Valter da Rosa Borges
Poderia um paranormal ou agente psi ser também um superdotado?
Caberia, de logo, estabelecer o conceito de superdotado, abrangendo não somente as manifestações superiores da inteligência nas pessoas em estado de vigília, mas também as atividades extraordinárias da mente humana que se verificam nos estados alterados de consciência em indivíduos denominados de paranormais.
Denomina-se de superdotado o indivíduo que demonstra uma inteligência acima da normal, em desempenhos de natureza física e intelectual, em determinada área específica da atividade humana. Um atleta, um escritor, um artista plástico, um filósofo ou um cientista pode ser um superdotado e até tido por um gênio, embora não haja um entendimento preciso do que seja genialidade. Poder-se-ia, no entanto, conceituar o gênio como o indivíduo que, além de superdotado, possua uma visão abrangente e profunda de seu tempo, da realidade e das possibilidades do futuro.
Certas pessoas, dotadas de aptidão psi, podem ser consideradas também como superdotadas. Trata-se de um talento sui generis, mediante o qual uma pessoa é capaz de escrever sobre assuntos que não conhece, fazer poesias, compor músicas ou pintar quadros, demonstrando, assim, aptidões que não possui em estado normal.
A título de exemplo, faremos um rápido comentário sobre a psicografia literária do famoso médium brasileiro Francisco Cândido Xavier.
Em 1932, com apenas 22 anos de idade, Francisco Cândido Xavier publicou sua primeira obra psicografada com o título de “Parnaso do Além Túmulo”, constituído de poesias inéditas atribuídas a poetas brasileiro e portugueses já falecidos, como Castro Alves, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Emílio de Menezes, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Alberto de Oliveira, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, entre outros.
No mesmo ano, o escritor e crítico literário Humberto de Campos, em sua crônica “Poetas do outro mundo”, publicada no Diário Carioca, no dia 10 de julho, assim se pronunciou sobre o livro do médium mineiro:
“Eu faltaria ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena do Sr. Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas características de inspiração e expressão que os identificavam neste planeta”.
E, incisivamente, declara:
“Os temas que abordam são os mesmos que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo e o verso, em geral, obedece ao mesmo ritmo musical: fácil e ingênuo em Casimiro de Abreu, amplo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Guerra Junqueiro, funéreo e severo em Antero de Quental e filosófico e profundo em Augusto dos Anjos”.
Anos mais tarde, em 1939, o crítico literário Agrippino Grieco teve a oportunidade de presenciar a elaboração de mensagens psicografada por Francisco Cândido Xavier, assinadas pelos falecidos Augusto dos Anjos e Humberto de Campos. Entrevistado, no dia 31 de julho, pelo Diário da Tarde sobre aquele fenômeno psicográfico, assim se expressou:
“Mas o certo é que, como crítico literário, não pude deixar de impressionar-me com o que realmente existe no pensamento e na forma daqueles dois autores patrícios, nos versos de um e na prosa do outro. Se é mistificação, parece-me muito conduzida. Tendo lido as paródias de Albert Sorel, Paul Reboux e Charles Muller, julgo ser difícil (isso o digo com a maior lealdade) levar tão longe a técnica do “pastiche”.
No dia 5 de agosto do mesmo ano, Agrippino Grieco, entrevistado sobre o mesmo assunto pelo Diário Mercantil, em certo trecho asseverou:
O que não me deixou dúvidas, sob o ponto de vista literário, foi a constatação fácil da linguagem inconfundível de Humberto de Campos na página que li. Como crítico, se, sem que eu conhecesse sua procedência, me houvessem apresentado, tê-la-ia atribuído ao autor de “Sombras que sofrem”, “Crônicas”, “Memórias”, e outras inúmeras preciosidades das nossas letras contemporâneas”.
Em nova entrevista, desta vez concedida ao Diário da Noite, no dia 21 de setembro, disse Agrippino Grieco:
“Quanto a mim, não podendo aceitar sem maior exame a certeza de um “pastiche”, de uma paródia, tive, como crítico literário que há trinta estuda a mecânica dos estilos, a sensação espontânea de percorrer um manuscrito glorioso. Eram em tudo os processos de Humberto de Campos, a sua amenidade, a sua vontade de parece austero, o seu tom entre ligeiro e conselheiral. Alusões à Grécia e ao Egito, à Acrópole, a Tirésias, ao véu de Ísis muito ao agrado do autor dos “Carvalhos e Roseirais”. Uma referência a Saint-Beuve, crítico predileto de nós ambos, mestre do gosto e clareza que Humberto não se cansava de exaltar em suas palestras, que não me canso de exaltar em minhas palestras. Conjunto bem articulado. Uma crônica, em suma, que, dada a ler a qualquer leitor de mediana instrução, logo lhe arrancaria este comentário: “É Humberto puro!”
Em 1944, quando ainda corria a ação declaratória, promovida pela Sra. Catharina Vergolino Campos, viúva de Humberto de Campos, contra a Federação Espírita Brasileira e o médium Francisco Cândido Xavier, pleiteando os direitos autorais das obras psicografadas por este último e atribuídas ao Espírito do referido escritor, assim se exprimiu sobre o caso o poeta e crítico literário Afonso Schmidt, em artigo publicado em “O Estado de São Paulo”, cujo texto, na íntegra, é o seguinte:
“As pessoas que do berço trazem vocação para as letras caracterizam-se, geralmente, por estas faculdades: fantasia, compreensão e bom gosto. Com tais elementos apenas, elas produzem os primeiros trabalhos que, quando publicados, tornam-se, no mais das vezes, em trambolhos para os seus apressados autores.
Só com os anos e acurados estudos, os homens de letras alcançam a cultura, a correção, a clareza, a sua maneira particular de sentir, de escrever, de comunicar-se com o leitor. Enfim, a personalidade, o estilo, algumas vezes, a escola.
Dois escritores são tão diferentes entre si como dois pintores, ou dois músicos. Talvez mais. É verdade que, por mera ginástica, tem havido casos de um escritor procurar imitar outro. Para isso, estuda a sua obra, anota as palavras preferidas, os assuntos habituais, constrói as frases mais ou menos de acordo com o modelo e, desse modo, a obra concluída chega a dar, mais ou menos, a impressão do autor arremedado. É o pastiche. Não passa de uma caricatura. Nesse gênero, certo escritor francês publicou uma obra “À la manière de…” com arremedos de escritores em voga, sem, contudo, transmitir uma emoção artística.
Há pouco, esteve em juízo no Rio de Janeiro, uma questão assaz curiosa. Os herdeiros de Humberto de Campos pleiteavam junto a certa casa editora o pagamento dos direitos autorais que, após a sua morte, teriam sido “escritos” pelo nosso ilustre patrício através de um chamado “médium” de Minas Gerais. Muito se discutiu a tal respeito.
Fui sempre leitor de Humberto de Campos. Há anos, atraído pelo rumor que fazia, procurei ler, igualmente, uma das crônicas a ele atribuídas por Francisco Cândido Xavier, esse jovem, modesto e iletrado caixeiro de loja de uma cidadezinha de Minas. Observei o seguinte: a fantasia, a compreensão fraternal da vida e do bom gosto na composição são os mesmos que caracterizam a obra do nosso ilustrado patrício. Até aí, trata-se de faculdades inatas que, por um acaso qualquer, poderiam ser trazidas do berço por Francisco Cândido Xavier.
O mesmo, porém, não poderia dar-se com a cultura, a correção, a maneira particular de sentir, de escrever, de comunicar a sua impressão ao leitor. Enfim, a sua personalidade, a sua atitude perante a vida, os seus silêncios, elementos de êxito que Humberto de Campos conseguiu em quarenta anos de incessante prática da literatura. E o rapazinho de Minas Gerais, apresentando tais virtudes, não poderia improvisar aquilo que em todas as artes os artistas não trazem do berço e que é o mais difícil de conseguir.
Não quero discutir a questão, mas, no meu pobre entender, o Tribunal só teria dois caminhos a seguir: ou declarar que Humberto de Campos é autor de tais obras, mandando o editor entrar com os direitos para os herdeiros, ou negar a autoria do nosso grande escritor. Neste último caso, teria de pedir a Academia Brasileira de Letras uma poltrona para o rapazinho que principiou por onde nem todos acabam, isto é, escrevendo páginas que puderam ser atribuídas a quem tão formosamente escreveu”.
A ação declaratória, proposta pela viúva de Humberto de Campos contra a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier, não logrou êxito, tendo o Juiz julgado a autora carente de ação. O recurso impetrado teve o mesmo destino, pois a sentença recorrida foi confirmada na Superior Instância.
Anos depois, o escritor Monteiro Lobato, repetindo o que dissera Afonso Schmidt, afirmou o seguinte a respeito da obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier:
“Se o homem produziu tudo isso da própria cabeça, pode ocupar quantas cadeiras quiser na Academia”.
Sob o ponto de vista exclusivamente literário, as judiciosas observações de críticos do porte de Humberto de Campos, Agrippino Grieco e Afonso Schmidt dispensam comentários. A identidade de estilos entre as obras mediúnicas atribuídas aos poetas e escritores falecidos e as suas obras escritas em vida foi unanimemente comprovada.
Os espíritas não têm qualquer dúvida de que as poesias publicadas em “Parnaso do Além Túmulo” e as obras mediúnicas atribuídas a Humberto de Campos foram escritas são de autoria de seus autores falecidos.
Sem discutir a questão da sobrevivência, por não ser objeto da Parapsicologia, temos de admitir que Francisco Cândido Xavier é o autor das obras literárias psicografadas e, em conseqüência, reconhecer que ele é um superdotado. O mesmo se diga dos quadros pintados por Luiz Antônio Gasparetto e atribuídos a notáveis artistas falecidos, para restringir o nosso exemplo apenas aos agentes psi brasileiros.