A questão da metodologia na parapsicologia (*) – Valter da Rosa Borges

Valter da Rosa Borges

 

SUMÁRIO

A Parapsicologia é uma ciência factual, tanto natural quanto psico-social, segundo as peculiaridades de cada modalidade de seus fenômenos. Uma ciência factual não é necessariamente experimental. A Parapsicologia é uma ciência parcialmente experimental, porque alguns desses fenômenos podem ser investigados em laboratório.

A pesquisa parapsicológica tem suas características próprias, não podendo ser reduzida aos modelos metodológicos de outras ciências, embora possa receber subsídios dos mesmos.

Em que pese a crítica quase sempre infundada de seus opositores, a Parapsicologia é uma ciência que, apesar de suas imprecisões conceituais e experimentais, vem enfrentando a complexidade de seus fenômenos dentro dos postulados da metodologia científica.

Neste trabalho procuramos demonstrar que a cientificidade da Parapsicologia se compatibiliza com os critérios de objetividade, observabilidade, previsibilidade, repetibilidade, corroboração, falseabilidade, podendo utilizar subsídios de outras metodologias, controlar suas variáveis e estabelecer conceitos precisos para os seus fenômenos.

Entre as várias classificações da ciência, propostas por Augusto Comte, Rudolf Carnap, Wundt, Mário Bunge e Eva Maria Lakatos, elaboramos uma classificação eclética e pessoal. Assim, classificamos a ciência em duas modalidades: a) as ciências formais, compreendendo a Lógica e a Matemática: b) as ciências fatuais, as quais, por sua vez, se subdividem em ciências naturais, tais como a Física, a Química e a Biologia e ciências psicossociais, tais como a Psicologia, a Antropologia e a Sociologia.

A Parapsicologia é uma ciência factual, tanto natural quanto psico-social, segundo as peculiaridades de cada fenômeno.

Nem toda ciência factual é necessariamente experimental. Podemos postular que a Parapsicologia é uma ciência parcialmente experimental, porque uma pequena parcela de seus fenômenos pode ser repetida em laboratório.

Os fenômenos paranormais, em laboratório, dependem do concurso de duas pessoas: o agente psi e o pesquisador. Por isto, nem todo pesquisador pode replicar com um agente psi os fenômenos que este obteve com outro pesquisador.

O experimento parapsicológico não pode ser comparado a um experimento de física ou de química. A matéria não reage diferentemente a cada pesquisador o que não acontece com o agente psi, pois este reage de maneira diferente à personalidade e à técnica de cada pesquisador.

 

Cientificidade

 

Já chegou a hora de a Parapsicologia firmar os alicerces de sua própria cientificidade. Ela não necessita pedir emprestada a metodologia de outra ciência para assegurar o seu status científico, mas construir sua própria metodologia e a natureza de sua cientificidade. Nenhuma ciência pediu autorização a outra ciência para estabelecer-se como ciência.

Por que seria a Parapsicologia a única exceção? O que lhe compete é adotar as regras gerais da metodologia científica com as características especiais pertinentes aos fenômenos que investiga.

Com argúcia, observou Lawrence LeShan:

“O grande equívoco da parapsicologia foi tentar resolver seus problemas como se eles fossem problemas da física, pertencentes ao domínio sensorial”.

René Thom, em carta dirigida a Paul Germani, já assim se expressara:

“Não se pode de modo algum evitar a conclusão de que não há critério único de cientificidade, cada domínio disciplinar elabora os seus próprios critérios de cientificidade, tendo em conta as possibilidades dedutivas que nele se apresentam. O critério popperiano de falseabilidade é talvez válido para a física (ainda que eu não esteja seguro disto). Trata-se de um ato de imperialismo injustificável por parte dos físicos, querer impô-lo às outras disciplinas.”

Gardner Murphy enfatiza:

“Se, em qualquer outro campo da ciência houvesse um décimo das evidências que existem na parapsicologia, ela seria aceita sem o menor questionamento.”

Por outro lado, Scott Rogo observa que “os padrões científicos no campo da para­psicologia são muito mais rigorosos do que em muitos outros ramos da ciência”.

E Susan Blackmore reconhece que, na Parapsicologia, “os padrões de pesquisa são geralmente rigorosos, muito mais rigorosos que os da psicologia, como os psicólogos foram forçados a admitir.”

Podemos ir mais além: certas pesquisas parapsicológicas são de um rigor tão exagerado que obstaculam a manifestação do fenômeno paranormal.

Paul Feyereband asseverou que as grandes transformações do conhecimento científico se produziram, na sua maioria, ao acaso e que, portanto, todo método é bom, desde que funcione. Dizia, ainda, que a fronteira entre ciência e não-ciência é perpetuamente móvel e que as normas do discurso científico não são imutáveis nem universais.

 

Objetividade

 

Alguns críticos da Parapsicologia acusam-na de falta de objetividade e, por conseguinte, contaminada de subjetivismo dos pesquisadores.

A respeito desta questão de objetividade em ciência, assim se expressou Hilton Japiassu:

“Não há critérios universalmente válidos de objetividade conferindo neutralidade para todos.”

“De uma forma ou de outra, ela sempre uma interpretação. Se há objetividade na ciência, é no sentido em que o discurso científico não engaja, pelo menos diretamente, a situação existencial do cientista.”

“O critério mais seguro de objetividade é a disposição crítica do cientista.”

Do mesmo modo pensa Karl Popper:

“A objetividade repousa no criticismo, na discussão crítica, e no exame crítico das experiências.”

Diz Heinz Pagels:

“Penso que é errado descrever a conduta da investigação científica como um “mé­todo”, uma receita que prescreve um conjunto de regras. Pura e simplesmente, não existe um “método científico” formal, pois as descobertas científicas são demasiadamente complexas, de uma complexidade que reflete a complexidade do próprio mundo material. É por causa desta complexidade que os elementos irracionais e intuitivos são uma parte indispensável do processo de descoberta.”

Karl Popper denuncia:

“O fato é que todas as teorias físicas afirmam muito mais do que pode ser testado.”

E, com veemência, sentencia:

“É um erro acreditar que a atitude do cientista natural é mais objetiva do que a do cientista social.”

A “prova”, em ciência, é a resposta experimental a um dado modelo. É o que se chama de corroboração. Cada experimento pode produzir “prova” ou corroboração do modelo ou demonstrar a ineficácia ou falseabilidade do modelo.

O que chamamos de objetividade não passa, a rigor, de um acordo de subjetividades.

 

Observabilidade

 

A observabilidade não é um critério absoluto na investigação científica, porque a ciência lida também como inobserváveis.

Mário Bunge advertia que a ciência teórica contemporânea “ocupa-se predominantemente de inobserváveis, tais como as partículas elementares, os campos eletromagnéticos, a evolução geológica e biológica, a economia nacional, etc.”

Por sua vez, observava Ilya Prigogine que “ao contrário do que se passa na mecânica clássica, onde podemos observar trajetórias, a função de onda não é observável.”

E acrescenta, ainda, de maneira enfática que as leis da natureza adquiriram um significado novo, pois “não tratam mais de certezas morais, mas sim de possibilidades.”

Este, no entanto, não é o caso da Parapsicologia, cujos fenômenos podem ser direta ou indiretamente observados, segundo a sua natureza.

 

Previsibilidade

 

Há fenômenos previsíveis e controláveis na Natureza, podendo ser replicados em laboratório, como acontece nos experimentos da Física e da Química. E há os previsíveis, mas não controláveis e, portanto, não repetíveis experimentalmente, como, por exemplo, os eclipses. Finalmente, há fenômenos imprevisíveis como os terremotos, os maremotos e as erupções vulcânicas. A ciência prefere lidar com os fenômenos previsíveis, controláveis e experimentalmente replicáveis. No entanto, faz concessão aos fenômenos previsíveis, embora não controláveis.

Hoje, com a teoria do caos, se admite que a maior parte do mundo natural é intrinsecamente caótica e que a ordem não passa de um constructo ilusório da mente humana. Os fenômenos paranormais se inserem naturalmente no turbilhão caótico do universo, escandalizando a crença metafísica das constantes universais.

Advertia J. Bronowski que a ciência moderna “substitui o conceito de efeito inevitável pelo de tendência provável.”

O fenômeno paranormal não é imprevisível, mas probabilístico, quando se investiga uma pessoa dotada de aptidão paranormal, a qual denominamos, no Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas – I.P.P.P. -, de Agente Psi Confiável (APC). Já havíamos assinalado que, na presença de um APC, como Chico Xavier, Luiz António Gasparetto e Thomas Green Morton, há uma alta probabilidade de ocorrer fenômenos paranormais. Portanto, na sua presença, a possibilidade de se observar um fenômeno paranormal importa numa “tendência provável” e não num “efeito inevitável”, dependendo da ocorrência de fatores favoráveis que facilitem a sua manifestação.

A instabilidade da previsão em Parapsicologia é significativamente bem menor do que em Economia e em Meteorologia. A margem de segurança para se prever que um APC obterá, em determinado experimento, fenômenos paranormais a que está habituado, é indubitavelmente maior do que a esperada em Economia, em relação a uma dada situação socioeconômica e também em Meteorologia para predizer as condições do tempo numa região específica.

 

Repetibilidade

 

A repetibilidade absoluta em laboratório só é possível em relação a experimentos físicos e químicos. Outros experimentos científicos, no entanto, podem ser repetíveis de maneira genérica e não específica.

Os fenômenos paranormais não são repetíveis de maneira específica, mas genérica. Chico Xavier, por exemplo, pode repetir fenômenos telepáticos, interagindo com várias pessoas numa mesma ocasião, sem os repetir com uma mesma pessoa.

Observa Rémy Chauvin:

“Los fenómenos psi son perfectamente repetibles, si bien hay que añadir inmediatamente que no lo son por cualquiera, ni en cualquier momento.”

E mais adiante: –

“El fenómeno psi no es repetible sobre una base estadística, debido a que nuestras técnicas son demasiado burdas y a que el ruido de fondo, como suele decirse, es todavía demasiado fuerte. Y es cierto que no todo el mundo es capaz de repetirlos.”

A replicabilidade da experiência, embora desejável, não é imprescindível e nem sempre empiricamente possível.

A investigação parapsicológica não está isenta do chamado “efeito das expectativas do experimentador”, na elegante definição de Rupert Sheldrake. Mesmo a nível in-consciente, o APC pode produzir fenômenos paranormais segundo as expectativas do experimentador e agir de maneira diferente sob a expectante influência de outro pesquisa-dor. Por isso, a repetibilidade dos mesmos fenômenos por um determinado APC pode variar de conformidade com as diferentes expectativas de cada pesquisador.

O físico Helmut Schmidt, da Mind Science Foundation em Santo António no Texas, demonstrou que as pessoas podem influenciar mentalmente o comportamento de aparelhos geradores de eventos aleatórios, os quais funcionavam à base de perda radioativas ou de ruído eletrônico. O trabalho de Schmidt foi reproduzido por outros pesquisadores e mereceu elogios de Ray Hyman, um dos mais famosos críticos da Parapsicologia.

 

Verificabilidade

 

Uma ciência pode começar pela observação de fatos, mas não consiste na mera observação dos fatos. A ciência é uma atividade contínua de interpretação do universo fenomenológico que ela selecionou.

As hipóteses em Parapsicologia devem ser verificáveis a fim de que possam ser corroboradas e falseadas. Dados empíricos são abundantes na investigação parapsicológica, mas eles, por si sós, não fazem uma ciência. São as hipóteses que, examinando fenômenos específicos, mediante uma adequada metodologia científica, dão caráter de cientificidade à pesquisa. A verificabilidade, portanto, não diz respeito aos fenômenos, mesmo os observáveis, mas às hipóteses que procuram explicar o seu modus operandi.

 

Refutabilidade ou falseabilidade

 

A refutabilidade ou falseabilidade de uma hipótese consiste na possibilidade de invalidar as suas conseqüências. Assim, quanto maior a possibilidade de refutação ou de falseamento de uma hipótese maior será o seu nível de cientificidade. Por ser o conhecimento científico intrinsecamente provisório, a corroboração de uma hipótese apenas revela que ela ainda funciona. Não constitui, portanto, uma confirmação definitiva, pois nada em ciência é definitivo. A refutação de uma hipótese demonstra em que situação a hipótese não funciona apesar de suas anteriores corroborações.

Qualquer hipótese em Parapsicologia deve, portanto, ser refutável ou falseável, a fim de que possa assegurar o seu caráter de cientificidade, observando-se, no entanto, que o requisito da falseabilidade não é unanimemente aceito pelos epistemólogos.`

 

Utilidade & fertilidade

 

O conhecimento resultante da fenomenologia paranormal é útil, porque pode ser utilizado para finalidades práticas. É também fértil pelas novas idéias sobre a realidade que proporciona, passível de influir em outros campos científicos.

 

Método científico.

 

O grau de confiabilidade de uma ciência depende da eficácia de seu método e este, por sua vez, deve estar de acordo com a natureza daquela ciência.

Segundo Bunge, o método científico é a teoria da investigação e alcança seus objetivos quando observa as seguintes etapas: a) descobrimento do problema ou de lacuna num conjunto de conhecimentos; b) colocação precisa do problema; c) procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema; d) tentativa de solução do problema com a ajuda dos meios identificados, a qual, resultando inútil, exigirá a etapa seguinte; e) invenção de novas idéias, como hipóteses, teorias e técnicas, ou a produção de dados empíricos capazes de resolver o problema; f) obtenção de uma solução exata ou aproximada do problema com o auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível; g) investigação das conseqüências da solução encontrada; h) comprovação da solução obtida, a qual, se não for satisfatória, exigirá a etapa seguinte; i) correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta, o que importa no início de um novo ciclo de investigação.

A investigação parapsicológica descobriu uma lacuna no conjunto de conhecimentos, resultante do estudo dos fenômenos paranormais e atendeu a quase todas as etapas do modelo científico proposto por Bunge.

Entre os fenômenos paranormais que confrontaram a massa de conhecimentos vigentes, podemos destacar: a) o metafanismo em oposição à impenetrabilidade da matéria; b) a levitação em oposição à gravitação universal; c) a precognição em oposição à linearidade do tempo; d) a telecinesia, evidenciando que a ação à distância não é exclusivamente do domínio físico, mas também psíquico; e) a projeção da consciência demonstrando que a mente não percebe o mundo somente a partir do corpo, mas de qualquer outro referencial do espaço; f) a xenoglossia revelando que não sabemos apenas o que aprendemos, mas também o que não aprendemos; g) a ideoplastia constatando que a mente pode produzir imagens na matéria e formas tridimensionais no espaço.

Estes fenômenos demonstraram a necessidade de novos conhecimentos para suprir a lacuna gnosiológica descoberta.

A Parapsicologia se constituiu como ciência para investigar os fenômenos paranormais, utilizando experimentos de laboratório e observação de casos espontâneos.

Os parapsicólogos reconhecem, criticamente, que estas tentativas, até agora, não têm sido satisfatórias em relação a muitos fenômenos paranormais e, por isso prosseguem na elaboração de novas teorias e hipóteses, visando a solução do problema.

Até o momento, no entanto, as soluções, mesmo aproximativas, do problema apresentam imprecisões, notadamente por deficiência de uma adequada instrumentação conceituai e esta situação vem constituindo fator impeditivo para a investigação das conseqüências dos resultados obtidos. Isto importa na constatação da dubiedade na comprovação dos resultados experimentais, obrigando a correção das hipóteses, teorias, procedimentos e dados empregados que se mostraram insuficientes para a elaboração de uma solução consistente, sendo esta, no presente, a situação em que se encontra a pesquisa parapsicológica no seu todo.

 

Teorização

 

A atividade científica não se esgota com a simples descrição dos fenômenos. Ela é necessária para a sua identificação e conceituação, mas não suficiente para a sua compreensão e manipulação. É mister que se transcenda o dado empírico, mediante a elaboração de hipóteses que se compatibilizem com a metodologia científica.

Infelizmente, na prática parapsicológica pouco se tem feito no sentido de teorizar os fenômenos paranormais observados, limitando-se os pesquisadores, em sua quase totalidade, apenas a descrevê-los e nem sempre com o rigor desejado.

 

Método indutivo

 

Por ser uma ciência factual, a Parapsicologia pode utilizar o método indutivo para investigar a imensa quantidade dos fenômenos paranormais.

Seguindo as regras ou fases do método indutivo, podemos constatar: a) que os fenômenos paranormais resultaram de uma observação sistemática; b) que existe uma relação de constância entre eles, permitindo sua identificação e classificação; c) que, finalmente, pode-se estabelecer uma generalização desta relação, proporcionando a teorização de sua causa – a ação incomum do psiquismo humano, agindo em seu nível inconsciente.

A quantificação destes fenômenos, decorrente de sua abordagem laboratorial, ensejou, finalmente, o tratamento estatístico dos mesmos.

Embora o método indutivo repouse no determinismo, não se pode mais, hodiernamente, desconhecer a abordagem probabilística de certos fenômenos da natureza.

A presença constante de um ser humano determinável ou determinado por ocasião da manifestação de fenômenos paranormais permitiu a inferência indutiva de que ele é, até prova em contrário, o agente causal dos mesmos.

 

Método dedutivo

 

Poderemos, ainda, abordar os fenômenos paranormais, adotando o método dedutivo. Assim, estabeleceremos o seguinte silogismo: a) há fenômenos que não se comportam segundo as chamadas “leis da natureza”, embora ocorram na natureza; b) os fenômenos ditos paranormais são fenômenos que ocorrem na natureza, embora em desacordo com as suas leis; c) logo os fenômenos paranormais são fenômenos da natureza, demonstrando a insuficiência das chamadas “leis da natureza”.

Em relação à causa dos fenômenos paranormais poderemos postular: a) não co­nhecemos ainda todas as potencialidades do homem; b) os fenômenos paranormais sempre acontecem na presença do homem; c) logo, o homem é a causa dos fenômenos paranormais.

Aqueles que negam os fenômenos paranormais se baseiam no seguinte silogismo: a) conhecemos todas as possibilidades do acontecer; b) os fenômenos ditos paranormais não se incluem nestas possibilidades; c) logo, fenômenos paranormais não podem acontecer. Trata-se, no entanto, de um sofisma, pois a premissa maior é falsa.

 

Método hipotético-dedutivo

 

O método hipotético-dedutivo, basicamente, se alicerça em três momentos: a) problema que confronta o conhecimento preexistente; b) soluções ou hipóteses para o problema; c) testes das soluções ou hipóteses, resultando na sua corroboração ou refutação.

Podemos também abordar a questão dos fenômenos paranormais utilizando o método hipotético-dedutivo.

Então diremos:

  1. a) os fenômenos paranormais abriram uma lacuna no atual modelo epistemológico;
  2. b) disto decorreu a necessidade de se propor conjecturas, soluções e hipóteses para o novo problema;
  3. c) nenhuma das ciências oferecia um modelo adequado para a solução do problema, exigindo, assim, o estabelecimento de uma nova ciência, no caso a Parapsicologia, para enfrentar adequadamente a aporia;
  4. d) a Parapsicologia partiu da observação de que os fenômenos paranormais sempre acontecem na presença de uma pessoa determinada;
  5. e) a Parapsicologia se assentou sobre a pressuposição  de  que  ainda  não conhecemos todas as potencialidades do homem;
  6. f) disto resultou a conjectura de que o homem é a causa dos fenômenos paranormais, visto que eles acontecem sempre na sua presença;
  7. g) a experiência tem demonstrado que nem todos os seres humanos produzem fenômenos paranormais e que aqueles que os produzem não o fazem em qualquer situação, diferindo entre si quanto às condições de produzi-los;
  8. h) disto decorre que o princípio da falseabilidade se aplica a cada caso concreto em que o fenômeno não possa ser produzido por qualquer pessoa presente, que seja capaz de habitualmente produzi-lo.

 

Método histórico

 

A Parapsicologia pode adotar o método histórico, criado por Boas, a fim de estudar os fenômenos paranormais no passado, analisando a sua gênese e evolução, o contexto sociocultural onde ocorreram, as condições de pesquisa, a fim de facilitar a sua compreensão no presente, comparando fenômenos em extinção, fenômenos perseverantes e fenômenos emergentes.

 

Anamnese

 

Na sua atividade profissional, o parapsicólogo pode utilizar, com extremo proveito, a anamnese a fim de obter um histórico da possível experiência paranormal da pessoa a qual está prestando atendimento e, assim, poder avaliar a procedência ou não de sua queixa.

 

Método comparativo

 

A Parapsicologia pode utilizar o método comparativo, empregado por Tylor, examinando a incidência de fenômenos paranormais nos mais diversos povos, em diferentes grupos sociais, profissionais, religiosos e de diferentes faixas etárias, seja no passado ou no presente, a fim de determinar os seus elementos constantes, abstratos e gerais. Examinar, por exemplo, a influência de fatores socioculturais no favorecimento ou até mesmo impedimento das manifestações paranormais em determinados países, em certas classes sociais e em relação à idade, sexo e profissão numa determinada sociedade.

 

Método estatístico

 

O método estatístico, planejado por Quetelet, foi utilizado, vitoriosamente por J. B. Rhine, dando foros de ciência à Parapsicologia. Apesar disso, vem sendo duramente criticado, por sua artificialidade, não apenas por paranormais, mas também por pesquisadores, argumentando que as cartas do baralho Zener não possuem qualquer apelo emocional e constituem uma “escolha forçada”, a qual, embora imprescindível para o cálculo estatístico, tornam as experiências repetitivas e monótonas, influindo desfavoravelmente na manifestação da aptidão paranormal.

Fenômeno paranormal é todo fenômeno insólito que possa ser razoavelmente explicado pela aptidão da mente humana. Logo, todo fenômeno paranormal é insólito, embora nem todo fenômeno insólito seja paranormal. Uma teoria parapsicológica, portanto, encontra o seu limite na capacidade presumida do homem. Sendo, assim, limitada, ela é verificável, comprovável e refutável. Isto evidencia que nem todo fato insólito que aconteça na presença de seres humanos é necessariamente paranormal. Todavia, explicar tudo pela ação do homem é uma postura inequivocamente metafísica.

 

O princípio metafísico

 

Cada ciência tem sua própria metafísica, pois admite implicitamente que algum dia poderá explicar todo o universo fenomenológico que constitui o seu objeto.

Adverte Mario Bunge que “a teoria pode mesmo pressupor princípios metacientíficos irrefutáveis”, mas que “todos estes irrefutáveis juízos deveriam ser confirmáveis e, de algum modo, escorados pela massa de conhecimento”.

E diz ainda que “toda investigação científica pressupõe uma lógica, uma gnosiologia e uma metafísica.”

Até o momento, indiscutivelmente, o inconsciente é ainda um princípio metafísico irrefutável. Porém, podemos esperar que a sua compreensão tende a aumentar com o desenvolvimento das ciências psíquicas.

O poder quase ilimitado do psiquismo inconsciente é a metafísica da Parapsicologia. Aliás, a ciência, como um todo, possui uma metafísica: a crença de que todos os fenômenos da natureza serão, um dia, explicáveis ou explicados pela pesquisa científica.

A teoria de que o psiquismo inconsciente é a causa dos fenômenos paranormais é de natureza fenomenológica, também denominada de “caixa preta”. As teorias da “caixa preta” são aquelas que não vão além do fenômeno, como se ele fosse destituído de estrutura interna. Todas as suas variáveis são externas e globais, podendo ser diretamente observáveis ou indiretamente mensuráveis. Elas enfocam o comportamento dos sistemas e, particularmente, suas entradas e saídas observáveis. Segundo Bunge, são representantes eminentes da classe das teorias da “caixa preta”: a Cinemática, a Óptica Geométrica ou teoria dos raios luminosos, a Termodinâmica, a Teoria do Circuito Elétrico, a Teoria da Matriz de Espelhamento, a Cinética Química Clássica, a Teoria da Informação e a Teoria da Aprendizagem. Em Parapsicologia não sabemos qual a estrutura interna do sistema chamado inconsciente, embora conheçamos alguns aspectos de seu funcionamento. Sabemos, por exemplo, algumas condições que podem deflagrar o fenômeno paranormal, mas desconhecemos o modus operandi de sua manifestação. Salienta Bunge que “As teorias da caixa negra são as mais firmemente ancoradas na experiência, portanto, as melhores protegidas contra a refutação.” Porém, reconhece que a sua debilidade consiste num “alto grau de generalidade, ou falta de especificidade”, e que a ausência de profundidade, segurança e certeza “aproximam perigosamente as teorias fenomenológicas da irrefutabilidade – que, segundo Popper, é o seio da não-ciência.” A pesquisa em Parapsicologia, portanto, não deve cingir-se apenas ao controle das variáveis externas, mas, também, descobrir e investigar as variáveis internas que desencadeiam a manifestação paranormal.

A Parapsicologia parte da hipótese fundamental de que a paranormalidade é uma aptidão humana. Assim, em cada caso concreto, podemos investigar se esta aptidão está presente em cada pessoa humana e em que percentual. E possível que esta aptidão esteja latente em todo ser humano. Mas, o procedimento indutivo tem demonstrado o contrário. Ela se manifesta habitualmente apenas em algumas pessoas e, assim mesmo, com variável grau de freqüência. Dizer que todo homem possui uma paranormalidade latente não passa ainda de especulação.

 

As variáveis

 

As variáveis são elementos constitutivos das hipóteses.

Define-se a variável independente como uma precondição necessária, mas não suficiente, para a produção de um determinado efeito.

A variável dependente é a conseqüência decorrente da presença de uma dada variável independente.

E a variável antecedente é aquela que, numa cadeia causai, se coloca antes da variável independente, influindo eficazmente sobre ela.

Podemos postular que a aptidão psi constitui a variável independente em Parapsicologia; a emoção, a vontade, a idade, o sexo, o estado de saúde, os fatores socioculturais e a personalidade do Agente Psi, as variáveis antecedentes; e o fenômeno paranormal, a variável dependente. Assim, uma variável antecedente (a emoção, por exemplo) influi sobre a variável independente (aptidão psi) do que resulta no surgimento de uma variável dependente (um fenômeno paranormal de psi-gama ou de psi-kapa).

Pode, no entanto, a aptidão paranormal ser acionada por duas variáveis antecedentes. Então exemplifiquemos:

Uma variável antecedente (forte emoção) em concurso com outra variável antecedente (proximidade da puberdade) influi sobre a variável independente (a aptidão psi), ensejando um fenômeno de “poltergeist” (variável dependente).

Pode acontecer que uma variável dependente (fenômeno de psi-gama) se torne causa de outra variável dependente (fenômeno de psi-kapa). Vejamos um exemplo.

Uma pessoa, ficando ocasionalmente na condição de Agente Psi (variável independente), se informa, por telepatia, da morte de outra pessoa (variável dependente) a que está ligada por fortes laços afetivos e, não conscientizando esta informação sob forma de pressentimento, converte, inconscientemente, este fenômeno psigâmico num fenômeno de psi-kapa, a queda de um quadro, por exemplo (variável dependente).

O fenômeno paranormal não ocorrerá, se a aptidão paranormal do Agente Psi não for acionada. Logo, a variável dependente (fenômeno paranormal) só se produzirá, se houver a atuação da variável independente (aptidão psi), a qual só agirá, se acionada por uma ou mais de uma variável antecedente (emoção, idade, etc).

Não há relação causai determinística (se A, então B) na experiência parapsicológica, mas, sim, uma relação causal probabilística ou estocástica (se A, possivelmente B), pois nem sempre a presença do APC deflagra o fenômeno paranormal. Ou seja, a presença do APC é condição necessária, mas nem sempre suficiente para a manifestação parapsicológica.

Em pesquisa de laboratório, a motivação do pesquisado é a variável antecedente influindo sobre a aptidão psi (variável independente), produzindo o fenômeno paranormal (variável dependente). Isto explica o chamado “efeito de declínio”, observado nas experiências com o baralho Zener: o declínio do interesse do pesquisado decorrente do enfado da experimentação repetitiva resultou no conseqüente declínio do seu nível de acertos.

Predisposições psíquicas, como a crença no fenômeno paranormal, (variável antecedente) influem sobre a aptidão psi (variável independente), resultando num número de acerto além do nível do acaso, revelando a manifestação de um fenômeno paranormal (variável dependente). As pessoas, que são dotadas desta crença, foram denominadas de “ovelhas” por Gertrude Schmeidler. Ela observou que as pessoas que não acreditavam em fenômenos paranormais não acionavam sua possível aptidão psi e, por isso, os seus acertos não passavam do nível do acaso. Por isso, Schmeidler as denominou de “cabras” por sua refratariedade à deflagração destes fenômenos.

 

Interdisciplinaridade & analogia

 

Por ser uma ciência interdisciplinar, a Parapsicologia pode utilizar subsídios metodológicos de outras ciências. Trata-se de um procedimento analógico, visando uma melhor compreensão da fenomenologia paranormal. A hipótese holográfica, por exemplo, pode ser empregada analogicamente para a explicação dos fenômenos de aparição. Nenhum conhecimento novo está absolutamente separado do conhecimento humano como um todo e, por isso, em parte, pode ser explicado pelo conhecido. A sua novidade consiste na extrapolação do saber geral e não na sua total independência em relação a ele.

 

Os conceitos

 

Sócrates já houvera admoestado que o conhecimento se faz por conceitos. Os conceitos são, portanto, as ferramentas epistemológicas do conhecimento. Enquanto uma determinada ciência não dispõe de conceitos precisos, ela é uma ciência formalmente imprecisa. E a Parapsicologia ainda se debate em imprecisões por lhe faltar conceitos adequados para seus fenômenos. Na verdade, muitas crises no campo científico residem mais na sua estrutura conceitual do que na sua metodologia de pesquisa.

 

Teoria & experimentação

 

Lembra bem Mario Bunge que “o objetivo da pesquisa não é a acumulação dos fatos mas a sua compreensão e que esta só se obtém aventurando e desenvolvendo hipóteses precisas.” Adverte ainda que “uma das características da ciência moderna é a síntese de experiência e teoria.”

Os fatos parapsicológicos são abundantes. Porém, a sua simples coleta sem um conseqüente trabalho teórico, mediante elaboração de hipóteses e experimentos, em nada ajudará ao desenvolvimento científico da Parapsicologia.

As pessoas cépticas e hostis contribuem, muitas vezes, para o fracasso das experiências paranormais, pois a seu comportamento afeta negativamente o desempenho do APC. A experimentação científica tem demonstrado que os fenômenos parecem comportar-se em consonância com a observação paradigmática de cada pesquisador. Por isso, se costuma dizer, de maneira jocosa, que os físicos nucleares não apenas descobrem novas partículas, mas também as inventam. Na verdade, somos seletivamente perspicazes para ver aquilo que acreditamos e totalmente cegos para aquilo que não acreditamos. Sheldrake, levando em conta a influência ativa da mente do experimentador, admitiu que ela possa agir psicocineticamente no curso da experiência no âmbito microcósmico da Física Quântica. Constatou-se que a crença em determinado remédio aumenta a sua eficácia e a perda de confiança nele pode, não apenas reduzir a sua eficiência, mas até mesmo torná-lo terapeuticamente anódino. Então seria de se perguntar se é a substância química que realmente cura ou a crença no seu poder terapêutico tal como acontece na administração de placebo. De tudo isso se conclui que a experimentação parapsicológica com a mais alta probabilidade de sucesso é aquela em que o pesquisador e o APC acreditam firmemente no seu êxito.

Somente parapsicólogos podem fazer experiências paranormais, jamais um curioso ou alguém que pertença a outra área científica. Um experimento parapsicológico não é um experimento físico ou químico. Não se pode esperar do ser humano, por sua extrema complexidade, uma resposta padronizada e repetitiva que se obtém no trato com estruturas materiais. Ora, se um leigo não tem competência para lidar com os fenômenos físicos e químicos como se admitir a sua ingerência no trato de fenômenos psíquicos muito mais complexos do que aqueles? O grave equívoco dos parapsicólogos é dar ouvidos às opiniões de leigos e de cientistas de outras a respeito das investigações dos fenômenos paranormais, principalmente quando tais pessoas têm preconceito contra a Parapsicologia. Trata-se de um reprovável servilismo intelectual que tem prejudicado o desenvolvimento da Parapsicologia. Afinal, todas as ciências têm suas limitações e problemas não resolvidos e os cientistas, não raro, se enganam redondamente nas suas hipóteses e experimentos. Os parapsicólogos, por certo, não constituem a única exceção.

 

Conclusão

 

Max Plank havia melancolicamente observado que uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus adversários, mas porque estes finalmente morrem e uma nova geração cresce já familiarizada com ela.

Thomas Kuhn, por sua vez, enfatizara que o progresso científico não é linear e cumulativo, mas se processa por “saltos”, decorrentes do colapso de um paradigma, substituído por outro que propõe uma nova perspectiva para o conhecimento científico. Um paradigma para Kuhn” é aquilo que os membros de uma comunidade partilham” e uma comunidade científica “consiste em homens que partilham um paradigma.”

A Parapsicologia é uma ciência que postula no fenômeno paranormal uma nova visão da realidade, daí resultando uma nova verdade científica, um novo paradigma e uma nova revolução do conhecimento. Resta apenas esperar que tudo aconteça segundo a afirmação de Planck e de Khun e prosseguir com a investigação dos fenômenos com a elaboração de hipóteses cada vez mais eficazes e abrangentes, visando a consolidação definitiva deste novo paradigma e de uma comunidade científica que dele partilhe.

 

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(*) Trabalho apresentado no I Congresso Internacional e Brasileiro de Parapsicologia. Recife, 1997.

 

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