ampliação do princípio da sincronicidade junguiana. Afirmam, também, que os eventos individuais não têm causas definidas, porque estas causas não são locais. Ora, os fenômenos paranormais parecem ser daqueles que, igualmente, transcendem as causas locais da física clássica e, por isso, a causalidade dos eventos parapsicológicos é de natureza estatística e não determinis­ta.

Mach, físico alemão do século passado, teorizou que todo o universo está presente em cada local e a cada instante.

O mesmo princípio pode também aplicar-se à mente humana. Ela está, co­mo um todo, em toda a parte, embora funcione, normalmente, num domínio específico da realidade, a que denominamos de espaço-tempo. Ou seja, a mente está potencialmente em todo o universo, conquanto atualmente esteja em determinada parte do mesmo.

Diz Hubert Reeves, astrofísico nuclear, (3) que, para a mecânica quân­tica, as partículas estão em contato permanente, seja qual for a distância entre elas, mesmo que não estejam ligadas por uma relação de causalidade. Disto resulta que nenhuma informação é obrigada a viajar entre as partículas. O mesmo pode ocorrer no fenômeno psigâmico. As mentes estão em contato permanente, pouco importando a distância entre elas e ainda que não ligadas em relação de cau­salidade. Assim, todas as mentes estão informadas de tudo o que se passa no universo, sendo o conhecimento paranormal a conscientização de uma diminuta parce­la de tudo o que sabemos a nível inconsciente.

O que conceituamos como indivíduo é uma abstração pragmática, imobilizando um momento referenciado dentro de um processo dinâmico.

A telepatia, a clarividência e a precognição são evidências de que estamos, em algum nível ontológico, em relação gnosiológica especial com o uni­verso.

A mente é um complexo informacional em interação recíproca com es -truturas materiais e campos energéticos. E o que chamamos de consciência é a síntese dessa multiplicidade de interações.

A ação paranormal é a evidência de que a mente humana constitui o centro dinâmico de interações de alta complexidade. E, no entanto, muito pou­co sabemos de como as coisas nos afetam e de como nós afetamos também as coi­sas.

A partir do trabalho que apresentamos – eu e o Dr. Ivo Cyro Caruso – no III Simpósio Pernambucano de Parapsicologia e I Congresso Nordestino de Parapsicologia, em 1985, na Universidade Católica de Pernambuco, intitulado “Um Modelo para a Parapsicologia”, o Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas passou a adotar, oficialmente, os seguintes postulados:

 

  1. a) Os fenômenos paranormais são produzidos, até prova em contrário, pelo homem e se originam, em regra, do seu psiquismo inconsciente;
  2. b) O fenômeno paranormal é de natureza probabilística. Onde houver uma pessoa humana, existe a probabilidade de manifestação psi. Por isso, se reconhece que a mente é um modelo tipo caixa preta cujo único controle se li­mita, até o momento, às entradas e às saídas do sistema;
  3. c) Define-se a função psi como “o conjunto de todos os elementos circunstanciais que pode produzir o fenômeno paranormal” e que estão presentes no agente psi, no meio psi e no fluxo psi.
  4. d) Denomina-se de agente psi todo e qualquer ser humano que, eventual ou habitualmente, esteja envolvido numa manifestação E dá-se o nome de agente psi confiável às pessoas que apresentam alta probabilidade de atuar como agente psi.
  5. e) Explica-se o meio psi como “o espaço onde ocorre o fenômeno para normal”, o qual é constituído de “todos os elementos circunstanciais que se interagem com os demais elementos da função psi”, identificados como “as for­ças e os campos do domínio de elementos naturais e do agente psi, tanto a ní­veis microscópicos quanto a níveis macroscópicos”. Um dos elementos mais importantes do meio psi é o campo psi, que é o domínio de ação das atividades superiores do cérebro humano, interagindo com a estrutura energética do espa­ço.
  6. f) Conceitua-se, finalmente, o fluxo psi como o “instante operacio­nal do agente psi”, constituído da interação entre informação e energia. Se a informação é dominante em relação ã energia, denominamos o fenômeno de fluxo psi informacional, ou, na classificação oficial da Parapsicologia, psi-gama. Se a energia é dominante em relação ã informação, o fenômeno é denominado de flu­xo psi energético, que corresponde ao psi-kapa.

 

O propósito do presente trabalho, portanto, é a integração, ao menos teórica, de fenômenos insólitos que possam ser atribuídos às aptidões paranor­mais do próprio homem, o que importa na ampliação da investigação parapsicológica e da extraordinária versatilidade da manifestação psi.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Valter da Rosa Borges. Telepatia: Sugestões para a Pesquisa. Tese apresenta da no II Congresso Nacional de Parapsicologia e Psicotrônica, realizado no Rio de Janeiro, em outubro de 1979.
  2. Valter da Rosa Borges. Só a Busca é Definitiva. Editora Fasa. Recife.1983.

 

  1. Hubert Um pouco mais de azul. A Evolução Cósmica. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. São Paulo. 1986.

 

(*) Trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro de Parapsicologia e Psicotrônica, realizado no Clube Português do Recife, de 3 a 5 de outubro de 1986.

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