Borges: É perigoso trocar a razão pela fantasia

– Os mistérios são fatos e, assim sendo, não podem ser desprezados. A mente é um dos maiores enigmas para o homem, e somente agora, por intermédio da investigação parapsicológica, é que começamos a nos conscientizar dos extraordinários poderes de que somos dotados. O Espiritismo, a Metapsíquica e, atualmente, a Parapsicologia descerraram um limitado campo de especulações e pesquisas do fenômeno humano, interessando os níveis físicos e não físicos da realidade ontológica.

A declaração é do parapsicólogo Walter da Rosa Borges, ao analisar os perigos que as pessoas correm ao se deixarem levar pelas fantasias do mundo maravilhoso. Segundo fez ver, “o fanatismo é a cronificação de um delírio sistematizado. O colapso definitivo da razão. O império irreversível da emoção descontrolada. O fanático não raciocina: emociona-se”.

ADAPTAÇÃO

“O homem tem uma vocação irresistível para o maravilhoso. Como se já não bastassem os mistérios da vida, ele inventa também seus próprios mistérios. Parece que o cotidiano o asfixia e ele sente uma urgente necessidade de ampliar a capacidade pulmonar de sua respiração existencial.

Quanto mais exótica a manifestação do mistério, tanto mais ele se deixa embriagar num exaltado apostolado do delírio. Apaixonado pela sua fantasia, ele se torna fundamentalmente incapaz de perceber a mais óbvia realidade. Por isso, o fanático não dialoga, pois é surdo à voz da razão e apenas escuta o discurso do seu delírio”.

A excitante vida das megalópoles tem exigido do homem urbano uma extraordinária capacidade de adaptação. E muitos são aqueles que sucumbem à trepidação de uma existência selvagemente competitiva. Assim, esse fracasso do processo adaptativo deve ser compensado, a todo custo, através de uma retirada estratégica, de uma fuga camuflada. Então, o mergulho nirvânico na fantasia se lhe apresenta como a única solução para os seus conflitos. E, disto, se aproveitam os profissionais do mistério para fundar novas seitas e religiões, fabricando consoladoras alienações, maliciosamente travestidos de missionários, gurus ou embaixadores do Além”.

FENÔMENO

Walter da Rosa Borges garante que “o fenômeno paranormal é um fato indiscutível. Negá-lo, constitui uma demonstração de ignorância ou de má fé. E o médium, como veículo da fenomenologia paranormal, atrai para sua pessoa os mais controvertidos sentimentos de admiração e aversão, de aceitação ingênua e de negação sistemática. E são esses extremismos que prejudicam a serena e correta apreciação dos fatos, proporcionando, quase sempre, o pronunciamento de juízos apressados, num clima constrangedor de intemperança emocional”.

ESPERTALHÕES

– Infelizmente – completou – o campo da fenomenologia parapsicológica se encontra poluído pela presença de fascinadores e fascinados. A credulidade fácil, o pensamento mágico, o desespero existencial, as enfermidades de difícil terapêutica, a perda de entes queridos, a necessidade emocional da certeza da sobrevivência, a ânsia pelo transcendental têm aprisionado inúmeras pessoas na teia sedutora do maravilhoso, tornando-as em vítimas indefesas nas garras dos trapalhões ou dos espertalhões da paranormalidade. O maravilhoso provoca no homem uma atitude ambivalente de medo e atração. E não é gratuitamente que os prodígios da prestidigitação deslumbram os espectadores, os quais, numa euforia lúdica, se acumpliciam inconscientemente com o mágico para gozar as delícias de um engodo consentido. De maneira idêntica, certos fenômenos aparentemente paranormais podem desencadear em pessoas sugestionáveis e de reduzido senso crítico um insopitável desejo de auto fascinação, como espécie de sedativo contra as angústias e as agressões da realidade cotidiana. O fantástico, assim, se transforma em singular psicotrópico, cujo maior perigo consiste em provocar dependência nas pessoas que dele se utilizam como recurso eletivo de sedação dos conflitos existenciais.

 

Diário de Pernambuco

18 de setembro de 1983

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