A parapsicologia e seus opositores (*)

VALTER DA ROSA BORGES

 

            “A new scientific truth does not triumph by convincing its opponents and making them see the truth: but rather because its opponents eventually die and a new generation grows up that is familiar with it”.

                        Max Planck

 

Razões da oposição

 

Por que a Parapsicologia é tão combatida por cientistas de outras áreas e por religiosos, esotéricos e ocultistas?

Os motivos dessa obstinada ojeriza me parecem claros e simples.

A Parapsicologia, na condição de ciência, investiga fenômenos que antes eram privativos do universo religioso, dando-lhes uma interpretação naturalista. Tal atitude desagrada profundamente os líderes religiosos, por questionar as causas transcendentais de tais fenômenos, parecendo-lhes enfraquecer dogmas e práticas ritualísticas e abalar a fé dos seus adeptos. Ao mesmo tempo, constitui uma ingerência indébita em território tradicionalmente privativo do universo religioso.

Por outro lado, ao investigar fenômenos então tidos como estranhos à investigação científica, a Parapsicologia comprovou, experimentalmente, a sua realidade e a sua natureza não transcendental, atingindo em cheio o paradigma científico vigente. Compreensível, portanto, que a comunidade científica reagisse imediatamente a esta agressão que revelava a existência de lacunas gnosiológicas, exigindo, assim, uma nova interpretação da realidade. Não se tratava de um homem, propondo um novo modelo revolucionário num determinado campo científico, mas do surgimento de uma nova ciência cujo objeto constituía uma revolução na cosmovisão científica da realidade.

Se antes, estes fenômenos eram ignorados por pertencerem ao mundo da religião, da magia, do ocultismo, da superstição, agora que foram trazidos à investigação científica pela Parapsicologia deveriam ser negados a todo custo, levantando-se suspeitas quanto a integridade moral e/ou psíquica dos pesquisadores, assim como dos procedimentos metodológicos, tidos por inadequados ou insuficientes, dando ensejo, portanto, às mais diversas formas de fraude. À medida que a investigação parapsicológica ia se aprimorando, constatando a realidade dos fenômenos paranormais, a exigência dos adversários da Parapsicologia também aumentava, principalmente de um grupo de cientistas denominados céticos, sempre dispostos a refutar, numa obstinação inquisitorial, qualquer experimento parapsicológico.

Tal atitude, porém, teve e tem seu lado positivo. De tanto se verem atacados em suas pesquisas, os parapsicólogos, de formação científica, vêm se tornando excelentes epistemólogos, preocupados com a excelência da metodologia científica e cada vez mais críticos no controle das condições experimentais.

Mas, há um lado obscuro da questão. Em virtude de se encontrar numa área divisória entre a ciência e a religião, a Parapsicologia se ressente do assédio de representantes destas duas áreas. De um lado, cientistas que, informados dos êxitos da investigação parapsicológica, buscam integrar a Parapsicologia dentro de seu campo científico, lutando, veladamente, para despojá-la de sua autonomia. De outro lado, religiosos, que se proclamando parapsicólogos, utilizam esta ciência para servir aos propósitos de sua fé e ao mesmo tempo investir contra as outras religiões.

Há cientista que, fascinados pela fenomenologia paranormal, se tornaram religiosos e religiosos que, embevecidos pela Parapsicologia, se tornaram parapsicólogos. Em ambos os casos, em virtude deste entusiasmo, esqueceram de fazer uma separação entre a postura de cientista, no trato destes fenômenos, de sua convicção religiosa, na interpretação dos mesmos.

Porque os fenômenos paranormais originariamente pertenciam ao universo religioso, a sua laicização não foi inteiramente bem sucedida. Permaneceram, na sua investigação, certos ranços transcendentalistas no que concerne a sua hermenêutica. Então facilmente se explica por que a Parapsicologia, ao ignorar explicações metafísicas para os fenômenos paranormais, passou a ser considerada, mais do que qualquer outra, uma ciência materialista. Ora, sob este ingênuo e simplório ponto de vista, todas as demais ciências são também materialistas, porque não cogitam de hipóteses sobrenaturalistas para os seus fenômenos. Acontece, porém, que o estigma maior ficou com a Parapsicologia por ter ousado, tal como Prometeu, trazer o fogo dos deuses olímpicos para o domínio dos homens.

Imigrante do céu e rejeitada, inicialmente, na terra, a Parapsicologia teve de amargar uma dolorosa, mas necessária decantação, de seu procedimento metodológico a fim de renunciar a sua fisionomia celestial e adquirir as feições telúricas de suas desconfiadas irmãs científicas, assumindo o incômodo papel de “patinho feio” de sua nova família. Hoje, este “patinho feio” da literatura infantil começa a se tornar o esplendoroso cisne da investigação científica, aumentando cada vez mais a compreensão das potencialidades do homem e, por conseqüência, da própria realidade. Somente os obstinadamente cegos não querem e, por isso, não podem ver a importância da Parapsicologia, porque, afinal, esta cegueira os protege, permitindo que continuem apenas percebendo os seus próprios preconceitos.

 

A questão da fraude

 

A Parapsicologia é uma ciência cujos pesquisadores se preocupam exageradamente com o problema da fraude.

O parapsicólogo é um fraudófobo em permanente litígio com os fraudófilos, ou seja, aquelas pessoas que, obstinadamente, sob a cômoda sigla de ceticismo, negam a realidade dos fenômenos paranormais.

O fenômeno paranormal, por contrariar o paradigma científico da realidade, suscitou e ainda suscita compreensíveis reações de suspeita e hostilidade. E a atitude mais cômoda e eficaz para invalidar o fenômeno paranormal é simplesmente negá-lo, sob o fundamento de que tudo não passou de fraude, alucinações ou deficiências da metodologia, mesmo se tratando de um pesquisador qualificado.

Fraudes houve, não há o que negar. Pesquisadores foram ludibriados pelos paranormais mais famosos. Porém, nem todos os paranormais fraudaram, como afirmou levianamente certo parapsicólogo e mesmo os que foram pegos em fraude não fraudaram sempre. Aliás, a bem da verdade, há mais alegações do que provas concretas de fraude.

Geralmente os que afirmam a existência de fraude se baseiam em meras suposições. E quem alega um fato cabe o ônus de prová-lo. No entanto, em relação à investigação parapsicológica, tem-se invertido o ônus da prova, exigindo-se do pesquisador apresentar provas para refutar as suposições levantadas contra a sua pesquisa. E o mais impressionante é que as suposições, por mais estapafúrdias que sejam, têm a força de por em dúvida as melhores pesquisas realizadas por pesquisadores qualificados. Infelizmente, porém, alguns destes contestadores são parapsicólogos, que invalidam experimentos de seus colegas, louvando-se também em suposições. Eles assim procedem, sob a alegação de não terem conseguido obter os mesmos resultados satisfatórios com o mesmo agente psi. Ou seja: eles não admitem o seu insucesso e, por isso, afirmam que a seriedade de seus experimentos demonstrou o equívoco das experiências que eles não conseguiram reproduzir.

Quem é parapsicólogo sabe que o agente psi não apresenta o mesmo desempenho com o mesmo pesquisador nas mesmas condições experimentais. Nem tampouco pode replicar com outro pesquisador, nas mesmas condições experimentais, o desempenho que tivera com o pesquisador anterior. Não se pode medir o desempenho paranormal de um agente psi como se faz com uma reação química ou um fenômeno físico. Cada ato humano é essencialmente irrepetível por muito que se assemelhe a outro ato humano em condições semelhantes, visto que, a rigor, não existem situações iguais, por mais semelhantes que pareçam. Isto é o que os adversários da Parapsicologia não querem ou não podem entender, transformando suas suposições em evidências e certezas, esquecidos de que quem alega cabe o ônus da prova. Quando muito, eles demonstram como os fenômenos podem ser fraudados, mas não apresentam provas de que aqueles fenômenos foram produzidos mediante fraude.

Trabalhar com um ser humano não é o mesmo que trabalhar com um rato ou com a matéria bruta. O ser humano é um fenômeno extremamente complexo e não pode ser simplificado a um número limitado e às vezes arbitrário de variáveis. A pesquisa, em Parapsicologia, é fundamentalmente uma parceria entre o parapsicólogo e o agente psi, visando criar as condições favoráveis para a manifestação do fenômeno. No entanto, há parapsicólogos que fazem justamente o contrário. Eles lidam com o agente psi como se fosse um mero objeto de pesquisa, um rato de laboratório, uma pessoa suspeita e, quando muito, o tratam com artificial cortesia. Consciente ou inconscientemente, tudo fazem para dificultar a produção do fenômeno e, paradoxalmente, se sentem contrariados quando realizam este propósito. Na verdade, é muito fácil inibir o agente psi: qualquer pessoa pode fazê-lo, principalmente aquelas que são céticas ou mesmo hostis em relação à paranormalidade. Tais pessoas jamais deveriam ser admitidas numa pesquisa, porque, além de não serem parapsicólogas e, portanto qualificadas para isso, ainda são fatores que podem impedir a manifestação do fenômeno. Afinal, é uma tremenda infantilidade se discutir com alguém que, por preconceito ou ignorância, se opõe a uma ciência. Parapsicólogo só deve discutir com parapsicólogo e não com leigos de outra área científica. Se não opinamos sobre pesquisas realizadas em outro campo científico, por que nos permitimos que cientistas de outras áreas, por mais respeitáveis que sejam, venham contestar nossas experiências, como se fossem autoridades no assunto? Isto sempre me pareceu uma atitude de subserviência intelectual, como se a Parapsicologia, para ser ciência, necessitasse da aprovação de cientistas de outras áreas. Toda ciência se constrói por si mesma, definindo seu objeto e,  utilizando sua própria metodologia, a qual deve adequar-se aos princípios gerais do método científico.

A atitude hostil e/ou cética do pesquisador influi poderosamente sobre o desempe-nho do agente psi e, assim, de tanto querer provar que o fenômeno inexiste ou ansiosamente evitar a possibilidade de fraude, ele cria condições que impedem a manifestação do referido fenômeno.

A paranormalidade não é algo mais para ser provado, mas para ser investigado de maneira mais ampla e audaciosa. A utilização do baralho Zener já teve a sua época de ouro e seu inquestionável papel e valor para dar à Parapsicologia o seu status de ciência. É a hora de se retornar ao método qualitativo, à pesquisa com as pessoas verdadeiramente dotadas de aptidão paranormal e com um melhor e mais profundo relacionamento entre os parapsicólogos e os agentes psi confiáveis ou APCs. O baralho Zener pode pobremente constatar que uma pessoa é dotada de um talento paranormal, mas em nada pode ajudá-la a se familiarizar com esta sua aptidão, conhecer as peculiaridades e as condições que favorecem ou dificultam a sua manifestação e, principalmente, o que fazer com a sua paranormalidade.

Paradoxalmente, certos pesquisadores, para investigar a paranormalidade do agente psi, se esmeram em criar os mais diversos artifícios e estratégias, os quais redundam, em alguns casos, no impedimento da manifestação do fenômeno. A sua obsessão pela fraude é tão grande ou a sua hostilidade é tão míope e, até às vezes, cega, que eles, ao lançar fora a água da banheira também o faz com a criança que nela se encontra. E, depois, ingenuamente, ou hipocritamente, alegam não ter encontrado a criança na banheira.

Para se pesquisar a paranormalidade de alguém é preciso descobrir as condições que favorecem a sua manifestação e todo trabalho de pesquisa consistirá em proporcionar ao APC todas ou, ao menos, a maioria destas condições. O APC precisa ser treinado para se familiarizar com estas condições e criar condicionamentos cada vez mais eficazes para funcionar nestas condições. Precisamos ajudar o APC a administrar a sua paranormalidade e não criar empecilhos que o dificultem a se familiarizar com o seu talento. É como se alguém quisesse treinar um atleta criando dificuldades para o seu condicionamento corporal. Tal procedimento seria uma arrematada tolice e é isto justamente o que fazem estes parapsicólogos pesquisadores que mais parecem leigos, e os céticos obstinados que mais parecem cegos.

 

A oposição dos céticos

 

Os céticos profissionais inicialmente etiquetaram a Parapsicologia como “pseudociência” e estigmatizaram os parapsicólogos como pesquisadores incompetentes e fraudulentos.  Significativa parte destes céticos é oriunda da Psicologia, o que evidencia um flagrante preconceito contra um possível concorrente em sua área profissional.

Durante décadas, os céticos investiram contra a Parapsicologia, argumentando que os fenômenos psi eram impossíveis porque violavam algumas leis da física ou porque seus efeitos não eram repetíveis. Com base nesta premissa, concluíram que os experimentos bem sucedidos deveriam ser atribuídos a fraude, a experimentos mal feitos, a técnicas inadequadas ou ao mero acaso. E alegavam ainda que, se os experimentos fossem bem conduzidos, os fenômenos psi não apareceriam, porque, na verdade, eles não existem.

Estes argumentos, atualmente, perderam a sua validade.

Os céticos bem informados não mais alegam que os resultados da experimentação psi são devidos ao acaso, e um deles, Ray Hyman reconheceu explicitamente que estes resultados eram “astronomicamente significantes”. Isto implica, conforme observa Dean Radin, na mudança do enfoque do debate da mera existência de efeitos interessantes para a sua própria interpretação.

Charles Honorton argumentou que os céticos criticam a imperfeição dos experimentos parapsicológicos, quando nada é perfeito nas ciências empíricas. Na verdade, diz Dean Radin, todas as medições contêm algum erro e assevera que as metanálises suprem as falhas dos experimentos pelo sucesso cumulativo de suas taxas.

Os céticos modernos  tentaram mostrar que as experiências realmente não eram interessantes e que os estudos aparentemente exitosos se baseavam em experimentos falhos. Uma vez, porém, superadas essas objeções, eles se viram obrigados a admitir que simplesmente esgotaram as  explicações plausíveis.

Apesar disto, os céticos argumentam que ainda não existe evidência convincente dos fenômenos paranormais em mais de um século de pesquisa.

A Psicologia, que é anterior à Parapsicologia, jamais conseguiu um modelo explicativo para a consciência e até mesmo chegou a negar a sua existência, como o fez o Behaviorismo. Por isso, tem razão Dean Radin ao afirmar: “se adotarmos os arrazoados dos céticos, muitos dos quais são psicólogos, então a Psicologia convencional é também um triste fracasso.”

Observa Honorton que, embora os céticos discutam sobre a plausibilidade de várias hipóteses alternativas, eles quase nunca testam as suas próprias hipóteses.

Alguns céticos aduziram que se os fenômenos psi fossem autênticos, mesmo assim seriam fracos e desinteressantes. Outros, embora relutantemente,  aceitassem que  efeitos de psi possam ser genuínos, tentaram minimizar este reconhecimento, alegando  que eles  eram simplesmente muito fracos para serem interessantes.

O Comitê para a Investigação Científica de Alegações do Paranormal (Committee for the Scientific Investigation and Claims of the Paranormal – CSICOP) ‚ é uma organização bem conhecida por seu compromisso apaixonado contra a Parapsicologia.

Observa, com razão, Dean Radin que comumente se pensa, de maneira equivocada, que todas as críticas em ciência são iguais. As críticas têm que ter duas propriedades para serem consideradas válidas. Primeiro, a crítica deve ser controlada, significando que ela também não pode aplicar-se a disciplinas científicas bem-aceitas. Ou em outras palavras:  não podemos usar um duplo padrão  e aplicar um conjunto de críticas a tópicos insipientes e um outro completamente diferente para disciplinas estabelecidas. Se o fizermos, nada de novo poderia ser aceito como legítimo. Segundo, uma crítica deve ser testável, significando que um crítico tem de especificar as condições sob as quais a pesquisa poderia evitar a crítica, pois em caso contrário, a objeção é apenas um argumento filosófico que está fora do reino de ciência.

Lembra Radin uma afirmação popular, segundo a qual “muitos fenômenos que, uma vez, foram tidos por paranormal, se revelaram como tendo uma explicação normal”. Esta, diz ele, é uma crítica inválida, porque não é controlável, pois esta mesma crítica pode ser aplicada a muitas descobertas em outras disciplinas científicas bem-aceitas. Mesmo se originalmente pensássemos que a psi fosse uma coisa e mais tarde descobríssemos que ela era outra coisa, isto não poderia invalidar a existência do efeito. Teríamos apenas de redefinir o que pensamos acerca disto.

Outra crítica proclama que ficou demonstrado que alguns efeitos paranormais foram resultado de fraude ou erro e, por isso assim podemos ignorar com segurança qualquer resultado bem sucedido. Tal alegação, argumenta Radin, não tem validade‚ porque se nós fôssemos forçados a descartar alegações científicas em todos os campos onde ocorreram alguns casos de fraude do experimentador, teríamos de jogar fora virtualmente cada reino da ciência, visto que a fraude existe em todos os empreendimentos humanos.

Ressalta Radin que outra crítica favorita dos céticos é que não há teorias de psi. Esta crítica também é insustentável porque o termo psi poderia ser substituído por “consciência”, “gravidade”, “anestesia” ou ainda por dúzias de outros conceitos bem-aceitos ou fenômenos. O fato de que os cientistas não entendem muito bem alguns fenômenos não reduz o seu interesse científico por eles.

Os céticos, diz Radin, também argumentam que “a  Psi não pode ser ligada e desligada e as variáveis que a afetam não podem ser controladas”. E assevera que esta é outra  crítica inválida, porque há  todos os tipos de efeitos sobre quais não temos qualquer controle direto e nisto incluímos a maioria dos aspectos realmente interessantes do comportamento humano. Contudo esta circunstância não os desqualifica como objetos legítimos de estudo. Em todo caso, a psi  é algo controlável no sentido que  podemos causar efeitos previsíveis em sua manifestação pela solicitação às pessoas para que façam alguma coisa em suas próprias mentes.

Radin assinala que alguns céticos alegam ser “impossível distinguir entre psi e efeitos de chance mesmo numa experiência bem sucedida sem o uso de estatísticas”. E argumenta que esta crítica é igualmente inválida, porque o mesmo pode ser dito para quase todas as experiências em biologia, psicologia, sociologia, e biomedicina. Obviamente, se houvesse algum modo de separar claramente um sinal de ruído fortuito antes da experiência ser conduzida, então as estatísticas não teriam sido usadas em primeiro lugar.

Finalizando, conclui Radin, a maioria das alegações contra a pesquisa psi é improcedente porque se aplicam igualmente a disciplinas convencionais bem sucedidas e também porque estas alegações são também não testáveis.

 

O perfil do cético

 

Ora, o cético é uma pessoa que não admite a realidade do fenômeno psi e, por isso, não quer e nem pode entender o que, para ele, é inadmissível. Há um bloqueio cognitivo em seus processos de raciocínio assentados na premissa denegatória da experiência paranormal. É quase impossível fazer alguém compreender aquilo que obstinadamente nega. Ceticismo e fanatismo são cegueira psíquica, embora de origens diferentes. Por isso, é pura perda de tempo e até mesmo sandice discutir com cegos a respeito da realidade da luz. E isto, infelizmente, o que ainda está acontecendo com grande número de parapsicólogos que, ao invés de se dedicarem à pesquisa intensiva da fenomenologia paranormal, buscam convencer os céticos da realidade da psi, como se a anuência destes fosse imprescindível para validar a investigação parapsicológica. E isto me parece a evidência de uma lastimável insegurança epistemológica ou de uma reprovável subserviência intelectual.

Não precisamos de céticos, mas de parapsicólogos dotados de competência e de agudo espírito crítico. Somos os únicos cientistas que ouvem a opinião necessariamente leiga de cientistas de outras áreas a respeito de questões fundamentais da investigação e da natureza da fenomenologia paranormal. Queremos que os outros nos aceitem como cientistas e não nos impomos como cientistas pela qualidade dos nossos estudos e pesquisas. Afinal, há algumas ciências lecionadas em Universidades e Faculdades, cuja cientificidade é discutível e apenas têm respeitabilidade em virtude de seu status acadêmico.

 

Uma lição a aprender

 

O psicólogo britânico Kenneth Batcheldor fundou, em 1966, na Inglaterra, um grupo que se propunha a investigar os efeitos “massivos” de psicocinese. Para isso, os componentes do grupo se sentavam ao redor de uma mesa de madeira, colocavam as mãos sobre ela, e se comportavam como se estivessem numa sessão espírita. Eles queriam demonstrar que a mesa se moveria como consequência da influência da mente sobre a matéria e não em razão da intervenção de espíritos. Afirma-se que os resultados foram espan­tosos e, no decorrer dos anos, mesas de vários tamanhos moveram-se e levitaram.

Eles observaram que, para induzir fenômenos de psi-kapa, era necessária a observância de certas condições, como a forte crença na pos­sibilidade do sucesso da experiência, pois observaram que o ceticismo inibia a manifestação paranormal. Assim, em algumas ocasiões, o grupo começava a rir, a cantar e conversar animadamente, para evitar pensamentos negativos.

Quando, a despeito de tudo isso, na­da acontecia, Batcheldor simulava propositadamente um fenômeno de psi-kapa. Este procedimento psicológico de indução produziu resultados positivos e foram obtidas algumas telecinesias genuínas.

O grupo observou, ainda, que o desenvolvimento de uma mente gru­pal resultava na obtenção dos melhores resultados com o mínimo de esforço. No entanto, sempre que se introduzia alguma forma de controle ou teste, o efeito diminuía ou até mesmo desaparecia.

Dez anos depois, em Toronto, Canada, outro grupo, liderado pelo físico George Owen e sua esposa Iris, decidiu repetir a experiência de Batcheldor e, seguindo o seu modelo, criou um fantasma, denominado “Philip”, inventando para ele uma história completa com detalhes pessoais, nomes de contemporâneos, uma esposa e até uma aman­te. “Philip” teria vivido durante a época de Oliver Cromwell, no solar Didington e, a fim de dar maior realismo à história, Owen usou uma casa que ainda existe e mostrou fotografias dela para estimular o grupo.

Convencionou-se também um código de comunicação, mediante o qual “Philip” revelava sua presença dando uma ba­tida para “sim” e duas para “não”. No curso das experiências, ele não só respondeu a perguntas sobre sua vida fictícia, mas também corrigiu cer­tas informações errôneas, dadas pelo grupo, sobre um dos dignitários da corte daquela época.

Depois de um certo tempo, “Philip” começou a produzir autênticos fenômenos de telecinesia.

De modo exatamente contrário procedem os céticos, procurando criar situações que tornem inviável a manifestação dos fenômenos paranormais e argumentam, vitoriosamente que eles não existem, porque não foram produzidos em tais condições.

Há ingredientes psicológicos no êxito de uma experiência psi. A falta de um deles pode influir parcial ou totalmente nos resultados, reduzindo a quantidade de acertos ou redundando em fracasso.

Ora, o mesmo se dará numa experiência química: a falta de um dos elementos essenciais para a produção de uma determinada reação resultará necessariamente no seu malogro.

Se o clima físico favorece, dificulta ou mesmo impede a manifestação de fenômenos das mais diversas naturezas, o clima psicológico (e também físico) de uma experimentação parapsicológica tem decisiva importância em seu êxito ou fracasso. A hostilidade, o ceticismo, a ironia, a suspeição constituem elementos desfavoráveis à manifestação psi. Enquanto a amistosidade, a confiança, a empatia, a colaboração, a compreensão, a afetividade constituem elementos que favorecem a ocorrência do fenômeno. Por isso costuma-se dizer que cada pesquisador encontra sempre aquilo que procura, o que é, parcialmente, verdadeiro. Há casos em que o fenômeno psi se manifesta apesar da má vontade do pesquisador (e a literatura paranormal apresenta vários desses casos), o qual, assim mesmo, não se convence do sucedido e se socorre das mais esdrúxulas explicações para negá-lo. Como também há casos em que o fenômeno não acontece apesar da melhor boa vontade do pesquisador. Ora, se o fenômeno psi pode se frustrar mesmo nas condições favoráveis, por que, com mais razão, não deixaria de ocorrer em condições adversas? É porque, em algumas situações, o APC não se encontra em boas condições físicas e/ou psicológicas para produzir o fenômeno esperado. É nestas ocasiões que ele pode ser tentado à prática da fraude, podendo até cometê-la.

Ademais, uma experiência parapsicológica não é uma experiência física, a qual se assenta em fatores determinísticos. A experiência parapsicológica é essencialmente probabilística.

Em experiência de laboratório, o êxito de um experimento quase nunca depende exclusivamente do APC, mas de uma parceria resultante entre ele e os pesquisadores, na construção de um ambiente propício à manifestação do fenômeno psi. Favorecer o fenômeno não é favorecer a possibilidade da fraude. Sabe-se que, em algumas experiências do passado, a atitude inquisitorial do pesquisador ou inibiu o fenômeno ou provocou a fraude ou a sua tentativa. Pressionado, psicologicamente, a produzir o fenômeno para provar a sua paranormalidade, alguns APCs famosos foram induzidos, consciente ou inconscientemente, a fraudar para o gáudio do pesquisador hostil. Aliás, diga-se de passagem, muitas alegações de fraude jamais foram provadas. E por causa disto, inverteu-se o ônus da prova: em vez de se exigir do pesquisador hostil a prova de suas alegações de fraude, transferiu-se ao APC a responsabilidade de provar que não fraudou. É lastimável constatar que há parapsicólogos que se deixaram seduzir por esta inversão da comprovação experimental: uns, por insegurança decorrente de sua falta de tirocínio epistemológico e outros em benefício de suas crenças pessoais.

Temos de concordar com Max Planck e aplicar o seu conselho na investigação parapsicológica. A Parapsicologia, ainda, por algum tempo, será combatida veementemente por seus obstinados adversários, que simplesmente não podem compreender a nova realidade que ela pesquisa, porque estão aprisionados nas malhas de seu paradigma científico. Acontece, porém, que eles enfim morrerão, cedendo seu lugar à nova geração de cientistas já familiarizada com os avanços da Parapsicologia e, por conseguinte, mais receptiva à investigação da fenomenologia paranormal.

Os céticos já esgotaram todo o seu arsenal de críticas, de certo modo valioso, porque nos permitiu aprofundar, cada vez mais, no estudo da metodologia científica e da epistemologia aplicados a Parapsicologia. Tudo o que eles dizem agora não passa de monótona repetição de argumentação já cediça e definitivamente superada. Cabe-nos retomar, com mais entusiasmo e vigor, o estudo e a investigação dos fenômenos parapsicológicos, permutando experiências e discutindo hipóteses e experimentos com os nossos colegas, na consolidação cada vez maior de uma comunidade científica de parapsicólogos, sem necessidade de angariar apoio e aprovação de cientistas de outra áreas a não a ser a título de colaboração no interesse de todos.

 

Parapsicólogos afobados ou desiludidos

 

Como se não bastassem as críticas quase sempre fanáticas dos céticos, os parapsicólogos ainda se veem às voltas com alguns colegas que, por questões pragmáticas ou desilusão quanto ao futuro da Parapsicologia, procuram, por meios diretos ou indiretos, integrá-la no domínio de outra ciência, notadamente da Psicologia. Tais parapsicólogos deveriam, de uma vez por todas, declinar desta condição e integrar, de maneira clara e inequívoca, o bloco dos opositores da Parapsicologia, visto que a sua postura é contrária e prejudicial ao movimento parapsicológico a nível nacional e internacional.

Dizendo-se desmotivados pelo progresso extremamente lento e pouco significativo da Parapsicologia, estes afobados parapsicólogos argumentam que a falta de aceitação da Parapsicologia nas Universidades, a quase impossibilidade de obtenção de fundos para pesquisas parapsicológicas, a inexistência de mercado de trabalho, demonstram a inviabilidade da Parapsicologia como ciência e sugerem que a melhor solução é torná-la uma especialidade de outra área científica.

Estamos vivendo uma época de extrema especialização do conhecimento, o que resulta no surgimento, cada vez mais crescente, de outras disciplinas científicas, resultantes de desmembramentos de domínios mais amplos do conhecimento. Por isso, não vemos porque privar a Parapsicologia de manter a sua autonomia, mesmo a custa dos mais ingentes sacrifícios. Na verdade, no momento atual, a Parapsicologia é mais vocação do que profissão e aqueles que pretendem ganhar dinheiro como parapsicólogos devem, naturalmente, procurar outra atividade que lhes permita o seu sustento material. Por que deve a Parapsicologia, para se desenvolver como ciência, estar atrelada ao mercado de trabalho? Por que devem os parapsicólogos, açodadamente, tentar estabelecer frágeis vínculos com as Universidades, a fim de obter discutíveis verbas para pesquisas?

É preciso que nos conscientizemos que a Parapsicologia ainda se encontra na fase da semeadura e não da colheita. Estamos, lenta, mas gradualmente, criando uma mentalidade parapsicológica no Brasil e no Exterior e isto demanda tempo, sacrifício, paciência e abnegação. O parapsicólogo que não souber conviver com estas condições é melhor arrumar as suas malas e procurar uma área científica que possa facultar-lhe um vasto campo de pesquisa e também um salário condigno. E esquecer a Parapsicologia, porque, assim procedendo, estará beneficiando a si próprio e a quixotesca comunidade de parapsicólogos da qual o Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas – I.P.P.P. – é um dos seus mais obstinados guardiões.

 

* Publicado no ANUÁRIO BRASILEIRO DE PARAPSICOLOGIA – 1999.

 

 

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