A cura por meios paranormais

Ronaldo Dantas Lins

1 CONCEITO E EVIDÊNCIAS DA CURA POR MEIOS PARANORMAIS

 

Para compreendermos o conceito de cura paranormal, é necessário definirmos fenômeno paranormal. Denominamos de psi ou paranormal a todo o fenômeno que, tendo o homem como elemento deflagrador, apresenta as seguintes características:

  1. a) uma modalidade de conhecimento que uma pessoa demonstra de fatos físicos e/ou psíquicos, relativos ao passado, presente ou futuro, sem a utilização (aparente) dos sentidos e da razão, assim como de habilidades que não resultem de prévio aprendizado.
  2. b) uma ação física que uma pessoa exerce sobre seres vivos e a matéria em geral, sem a utilização de qualquer extensão ou instrumento de natureza material.

Postulamos a existência de duas funções psíquicas eferentes: a função pi (π) e a função tau (τ) (2).

A função π é um mecanismo psíquico pelo qual impulsos eferentes do organismo são inibidos. Estes podem ser de natureza endógena (secreção glandular, impulsos eferentes para a musculatura lisa, etc.) ou exógena (atividade motora estriada). Sem esta função inibidora estaríamos em permanente estado de espasticidade, secreção endógena etc. A função π seleciona as atividades efetoras que devem ser exercidas pelo organismo.

A função π apresenta as seguintes características:

  1. a) Controla ou suprime a atividade eferente excitatória.
  2. b) Age nas vias eferentes do sistema nervoso.
  3. c) É desempenhada pelo córtex motor, gânglios da base, cerebelo, hipotálamo e sistema límbico.

Outrossim, o sistema nervoso também possui uma tonicidade intrínseca que deve ser bloqueada por algum mecanismo, que denominamos de função τ. Esta função inibe a atividade efetora paranormal. Desta maneira, parece existir um “link” entre a mente e a matéria, promovendo a produção de uma interação não local. O bloqueio deste “link“, exercido pela função τ, interrompe esta interação, impedindo a consecução da psicocinesia.

Quando a extremidade receptora do fluxo psi energético for um organismo vivo, poderemos observar um fenômeno de cura por meios paranormais, desde que ocorra um “efeito psicocinético sobre o tecido ou matéria orgânica, que a ajude a recuperar-se de doença ou lesão biológica. Se psicocinesia pode mover um objeto ou perturbar um processo quântico, parece lógico presumir que seja capaz de rearrumar células e tecidos ou apressar as capacidades regenerativas do próprio corpo (3)”.

A função de repressão τ apresenta as seguintes características:

A – É de natureza neurológica ou psíquica.

B – Impede a atualização das interações universais existentes entre o psiquismo e o mundo físico.

C – É exercida pela própria atividade eferente, através de estruturas neurais superiores.

Podemos definir cura por meios paranormais como uma ação física da mente sobre os seres vivos, sem a utilização de qualquer extensão ou instrumento de natureza material, produzindo o restabelecimento da saúde a este sistema.

O Dr. Bernard Grad, do McGill University’s Allem Memorial Institute, em 1916, realizou uma experiência que afasta a possibilidade de a ação curativa ocorrer, em alguns casos, por um fator sugestivo, sendo necessário acrescentar a hipótese de um fenômeno de natureza paranormal. Nesta experiência, em que o “sujeito” foi o coronel Oskar Estebany, utilizou-se como objeto experimental um conjunto de camundongos. Deste foram retirados (com anestesia) montes de pele, sendo mensurados os tamanhos das feridas. As 48 fêmeas foram divididas em três grupos; o primeiro sofreu a ação do coronel. O segundo grupo foi submetido a atuação de uma outra pessoa. Finalmente o terceiro grupo, foi aquecido a uma temperatura análoga a que foi submetido os camundongos dos outros dois grupos. As feridas eram medidas de 20 em 20 dias. Observou-se que as feridas dos animais submetidos a ação do curandeiro são muito menores do que as apresentadas pelos outros grupos (4).

Inúmeras experiências foram realizadas, por este e por outros pesquisadores bem como com outros paranormais, que levaram a conclusão que parece existir uma interação curandeiro-ser vivo, de natureza paranormal.

 

2 CIRURGIAS PSÍQUICAS

 

Curandeiros que se utilizam de instrumentos materiais, ou das próprias mãos, praticam sugestão dramatizada. Por se utilizarem de objetos cortantes para realizarem suas cirurgias, a expressão “cirurgião psíquico” é inadequada. Caso fossem paranormais, promoveriam a extração de tumores, corpos estranhos, cálculos, etc., através de metafanismo, sem que fosse necessária a realização de incisões (5).

O material retirado é víscera de animal, cabelo, sangue não-humano, entre outros, demonstrando a natureza fraudulenta da maioria destas intervenções. Comumente estas cirurgias limitam-se a lesões superficiais e apresentam uma técnica primitiva.

Três elementos são geralmente indicados como demonstrativos da natureza paranormal destas intervenções: ausência de dor, ausência de infecção e hemostasia.

A dor nem sempre está ausente e, quando isto ocorre, podemos interpretar como um efeito de natureza hipnótica. A hipnose pode ser compreendida como um estado emocional intensificado, sendo do tipo trofotropa (emoção tranquilizadora, calmante) ou ergotropa (emoção desestabilizadora, irritante). As sugestões hipnóticas podem ser implícitas. Assim, o desejo, a crença em curar-se mediante o toque ou a presença do curandeiro, é fator suficiente para mobilizar o organismo no sentido da cura.

Quanto a ausência de infecção pós-cirúrgica podemos argumentar que o sistema imunológico tem sua atividade exacerbada por influência do psiquismo, podendo desta maneira debelar ou diminuir a disseminação da infecção. As “cirurgias psíquicas” são comumente potencialmente contaminadas (risco de infecção de 10%) e contaminadas (risco de 20%). A informação de que não ocorre a prescrição de antibióticos é falsa. Além disto é conhecido o fato de que não devemos utilizar antibioticoterapia profilática em feridas potencialmente contaminadas, que é o caso de grande parte das intervenções deste tipo.

A tudo isto, acrescentamos que a maioria das complicações pós-cirúrgicas só ocorrem dias após a intervenções, sendo necessário um acompanhamento minucioso do paciente após o mesmo ter alta, durante vários dias, para podermos garantir a ausência de complicações. Este é um problema bastante comum, comumente esquecido também pela medicina acadêmica.

Finalmente, lembremos que as feridas podem cicatrizar-se por segunda intenção, onde não é realizada a sutura, deixando-se a ferida aberta. Neste caso, há uma intensificação da epitelização e contração da ferida, bem como, apresenta uma maior resistência a instalação de infecção (6).

As “cirurgias psíquicas” cicatrizam-se por segunda intenção e, desta maneira, são menos propensas a sofrerem infecções.

Por sua vez, a hemostasia pode ser obtida por processos hipnóticos, em que a ação do psiquismo promove uma vasoconstricção diferenciada, impedindo desta maneira a hemorragia? Assim, a presença de hemostasia também não é um indício contundente da natureza paranormal do fenômeno.

Concluímos, assim, que as chamadas “cirurgias psíquicas” não são de natureza paranormal, além de apresentarem resultados muito inferiores ao da medicina tradicional.

 

  1. ABORDAGEM MÉDICO-LEGAL

 

Qualquer pessoa pode dedicar-se a uma profissão, desde que tenha obtido capacidade e habilidade legal para exercê-la (8).

A profissão médica no Brasil é regulada pelo Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932, ainda em vigor, que exige uma habilitação profissional e outra legal. Essa é obtida nas Universidades, através dos currículos das escolas médicas reconhecidas; esta, pela posse e registro de título idôneo no Conselho Regional de Medicina correspondente.

As pessoas não-formadas em Medicina não podem exercer a profissão médica, salvo em situações inadiáveis e imprescindíveis, que o estado de necessidade reconhece como lícito. O que se tenta impedir é a ameaça da saúde pública por indivíduos não qualificados.

O Código Penal pune, com detenção de no máximo dois anos, e o pagamento de cinco a quinze dias-multa se praticado com fim lucrativo, o indivíduo que “exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, de dentista ou de farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites”.

O charlatanismo pode ser entendido como cura inculcada ou anunciada, através de meios infalíveis e secretos, de tratamento simulado, diagnóstico e prognóstico falhos, ou curas sensacionais e extraordinárias.

Entendemos que o charlatanismo é privativo dos médicos.

Inculcar significa aconselhar, recomendar, elogiar, apregoar, enquanto anunciar é a maneira de divulgar e divulgar e disseminar por qualquer meio (rádio, televisão, jornais, etc.). Não se faz necessário a habitualidade nem a factualidade, bastando a possibilidade de enganar.

O Decreto Lei nº 4.l13, de 14 de janeiro de 1942, em seu artigo lº, disciplina a propaganda dos médicos, dentistas e farmacêuticos, proibindo que seja anunciada cura de doenças atualmente sem tratamento adequado pela ciência oficial.

O médico não pode anunciar atendimento gratuito, pois que caracteriza uma pseudocaridade, com a finalidade de obter clientela.

O curandeirismo, por sua vez, também é um crime de perigo abstrato, bastando que haja risco, para caracterizá-lo, mesmo sem a concreta produção de dano ao indivíduo. Não são usados procedimentos médicos, mas informações empíricas e condutas que suponham o sobrenatural. José Duarte (9) comenta: “É, pois, uma prevenção moral e higiênica porque, muitas vezes, as bruxarias, os sortilégios, a magia negra e práticas semelhantes produzem nos espíritos fracos impressões nocivas que perturbam a própria mente e comprometem a saúde. São, às vezes, pequenas fraudes, mistificações ridículas, revestindo um caráter aparentemente inofensivo, sem visos de chantagem. Mas contêm a ameaça de um grande perigo, dada a influência que exercem na gente inculta, simplória e crédula”.

O curandeiro, não tendo capacitação nem habilitação legal, exerce suas atividades de pretensas curas, que podem se enquadrar em um dos grupos seguintes:

  1. a) prescrever, ministrar ou aplicar habitualmente qualquer substância;
  2. b) usar gestos, palavras ou qualquer outro meio (benzeduras, rezas, etc.);
  3. c) realização de diagnóstico.

Observamos que a habitualidade é um fator necessário para a caracterização deste crime. Quando ocorrer mediante pagamento, a penalidade é maior. Entretanto, é importante destacarmos que muitos curandeiros se utilizam de meios indiretos de ganho, seja através de recebimento de presentes, muitos de alto valor, seja através de uma rede comercial constituída de farmácias, hotéis, etc., montados na região, comumente por familiares que, indiretamente, promovem uma confluência de riquezas para o curandeiro.

Há quem defenda a legalização do curandeirismo, como o professor de Direito e Promotor Público Djalma Gabriel Barreto, baseado na possibilidade de ocorrência da interação mente-organismo vivo e, consequentemente, o retorno a condição de hígido. Admite seu exercício, desde que acompanhado por profissional médico (10). Esta é uma questão bastante polêmica, merecendo por parte de todo o médico, uma reflexão profunda para que não ocorra agressão, prejuízo da população.

A “cirurgia psíquica”, já comentada anteriormente, requer uma maior atenção, haja vista que:

  1. a) apresentam técnica primitivas;
  2. b) não é feito um acompanhamento adequado das complicações pós-cirúrgicas;
  3. c) não são realmente psíquicas, já que se utilizam de instrumentos materiais;
  4. d) colocam em risco a integridade física, e até mesmo psíquica, do paciente;
  5. e) apresentam resultados muito aquém da medicina tradicional;
  6. f) não possuem nenhum embasamento de natureza científica.

Como vemos, este é um campo altamente complexo, necessitando de bastante cuidado e precauções na sua abordagem.

 

  1. CONCLUSÃO

 

A ciência sendo incapaz de lidar diretamente com a realidade, busca a elaboração de representações, de modelos, que mais fielmente explicitem a dinâmica dos fenômenos da natureza. Dentro de sua metodologia, procura trabalhar com modelos mais simples, com a menor quantidade de suposições possíveis.

A mente humana parece possuir o potencial de agir sobre o seu próprio organismo, bem como, sobre objetos externos. Através de sugestões, de uma crença em determinado fato, somos capazes de mobilizar reservas internas que incrementam nossas defesas contra agentes agressores; além disto, podemos provocar alterações fisiológicas que permitem o desaparecimento ou diminuição das sensações nociceptivas e a produção de hemostasia. Todos estes fenômenos favorecem o restabelecimento da saúde, sem que se faça necessária a utilização de hipóteses mais complexas.

Em alguns casos, a ação do psiquismo sobre o próprio organismo do indivíduo não é suficiente para explicar o conjunto de fenômenos observados, sendo necessário acrescentarmos a hipótese do fenômeno paranormal. É o que ocorre, por exemplo, na ação de curandeiros sobre animais e plantas, que teoricamente não são sugestionáveis.

É importante, também, que destaquemos o aspecto do exercício legal da profissão médica, tanto no que se refere a capacitação como ao registro em órgão oficial de regulamentação do exercício da Medicina.

A prática do curandeirismo, principalmente no caso das chamadas “cirurgias psíquicas”, deve ser desestimulada, pelo risco que envolve e por um resultado inferior, ou no máximo igual, ao das terapêuticas convencionais.

 

REFERÊNCIAS

 

(1) BORGES, Valter da Rosa e CARUSO, lvo Cyro. Parapsicologia: um novo

Modelo (e outras teses). Recife: Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, 1986.

 

(2) LINS, Ronaldo Dantas. Cura por meios paranormais: realidade ou

fantasia? Recife: Associação Pernambucana dos Parapsicólogos, 1995.

 

(3) ROGO, D. Scott. A mente e a matéria. São Paulo: IBRASA, 1992.

 

(4) MEEK, George W. As curas paranormais – como se processam.  São Paulo: Pensamento, 1990.

 

(5) BORGES, Valter da Rosa. Manual de parapsicologia. Recife: Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, 1992.

 

(6) GOLDENBERG, Saul e BEVILACQUA, Ruy G. Bases da cirurgia. São Paulo: EPU, 1981.

 

(7) ANDRADE, Osmard. Manual de Hipnose médica e odontológica. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu, 1979.

 

(8) FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995.

 

(9) DUARTE, José. Comentários à Lei das Contravenções Penais. Rio de Janeiro: FORENSE, 1944.

 

(10) QUEVEDO, Oscar G. O poder da mente na cura e na doença. São Paulo: Loyola, 1992.

 

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