A Realidade Transcendental (introdução à Transcendentologia)

VALTER DA ROSA BORGES

            A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos.

Fritjof Capra

 

A ciência vem procurando, até hoje, identificar a realidade com a matéria e encontrar o elemento fundamental da própria materialidade.

Inicialmente, concebeu a matéria como tudo o que nos afeta e que podemos perceber.

Depois, observou que poderíamos também ser afetados pelo que não percebíamos. Então, a matéria passou a ser entendida como tudo o que nos afeta, mesmo aquilo que não podemos perceber, tais como os raios ultravioletas, os microorganismos, etc.

Graças, porém, ao crescente progresso científico e tecnológico e em razão das nossas extensões artificiais, estamos aumentando, gradativamente, o alcance da nossa materialidade.

Pensamentos, emoções, idéias, desejos têm também a sua “materialidade”, pois podem nos afetar, apesar de sua imaterialidade.

A matéria é um constructo perceptual de cada organismo, e cada espécie, aqui, na Terra, tem o seu universo material específico. Logo, a realidade não se reduz à nossa materialidade humana e, conseqüentemente, existem outros níveis da realidade com a sua materialidade própria.

Teilhard de Chardin proclamava que toda vida consiste em ver e que a história do mundo vivo se reduz a elaboração de olhos cada vez mais perfeitos no seio de um Cosmo onde é possível perceber sempre melhor. Tem razão Chardin: quanto mais percebemos, mais aumenta a materialidade do nosso universo.

Ainda não se comprovou que  matéria é constituída de elementos irredutíveis, indivisíveis, pois a ciência, até agora, não descobriu o átomo, na verdadeira acepção do termo. Já foram identificados cinco níveis da matéria – moléculas, átomos, núcleos, hadrões e quarks – e ainda não foi encontrada a sua estrutura fundamental. A realidade parece ser composta de infinitos níveis fenomenológicos, com ilusórios elementos constitutivos. Por isto, afirmava Pietro Ubaldi que cada mundo é real em seu nível e é ilusório, se visto de outros níveis.

Onde termina a matéria e começa a energia e vice-versa?

Einstein sustentou que matéria é energia congelada. E Pietro Ubaldi advertiu que a diferença entre matéria e energia consiste na diversidade do movimento: rotatório, fechado em si mesmo, na matéria; ondulatório, de ciclo aberto e lançado no espaço, na energia.

A materialidade não está lá fora, mas em nós mesmos, no nosso modo de perceber o mundo exterior. Matéria é a nossa relação com os seres e as coisas. Isso não quer dizer que eles sejam produtos da nossa mente, mas, sim, que eles são materiais para nós porque podemos percebê-los. A essência da matéria é, portanto, a percepção. A cultura da sociedade em que vivemos é que nos fornece a materialidade das nossas percepções. Por isso, nós vemos a realidade com os olhos que a cultura nos deu, porque ver não é um fato apenas biológico, mas principalmente uma experiência culturalmente condicionada. O que chamamos de fato é uma percepção interpretada.

A Escola de Copenhague afirma que a realidade quântica é, em parte, criada pelo observador. Ou seja, como diz Heinz Pagels, a intencionalidade humana influencia a estrutura do mundo físico. Por isso, John Wheeler asseverou que nenhum fenômeno é fenômeno, senão quando observado. Assim, podemos argumentar que a matéria só é matéria quando nós a percebemos.

Há, porém, indícios da existência de uma realidade não-física?

Certos fenômenos paranormais estudados pela Parapsicologia e outros tidos por milagrosos, observados em todas as religiões, transgridem as leis da realidade física e ultrapassam, de muito, a capacidade do ser humano, permitindo-nos especular sobre a existência de um outro nível da realidade a qual podemos denominar de realidade transcendental ou RT. Parece-nos sensato admitir que aqueles fenômenos insólitos que não possam, razoavelmente, ser atribuídos ao agente psi ou AP, devem ser considerados como indícios da interferência de um agente transcendental ou AT, nome genérico para os seres transcendentais ou STs, o quais foram identificados, pelas religiões, como deuses, anjos, demônios, devas, espíritos da natureza e espíritos dos mortos.

Este possível universo transcendental, também conhecido por mundo espiritual, é, até hoje, do domínio exclusivo das religiões, as quais jamais se conciliaram para buscar uma visão holística e coerente do mesmo. E a competição acirrada e dogmática entre as diversas religiões só resultou em conflitos desnecessários e na manutenção de concepções setorizadas e excludentes a respeito da RT.

Enquanto a Ciência tem procurado harmonizar todas as ciências dentro de uma concepção unificada da sua metodologia cognitiva, a Religião, pelo contrário, se mantém fragmentada pela querela estéril de religiões e seitas, dando a impressão de que a RT é, fundamentalmente, caótica e ininteligível.

Parece evidente que a RT é extremamente complexa, constituída de diferentes níveis fenomenológicos, o que, por certo, esclarece a diversidade das revelações espirituais e das comunicações mediúnicas. Há, porém, uma interessante convergência nestes relatos: a existência de planos espirituais hierarquizados, melhor diríamos, diversificados. É a nossa tendência à simplificação que nos deixa atordoados e confusos ante a complexidade da RT.

A Parapsicologia, instituindo-se como ciência, procurou humanizar o insólito, atribuindo a aptidões humanas ainda desconhecidas a causa única de tais fenômenos. O avanço científico e tecnológico, como um todo, vem favorecendo esta tarefa da Parapsicologia, minimizando a explicação transcendental, visto que alguns fenômenos paranormais já podem ser voluntariamente obtidos em laboratório.

Porém, ainda não existe, entre os parapsicólogos, um consenso comum para definir o conceito de paranormal, principalmente porque ainda não sabemos determinar o que é normalidade e quais os seus limites. Empiricamente, porém, distinguimos um fato normal de um acontecimento insólito, visto que normal é, para nós, tudo aquilo que é habitual, previsível e até mesmo, em certos casos, controlável. Tudo o que é insólito nos assusta ou incomoda, porque perturba as nossas expectativas e nos priva, ainda que temporariamente, da segurança que nos proporciona o conhecido. Mas, o insólito, paradoxalmente, também fascina por descortinar novas modalidades do real, rompendo com a rigidez de certos determinismos.

A atitude de certos parapsicólogos tem sido radical: ou explicam todos os fenômenos insólitos pelo psiquismo inconsciente do agente psi ou negam a realidade daqueles que não cabem nesta hipótese, atribuindo-os à fraude, às deficiências da pesquisa ou ao misticismo do pesquisador. É evidente que todos os fenômenos paranormais são insólitos, mas nem todo fenômeno insólito é paranormal.

Apesar de todas as conquistas da investigação parapsicológica, uma parte significativa dos fenômenos paranormais permanece inabordável pela metodologia científica, sendo manifestamente insatisfatória a sua explicação por aptidões desconhecidas do psiquismo inconsciente, principalmente porque o conceito de inconsciente é extremamente vago na Psicologia como na Parapsicologia.

Inicialmente, se faz necessário estabelecer as fronteiras entre o paranormal e o transcendental, definindo os seus respectivos domínios fenomenológicos. A tarefa de distinguir o transcendental do paranormal ainda é mais árdua do que a de distinguir o paranormal do normal. Assim, a pesquisa transcendentológica procura, preliminarmente,  determinar se um dado fenômeno insólito é de natureza paranormal ou transcendental. É quase sempre difícil estabelecer esta distinção, pois não existe um critério confiável para determinar uma clara fronteira entre as duas ordens de fenômenos. Por isso, adotamos o critério da razoabilidade, o qual consiste em declarar que um fenômeno insólito é transcendental quando ele não pode, razoavelmente, ser atribuído a ação do inconsciente do agente psi.

O paranormal, como já dissemos em um dos nossos livros, é o normal incomum. Embora contrarie o paradigma científico da realidade, ele ainda pertence ao universo hominal, situando-se nas fronteiras das potencialidades humanas.

Paranormal, portanto, é todo fenômeno insólito que possa ser razoavelmente atribuído à mente humana, operando em nível superior às suas aptidões habituais. Daí, a imperiosa necessidade de se demarcar, teoricamente, os limites operacionais do inconsciente nas suas manifestações paranormais. Mas, como ainda não sabemos os limites da capacidade humana, só podemos estabelecer, teoricamente, os parâmetros razoáveis desta capacidade. O poder ilimitado do inconsciente, defendido por alguns parapsicólogos, não passa de uma hipótese metafísica e, portanto, incompatível com a natureza científica da Parapsicologia.

Consciente e inconsciente não são entidades autônomas, mas expressões operativas da mente humana. O inconsciente não é um gênio oculto e sim a mente humana vista como um todo, onde o consciente constitui uma atividade seletiva em consonância com o conteúdo cultural onde cada homem está inserido.

Mas, até aonde vai, realmente, o poder do nosso psiquismo inconsciente? Simplesmente porque não conhecemos os seus limites, não devemos tratá-lo como se fosse uma instância humana praticamente dotada de onisciência e onipotência. Um inconsciente que sabe tudo e pode tudo é, a bem da verdade, uma réplica ou sucedâneo de Deus.

A Parapsicologia, por ser uma ciência, não pode lidar, por isso, com hipóteses metafísicas, e só lhe compete atribuir ao homem a causa exclusiva dos fenômenos paranormais.

Todavia, ela não deve apenas afirmar que o inconsciente é a causa daqueles fenômenos, mas comprovar experimentalmente esta hipótese, mediante a utilização de técnicas e procedimentos estritamente científicos. Para isso, é necessário que ela demonstre que o AP pode produzir voluntariamente alguns deles. Porém, são raríssimos os fenômenos paranormais que ocorrem em tais condições e, assim mesmo, a sua magnitude é enormemente inferior àqueles que acontecem espontaneamente e, em alguns casos, contra a vontade do AP.

Alguns fenômenos paranormais não são, até agora, cientificamente explicáveis pelo psiquismo inconsciente e nem sempre a inteligência e a intencionalidade, que os dirigem, podem ser, razoavelmente, atribuídas às aptidões incomuns da mente humana. Seria, na verdade, um evidente excesso de antropomorfismo admitir que o homem, a nível inconsciente, possua conhecimento de leis e manipule forças ainda desconhecidas da ciência.

Se existe um paradigma científico para a investigação da realidade física, é de fundamental importância a tentativa de se elaborar um paradigma  para o estudo da RT, utilizando subsídios das mais diversas áreas do conhecimento humano.

Por isso, tomamos a iniciativa de propor a criação de um novo ramo do conhecimento a que denominamos de Transcendentologia.

 

O que é a Transcendentologia

 

Segundo David Bohm, o conhecimento é sempre uma proposta. A Transcendentologia é a proposta de um conhecimento interdisciplinar que tem por objeto a investigação de uma possível Realidade Transcendental ou RT. Para isso, ela se utiliza da metodologia científica, da especulação filosófica e das experiências místicas e mediúnicas para a investigação de fenômenos que sugerem a existência deste outro nível da realidade.

            A Transcendentologia tem por objeto:

  1. a investigação de fenômenos insólitos que possam ser atribuídos a um AT;
  2. a especulação a respeito da RT com base nas informações fornecidas pelo AT, através de médiuns e xamãs, ou pelo testemunho de místicos, santos ou gurus.

Dividimos a Transcendentologia em duas partes: a Transcendentologia Geral que estuda a RT como um todo e a Transcendentologia Especial que examina questões particulares da RT, como, por exemplo a  investigação da sobrevivência post mortem do homem.

A Transcendentologia, como estudo da experiência humana do transcendental, vale-se dos subsídios experienciais de santos, místicos, gurus, médiuns e xamãs, sob as mais diversas formas de suas manifestações, para elaborar especulações e reflexões sobre as coincidências significativas das experiências transcendentais. Examina, também, as diversas concepções religiosas sobre o mundo espiritual, destacando convergências e analisando criteriosamente as divergências, observando, ainda, as influências dos fatores socioculturais e históricos.

A Transcendentologia se apóia nos seguintes postulados:

  1. A realidade transcendental, sendo não-física, é ininteligível pelas leis que governam a realidade física;
  2. A realidade transcendental é povoada por seres transcendentais ou STs, que possuem uma natureza diferente da nossa e por seres humanos transcendentais ou SHTs, que são os espíritos das pessoas falecidas.

Em algumas ocasiões, os STs e os SHTs entram em relação com a nossa realidade física, utilizando-se dos mais diversos meios, como o êxtase dos santos e dos místicos e as manifestações mediúnicas de médiuns e xamãs.

Steven Weinberg reconheceu que talvez aquilo que aquilo que hoje chamamos de leis da natureza varie de um subuniverso para outro. Ora, se tais leis podem variar na realidade física, por que não seriam diferentes na RT?

A rigor, as evidências do transcendental são mais fortes do que as da sobrevivência do espírito humano. Por isso, algumas religiões do passado concebiam o universo transcendental povoado de deuses e outros seres espirituais e não de espíritos de pessoas falecidas.  A RT, portanto, pode existir independentemente da sobrevivência post mortem do homem.

As mitologias e as religiões mencionam encontros fantásticos entre homens e seres transcendentais. E cultuam os heróis, espécies de semideuses, porque filhos de um deus e de uma mulher e, por isso, dotados de poderes excepcionais. Os médiuns e os santos milagreiros são, mutatis mutandi,  sucedâneos modernos dos heróis mitológicos.

A Igreja Católica fala de seres não-físicos – anjos e demônios -, que nunca foram humanos.

Em algumas obras mediúnicas de Francisco Cândido Xavier, há referências explícitas aos seres da natureza.

E membros da comunidade de Findhorn, no norte da Escócia, no começo da década de 70, afirmam ter entrado em contato com elementais, como fadas, duendes e elfos.

Pietro Ubaldi sustenta a existência de entidades que jamais viveram na Terra ou que, por serem tão elevadas, habitam em dimensões conceptuais e planos de consciência superiores. Diz ele que as entidades elevadas jamais se definem em sentido humano, não constituindo centros individuais de pensamento, mas correntes de pensamentos ou noúres, nas quais elas vivem numa forma de existência coletiva. Este tipo ubaldiano de ST é, portanto, ultra-individual, formando um centro de consciência comum, onde não faz sentido a identidade individual.

Alguns médiuns afirmam que também são intermediários de outros seres transcendentais e não apenas de espíritos, embora as evidências dessa assertiva ainda sejam extremamente frágeis.

Santos e místicos cristãos relatam seus encontros com seres angelicais e suas disputas com seres demoníacos.

A Transcendentologia postula que a vida não é apenas um fato biológico, mas transbiológico e que, em ocasiões especiais, existe uma interação entre os seres vivos ou biológicos e o seres transvivos ou transbiológicos.

A investigação parapsicológica tem evidenciado que há, no ser humano, um elemento não-físico capaz de agir sobre a matéria, produzindo os fenômenos de psi-kapa. Este elemento não-físico parece exercer uma ação autônoma em relação ao organismo com o qual se relaciona, o que leva à inferência de que ele não seja afetado pela morte do corpo físico. É possível, no entanto, que esta aparente ação autônoma do elemento não-físico seja apenas funcional, extinguindo-se, assim, com a morte do organismo.

Em um dos nosso livros havíamos observado:

“O nosso erro consiste em questionar o problema da sobrevivência, referida aos parâmetros de tempo e espaço. O espírito não nasce quando, não veio de onde, não vive onde e não vai para onde, pois ele não é uma entidade tempoespacial. Logo, sob este aspecto, o espírito não sobrevive em algum lugar, quando deixa de se relacionar com o universo tempo-espacial.­”

Observamos ainda:

“Os espíritos não existem para o nível físico da realidade. E, por outro lado, não podemos afirmar que eles existem em outro nível da realidade, pois existir, para nós, é um conceito centrado na realidade física. Assim, pelo fato de não existirem segundo nosso modo de existir não im­porta na afirmação de que são irreais.”

Milan Rizl argumenta que, por não se conhecerem ainda os limites da percepção extra-sensorial, não se pode projetar um teste crucial para provar ou refutar a sobrevivência post-mortem. Assim, de acordo com este ponto de vista, tudo é explicável pela percepção extra-sensorial, embora não se saiba o que ela seja.

Podemos, no entanto, opor a seguinte objeção: se não sabemos ainda os limites da percepção extra-sensorial, deveríamos explicar todos os fenômenos psi pela percepção extra-sensorial como se ela fosse ilimitada?

A fronteira do paranormal não vai além da vida biológica. Por isso, a Parapsicologia só investiga os poderes incomuns do homem biologicamente vivo e não cogita da existên-cia de um universo transbiológico.

Mario Bunge assinalou que não adota uma atitude científica aquele que despreza a investigação da alma humana em razão de sua inobservabilidade, advertindo que “a ciência teórica contemporânea ocupa-se predominantemente de inobserváveis, tais como as partí-culas elementares, os campos eletromagnéticos, a evolução geológica e biológica, a econo-mia nacional, etc.”

Ora, o SHT é um inobservável, mas, à semelhança das partículas elementares, sua existência pode ser detectada pelos “rastros” que ele deixa em certos fenômenos paranormais.

A sobrevivência pode ser uma programação ontológica do ser humano, na qual a morte constitui uma mudança da fase biológica de homem para a fase transbiológica, na qual ele se transforma num SHT. Assim, a rigor, não se pode falar em sobrevivência, mas em mudança ontológica, tal como a lagarta que, após a morte, não sobrevive como lagarta, mas como borboleta.

Para Lawerence LeShan, aquilo que é absolutamente corriqueiro em um domínio da experiência pode não existir em outro. Assim, se a morte é inevitável para o corpo não se pode dizer o mesmo em relação à consciência, pois está se situa num diferente domínio da experiência.

LeShan assevera que há um acesso público ao corpo, pois ele existe no domínio sensorial. Podemos observar o corpo de outra pessoa enquanto ele se movimenta, respira, se mantém e quando cessa de fazer tais coisas. Porém, existe apenas um acesso particular à consciência e, por isso,  não podemos jamais observar a consciência de outra pessoa antes ou após a morte biológica do corpo. Porque observamos a morte do corpo, inferimos a morte da consciência. São duas construções separadas, que nós as tratamos como se fossem uma só.

LeShan argumenta ainda que não existe uma verdade empírica, analítica ou científica que diga respeito à aniquilação da consciência após a morte do corpo.

Diz ainda que, embora existam fatores observáveis da morte do corpo, não há um fator observável no campo da consciência. Não se pode observar a aniquilação da consciência e, portanto, não é evidente que a morte do corpo resulte necessariamente na morte da consciência.

Quando alguém, se encontra em estado de coma, presume-se que esteja inconsciente apenas pela simples inferência de que ele não está se comunicando com as pessoas presentes ou reagindo a estímulos físicos. Ora, a ausência de algo não importa necessariamente na sua extinção. Não há constatação direta de que o estado comatoso importa necessariamente em inconsciência. Ao contrário, há casos em que a pessoa, quando saiu deste estado, revelou que não perdeu a sua consciência e estava consciente do que acontecia ao seu redor.

Paul Davies reconhece que podemos rejeitar a crença de que a mente nada mais é do que atividade celular do cérebro, evitando cair na armadilha reducionista. Contudo, diz ele, parece que a existência da mente é apoiada por essa atividade, e assim surge a questão de como poderão existir mentes sem corpo. Davies recorre à analogia, argumentando que  uma novela constrói-se com palavras, mas a história poderia estar igualmente guardada oralmente em fita magnética, codificada em cartões perfurados, ou digitalizada num computador. Assim, a mente poderia sobreviver à morte do cérebro, sendo transferida para outro mecanismo ou sistema.

Diz ainda Paul Davies que já não podemos entender a mente referindo-nos a células nervosas, do mesmo modo que não podemos compreender células por simples referência aos seus componentes atômicos. Seria fútil buscar a inteligência ou a consciência no meio das células cerebrais individuais, pois a propriedade da autoconsciência é totalizante, e não redutível a mecanismos eletroquímicos específicos do cérebro.

Paul Davies vai mais além, afirmando que o componente essencial da mente é a informação, porque é padrão interior ao cérebro, e não o próprio cérebro, que nos torna no que somos. Assim como a Quinta Sinfonia de Beethoven não deixa de existir quando a orquestra acaba de tocar, assim também a mente pode suportar a transferência das informação para outro lado. Se a mente é basicamente “informação organizada”, então o meio de expressão desta informação pode ser qualquer coisa; pode não ser nenhum cérebro em particular, pode nem mesmo ser qualquer gênero de cérebro. Portanto, em vez de “espectros na máquina”, assemelhamo-nos mais a “mensagens num circuito”, mensagem que transcende os meios de sua expressão.

Podemos, ainda, aduzir que como qualquer instrumento musical não é causa da música, a música, por sua vez, não é causa de qualquer instrumento musical. O instrumento musical é o meio através da qual a música pode manifestar-se como realidade física. A peça musical que pode ser executada por centenas de instrumentos e de orquestras é apenas a cópia da peça concebida pelo compositor.

Podemos teorizar que matéria e mente são aspectos operacionais complementares do ser. A matéria é uma fonte perene de informação, sustentando a mente e a mente está permanentemente gerando matéria para a sustentação do campo operacional do ser. Lembremo-nos, no entanto, que esta matéria a que nos referimos não é apenas a matéria que conhecemos perceptualmente, mas a materialidade total do ser, ou seja, o seu campo operacional.

Sob este aspecto, o que chamamos de morte é a cessação da operacionalidade do ser num determinado espectro da matéria, ou seja, da matéria do nosso universo físico. Em outro nível da materialidade, no caso no universo transcendental, o ser apresenta características operacionais diferentes das que ele apresentava quando atuava no nosso mundo físico. A morte, assim, não é a extinção do ser, mas a cessação de sua atividade neste universo. Não há assim que se falar em sobrevivência, pois o SHT não é o que sobreviveu da individualidade biológica falecida, assim como, por analogia, o corpo não é o que sobreviveu de um membro ou órgão que foi amputado.

A Transcendentologia postula que  o homem, após a sua morte, se converte num tipo de ser transcendental,  a que denomina de ser humano transcendental ou SHT e que, nesta condição, guarda resquícios do ser que já foi, revelando a conservação de um fator sobrevivente ou FS.

Para se investigar se um fenômeno insólito é produzido por um SHT, é necessário que, por intermédio deste meio de comunicação com o mundo material, ele utilize o seu FS, fornecendo informações a respeito de si mesmo e que sejam passíveis de comprovação e refutação.

Assim, só podemos constatar a continuidade do ser humano na condição de SHT, com fundamento no seu FS, ou seja, no que ele foi e não no que ele é, pois o que ele é, é inverificável. O SHT, na sua comunicação, terá, pois, de revivenciar o ser humano que foi e talvez nem sempre seja feliz nesta empresa, traído por falhas de sua memória.

Aksakof observou que a identificação do espírito só é possível mediante um esforço da memória para reconstituir os traços da personalidade terrestre. Esse esforço, diz ele, torna-se cada vez mais difícil, pois a lembrança da personalidade terrestre deve desaparecer, cada vez mais, com o tempo, o que torna raríssimos e mais ou menos defeituosos os casos comprobatórios desse gênero.

É difícil identificarmo-nos com o que já não somos, pois não podemos pensar e sentir como a pessoa que, há muitos anos, deixamos de ser. Por isso, em relação ao nosso mundo, o FS é o ontem que não mais existe, pois o SHT é outra identidade que não conhecemos e nem podemos conhecer, pois habita uma realidade diferente da nossa. Logo, o SHT não pode comunicar-nos o que ele é, mas o que ele foi, o seu FS, e, mesmo assim, nem sempre com a fidelidade desejável para o seu reconhecimento. Por viver num mundo fundamentalmente diferente do nosso, ele nunca nos poderá fornecer uma noção satisfatória do mesmo, ainda que usando de metáforas.

Como nada é imutável na natureza, a personalidade também não o é. Logo, o SHT, mesmo que conserve parte da personalidade que morreu, poderá modificar-se, depois de algum tempo, radicalmente, em razão de sua permanência em outro nível da realidade. Com a extinção total do FS, o SHT passará assim a ser um novo ser e, nesta condição, nada mais terá em comum com a pessoa que faleceu.

Já afirmava Pietro Ubaldi que, embora sobrevivendo, a personalidade humana deve experimentar mutações que lhe fazem perder seus atributos humanos, seus sinais de identificação psíquica e as características que lhe eram próprias no ambiente terrestre.

Paul Davies também é de opinião que a personalidade não sobrevive na sua totalidade, porque uma grande parte das nossas faculdades está ligada às necessidades e capacidades do corpo. O Espiritismo kardecista já fazia esta mesma afirmação.

Charles Tart observou não ser provável que venhamos a despertar, depois da  morte, mantendo intacto o nosso habitual sentido do eu, porque, provavelmente, o nosso eu poderia vir a ser,  depois da morte, muito diferente daquilo que ele é no estado de vigília.

As experiências de memória extracerebral sugerem que o SHT pode retornar à vida física como ser humano, conservando o seu FS de algumas vidas passadas. O que se questiona é se todos os SHTs voltam uma vez ou várias vezes à condição humana e se aqueles que retornam, (pois não se sabe se todos retornam) preservam o seu FS, ao menos de sua última vida passada.

Na pesquisa do SHT, procura-se investigar não apenas se ele ainda guarda lembranças do ser humano que já foi, mas se ainda  mantém interesse em relação aos seres e coisas do mundo material com os quais interagiu, quando era fisicamente vivo. É possível que a grande maioria dos SHTs não tenha esse interesse, pois, afinal, para que eles deveriam provar que continuam sendo a pessoa que morreu, se eles agora são um novo ser?!

Muitas pessoas que passaram pela experiência da quase-morte ou EQM afirmaram que perderam seu interesse pela vida material e desejavam não mais voltar à vida física.

Camilo Flammarion já havia observado que os “mortos” se comunicam com mais freqüência nos primeiros dias após a morte e que a freqüência das comunicações vai rareando com o passar do tempo até a sua extinção total.

Modernamente, os fenômenos denominados de transcomunicação instrumental ou TCI demonstraram que pessoas falecidas, na maioria das vezes, se comunicam com parentes e amigos no período de 24 horas depois de sua morte.

Embora evidenciada a existência do FS no SHT, deixamos em aberto a discussão do problema da existência do FS em animais, conforme relatos de algumas comunicações mediúnicas e de experiências xamânicas.

Aqui, devemos lembrar a distinção entre agente psi e médium. O agente psi é a pessoa que manifesta fenômenos paranormais e o médium é aquela que constitui o meio orgânico pelo qual os SHTs agem sobre o universo físico, produzindo fenômenos transcendentais. Por conseguinte, a Transcendentologia lida com os médiuns por ser um dos elementos fundamentais para a investigação da RT.

Na terminologia transcendentológica, não se fala, portanto, de comunicações mediúnicas entre vivos e mortos, mas entre seres humanos e SHTs.

As informações fornecidas pelo AT sobre a RT não são adequadas à investigação científica, pois não há como comprová-las ou refutá-las. No entanto, é o material de que dispomos, apesar de sua complexidade e pouca confiabilidade, para elaborar um modelo, mesmo precário, da RT.

No século passado, Allan Kardec havia advertido que os Espíritos não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral e que todo saber de que dispunham se circunscrevia ao seu grau de evolução. Portanto, tudo o que eles diziam tinha o valor de uma opinião pessoal. E cautelosamente ressaltou que a possibilidade e exatidão das comunicações não dependiam do médium nem do Espírito.

Aksakof asseverou que as comunicações mediúnicas não nos podem dar noção alguma razoável acerca do mundo espiritual e de seus habitantes, pois o mundo transcendental é uma concepção tão incomensurável  para o mundo fenomenal quanto a idéia da quarta dimensão. Por isso, disse ele, não podemos formar qualquer juízo a seu respeito.

A investigação transcendentológica, no entanto, admite a possibilidade de se elaborar um modelo unificado e coerente da RT, não como dogma religioso, mas como paradigma epistemológico, suscetível de desdobramentos, aprofundamentos e revisões, em face da própria dinâmica da realidade.

Se marchamos para uma teoria unificada da realidade física, não podemos excluir, desta tentativa de unificação, a RT por mais complexa que ela seja.

Foi, portanto, com o propósito de investigar a RT e avaliar as propostas de seu modelo que fundamos a Sociedade Internacional de Transcendentologia, cujo objetivo é reunir estudiosos de todas as partes do mundo, numa nova tentativa de síntese gnosiológica da realidade em todos os seus níveis acessíveis ao entendimento humano.

 

O método transcendentológico

 

Quatro são os métodos utilizados pela Transcendentologia:

  1. o método indutivo,
  2. o método qualitativo;
  3. o método comparativo;
  4. o método histórico.

O método indutivo consiste na coleta de dados que permitam, em determinado momento, elaborar uma proposta de generalização da fenomenologia transcendental.

Este método pode ser aplicado à investigação dos fenômenos insólitos, pois este não resultaram de uma postulação teórica, mas da sua observação e da constatação de que eles não eram explicáveis pelas chamadas leis da natureza.

Consoante as regras ou fases do método indutivo, podemos constatar:

  1. a) que os fenômenos insólitos resultaram de uma observação sistemática, notadamente a partir das investigações de Allan Kardec;
  2. b) que há uma relação de constância entre eles, permitindo sua identificação e classificação;
  3. c) que é possível estabelecer uma generalização desta relação, com a teorização de sua causa.

A presença constante de um ser humano na manifestação de fenômenos insólitos permite a inferência de que ele, quando não for o agente do fenômeno, é o meio  pelo qual o AT pode atuar sobre o mundo físico.

O somatório de casos que sugerem a ação do AT em determinados fenômenos insólitos poderá permitir, em dado momento, a sua generalização, apontando um ST ou um SHT como causa dos mesmos.

O método qualitativo é o que melhor se presta para a investigação transcendentológica, mesmo que diga respeito, não apenas aos casos espontâneos, como também às experiências controladas.

A pesquisa dos casos espontâneos se alicerça na confiabilidade do testemunho das pessoas que presenciaram os fenômenos e de sua manifesta isenção em relação aos mesmos, assim como na coerência e consistência dos relatos com os respectivos fatos. Apesar da riqueza e diversidade das subjetividades, há sempre pontos comuns nas observações individuais e estes constituem o aspecto objetivo dos testemunhos.

Os instrumentos tecnológicos, utilizados para subsidiar nossas observações e até para corrigi-las, não podem substituir o testemunho humano. Eles são meros auxiliares e, não, juízes. Afinal, somos os senhores das máquinas e não o contrário.

Não há como repetir-se fenômenos insólitos com um SHT específico. É o conjunto de manifestações dos SHTs que demonstra a sua constância e consistência significativas. Cada manifestação do SHT é um fenômeno singular, autônomo, irrepetível.

A repetibilidade objetiva da metodologia científica é substituída, na investigação transcendentológica, pela repetibilidade subjetiva das experiências transcendentais coincidentes. A interpretação da nova teoria quântica, segundo a escola de Copenhague, derrubou a concepção clássica da objetividade, mediante a qual o mundo possuía um estado de existência bem definido e independente da nossa observação.

Aliás, Allan Kardec havia advertido que os Espíritos só se comunicam quando querem ou podem e que nenhum médium tem o poder de forçá-los a se apresentarem. E asseverou que é ilógico supor-se que eles venham a exibir-se e submeter-se a investigações como objetos de curiosidade.

Embora o SHT não seja controlável, é possível estabelecer condições em que ele possa ser melhor observado. Afinal, estamos lidando com seres inteligentes que podem não concordar em se submeter aos critérios da nossa investigação. Assim, ainda que não possamos repetir, controlar e prever as manifestações de um SHT, o seu FS, em alguns casos, é passível de comprovação empírica.

O método comparativo visa a coleta do maior número possível de fenômenos insólitos, ocorridos na presença de místicos, santos, médiuns, xamãs e gurus, nas mais diversas culturas, seja no passado ou no presente, com o propósito de observar as suas características comuns, as suas formas coincidentes de manifestação, visando a elaboração de padrões epistemológicos coerentes e significativos.

O método histórico consiste no estudo e revisão dos casos espontâneos e nas pesquisas realizadas, no passado, por cientistas de reconhecida competência em investigação psíquica, o que poderá fornecer novos e valiosos subsídios para a avaliação da natureza dos fenômenos insólitos observados, definindo-os, em cada caso específico, como paranormais ou transcendentais.

Devemos aplicar o princípio da navalha de Ockam na pesquisa transcendentológica e estabelecer que a explicação parapsicológica deve prevalecer sobre a transcendental. Ou seja: um fenômeno só deve ser declarado transcendental, quando não for explicado, razoavelmente, pela Parapsicologia. Todavia, a hipótese, conhecida por Super-Psi, que atribui poderes praticamente ilimitados ao inconsciente, não pode prevalecer sobre a transcendental, porque, além de sua natureza metafísica, ela jamais será empiricamente comprovada.

A investigação transcendentológica começa onde termina a investigação parapsicológica

A Transcendentologia, embora se alicerce em observações sistematizadas, não se propõe a provar cientificamente suas hipóteses. Gregory  Bateson advertiu que a ciência, às vezes, aperfeiçoa hipóteses, outras vezes as refuta, mas a prova talvez nunca ocorra, exceto no caminho da tautologia, totalmente abstrata. E salientou que a epistemologia é sempre e inevitavelmente pessoal e que o ponto de investigação está sempre no coração do explorador.

Tanto na experimentação parapsicológica como na investigação transcendental, a participação do pesquisador é de fundamental importância no resultado da pesquisa, pois a observação de seu objeto é influenciada pelas expectativas do experimentador. Gustavo Geley já havia assinalado que as experiências mediúnicas são do tipo das “experiências coletivas”, porque os seus fenômenos resultam da colaboração psicofisiológica inconsciente do médium e dos experimentadores.

Na Física atômica, o observador não está separado do objeto da pesquisa, mas envolvido com ele, o que levou John Wheeler a asseverar que este envolvimento é a característica mais importante da teoria quântica e, por isso, propôs a mudança da palavra observador para participante.

Se a investigação de um SHT se reveste de tanta complexidade, mais difícil ainda é a pesquisa com outros tipos de ST referidos pelas diversas religiões. Como não possuem FS, visto não terem passado pela experiência biológica, a comprovação de sua realidade se torna extremamente difícil e meramente especulativa. Apesar, no entanto, de seu subjetivismo, não podemos desprezar o testemunho de santos, místicos, gurus, médiuns,  xamãs e até de pessoas comuns, relatando suas relações com aqueles seres.

 

A pesquisa transcendentológica

 

Há duas vertentes da pesquisa transcendentológica:

  1. a identificação do STH, com base no seu FS;
  2. o estudo comparativo das informações dos mais diversos STs sobre o universo onde habitam.

A investigação do SHT consiste na procura de  padrões fenomenológicos, na manifestação do seu FS, capazes de favorecer as condições de sua observação e compreensão, permitindo aumentar o grau de confiabilidade de sua identificação.

São indicativos da manifestação do FS de um SHT:

  1. a) a demonstração inequívoca de suas aptidões e habilidades, cacoetes e modos de expressão de quando ele era um ser humano;
  2. b) a comprovação da veracidade das informações a respeito da pessoa que ele foi e de que nenhuma outra poderia, razoavelmente, ter conhecimento.

A pesquisa transcendentológica será direcionada:

  1. para os fenômenos que sugerem a intervenção de um ST;
  2. para os fenômenos que sugerem a presença de um FS vinculado a um SHT;
  3. para os fenômenos que sugerem a continuidade da consciência, após a constatação da morte clinica, nas pessoas que passaram pela experiência da quase morte ou EQM;
  4. para os fenômenos cognitivos que não podem ser explicados pela telepatia ou pela clarividência;
  5. para os fenômenos que sugerem lembranças de vidas anteriores.

Os fenômenos que sugerem a intervenção de um ST são aqueles em que não há constatação de um FS ou que o AT se identifique como não sendo um SHT.

A pesquisa transcendentológica do SHT não se centrará diretamente sobre ele, mas sobre o seu FS e adotará os seguintes procedimentos:

  1. a) estudo de casos espontâneos, relatados por pessoas que presenciaram o fenômeno transcendental;
  2. b) estudo e reavaliação de casos espontâneos investigados por pesquisadores competentes;
  3. c) reavaliação crítica das experiências, realizadas por pesquisadores qualificados, com pessoas dotadas de aptidões paranormais;
  4. realização de experiências com pessoas e/ou instrumentos que permitam observar fenômenos suscetíveis de serem interpretados como evidência do FS.

Há dois tipos de fenômenos que sugerem diretamente a intervenção de um SHT em nosso universo físico:

  1. a personificação subjetiva;
  2. a personificação objetiva ou materialização.

Criamos o termo personificação subjetiva para designar o processo dissociativo, mediante o qual o AP, personificando uma pessoa falecida ou desconhecida, apresenta fenômenos paranormais. Assim, não se deve confundir personificação subjetiva com personalidade secundária ou alternativa, porque, neste caso, o processo dissociativo é resultante de problemas psicológicos.

Em se tratando de personificação subjetiva, a manifestação de um possível SHT deve obedecer aos seguintes requisitos:

  1. que a sua personalidade, quando viva, não fosse conhecida do médium e das pessoas presentes;
  2. que as informações fornecidas pelo possível FS sobre sua personalidade falecida, suas peculiaridades físicas e outros detalhes de sua existência possam ser devidamente averiguados.

Há casos em que o médium, no processo personificativo, apresenta os mesmos sintomas da doença que sofria a pessoa falecida e que ele não conhecia. Não importa que um dos presentes conhecesse o falecido e a sua enfermidade, pois é altamente improvável que alguém, por telepatia, transmita ao médium os sofrimentos de outrem.

Aksakof, em relação a estes casos, estabeleceu o seguinte postulado: toda a individualidade transcendente que se manifesta de novo na esfera da existência terrestre fica submetida, enquanto dura esta manifestação, às mesmas condições nas quais se achava no fim de sua existência física.

Se a personificação subjetiva ocorrer mediante psicografia e o pretenso SHT reproduzir a caligrafia e a assinatura de pessoa falecida, é mister que a mensagem mediúnica seja submetida à investigação grafoscópica para a identificação do FS. Uma vez constatada a autenticidade do grafismo, poderão ser observados os seguintes níveis de identificação do SHT:

  1. o médium conhecia a pessoa falecida, a sua caligrafia e assinatura, mas não as informações contidas na mensagem;
  2. o médium conhecia a pessoa falecida, mas não conhecia a sua caligrafia, sua assinatura e as informações contidas na mensagem;
  3. o médium não conhecia a pessoa falecida, mas um dos presentes a conhecia, assim como sua caligrafia, assinatura e as informações contidas na mensagem;
  4. o médium não conhecia a pessoa falecida, mas um dos presentes a conhecia, como também sua caligrafia e assinatura, mas não as informações contidas na mensagem;
  5. o médium não conhecia a pessoa falecida, mas um dos presentes a conhecia, mas não sua caligrafia e assinatura, embora conhecesse as informações contidas na mensagem;
  6. o médium não conhecia a pessoa falecida, mas um dos presentes a conhecia, mas não sua caligrafia e assinatura, assim como as informações contidas na mensagem;
  7. nem o médium e nenhum dos presentes conhecia a pessoa falecida, mas a caligrafia, a assinatura e as informações contidas na mensagem foram, posteriormente, comprovadas.

Quanto mais complexo se torna o nível de dificuldade desta gradação identificativa, maior é a possibilidade de que se trata de uma autêntica manifestação do SHT.

Se a personificação subjetiva ocorrer por meio de voz direta, poderão ser observados os seguintes níveis de identificação do SHT:

  1. a voz é de pessoa falecida, conhecida do médium e de uma das pessoas presentes, transmitindo informações que somente esta conhece;
  2. a voz é de pessoa falecida, não conhecida do médium, mas conhecida por uma das pessoas presentes, transmitindo informações que esta conhece;
  3. a voz é de pessoa falecida, não conhecida do médium, mas conhecida de uma das pessoas presentes, transmitindo informações que esta não conhece e que são, depois, verificadas como verdadeiras;
  4. a voz é de pessoa falecida, conhecida de uma das pessoas presentes, falando em idioma que só ambas conhecem, fornecendo informações que identificam, sem sombra de dúvida, o SHT.

Na memória extracerebral, modalidade especial de personificação subjetiva, o FS se manifesta na pessoa que recorda e vivencia uma vida anterior. Ela se apresenta sob duas modalidades:

  1. espontânea;
  2. b) induzida

Na memória extracerebral espontânea, que ocorre, geralmente, em crianças nascidas, no mínimo, dez meses depois do falecimento da pessoa que ela personifica, são analisados não só as peculiaridades psicológicas, mas sinais particulares, como cicatrizes, assim como o modo de se relacionar com seus parentes e familiares de sua vida anterior e a autenticidade de suas recordações.

As pesquisas realizadas principalmente pelo Dr. Ian Stenvenson fornecem excelente material para investigação transcendentológica do fenômeno. Stevenson está convencido de que alguns dos casos que ele pesquisou fazem muito mais do que sugerir a reencarnação: parecem fornecer uma considerável evidência da mesma. E afirma que a mais promissora evidência relacionada com a reencarnação parece provir de casos espontâneos, especialmente em crianças.

No Brasil, Hernani Guimarães Andrade, o nosso mais qualificado pesquisador do assunto, investigou oito casos sugestivos de reencarnação.

Na memória extracerebral induzida, utilizam-se os mesmos critérios da personificação subjetiva em geral, podendo ser estudadas e reavaliadas as experiências feitas por pesquisadores experientes, entre eles a Dra. Helen Wambach.

Raymond A. Moody Jr. conta que, em experiência de regressão, sob a orientação de Diana Denholm, vivenciou nove vidas passadas.

Os indícios mais sugestivos de reencarnação são os seguintes:

  1. a) recordações espontâneas ou obtidas por terapias regressivas vidas anteriores, confirmados pelas pessoas que conheceram a pessoa falecida personificada ou comprovação histórica dos fatos relatados, desde que constatada a impossibilidade de o recordante conhecê-los;
  2. b) convincente identificação do recordante com a pessoa falecida personificada na manifestação das características de sua personalidade;
  3. c) sinais de nascença na mesma região anatômica, coincidentes com os que existiam no corpo da pessoa que o recordante diz ter sido em vida anterior;
  4. d) capacidade de falar e/ou escrever fluentemente em idioma que não conhece (xenoglossia);
  5. e) demonstração de habilidades especiais não aprendidas;
  6. f) fobias não explicáveis pela vida atual.

A personificação subjetiva pode ainda ocorrer por xenoglossia, quando o médium fala ou escreve, em idioma que desconhece, personificando uma personalidade falecida que ele não conheceu, mas que é identificada por uma das pessoas presentes. O fenômeno se reveste de maior complexidade, quando esta pessoa não conhece a informação transmitida e sua autenticidade é, depois, comprovada.

Para contraditar a hipótese transcendentalista, teríamos de admitir que todos os médiuns possuem uma extraordinária habilidade teatral de imitar, com convincente realismo, pessoas falecidas que eles não conheceram, quando vivas, recolhendo da mente de outras pessoas, por telepatia, o material mnemônico para esta dramatização. Por isso, Alan Gauld asseverou que existe um abismo entre acumular conhecimento factual sobre um falecido e desenvolver a habilidade de fazer imitação realista dele.

Uma característica interessante da pessoa que passa por uma experiência de personalidade múltipla é que cada uma delas apresenta um padrão de onda cerebral diferente, quando se sabe que, normalmente, este padrão não se altera mesmo em estado de emoção extrema. Também variam o fluxo sangüíneo, o tônus muscular, o ritmo cardíaco. E cada uma destas personalidades apresenta reações diferentes às medicações, e as doenças de umas não aparecem nas outras.

A aparição de pessoa morta pode resultar de uma ação telepática alucinatória de um SHT sobre a mente de uma pessoa. Para isso, porém, é necessário que a informação dada pela aparição só possa razoavelmente se atribuída a pessoa falecida que ela simboliza.

Em se tratando de personificação objetiva (expressão que criamos para substituir o vocábulo materialização), a comprovação da manifestação do SHT exige um rigoroso controle, por parte dos pesquisadores, a fim de que sejam razoavelmente afastadas as possibilidades de fraude.

A autenticidade da personificação pode ser constatada, não apenas pelo controle total das condições experimentais, mas também:

  1. pelo exame físico da personificação, realizada, no mínimo, por um dos pesquisadores;
  2. pela observação direta do processo de materialização ou de desmaterialização da personificação à frente dos pesquisadores ou de um pesquisador qualificado;
  3. pela fotografia da personificação no momento de sua apresentação;
  4. pela materialização simultânea de mais de uma personificação;
  5. por provas materiais que a personificação possa deixar de sua presença, como, por exemplo, bilhetes escritos por ela durante a sua apresentação.

Algumas dessas condições foram observadas em raríssimas ocasiões. Paul Gibier assistiu a um processo de materialização que ocorreu em sua frente. William Crookes foi fotografado ao lado da personificação “Katie King” e, em outra oportunidade, viu, ao mesmo tempo, esta personificação e a médium Florence Cook. E, finalmente, numa sessão com Eusápia Paladino, algumas personificações foram vistas ao mesmo tempo por César Lombroso e Enrico Morseli, entre outros.

A personificação desconhecida do médium e de todos os presentes, sem a constatação do seu FS, não pode ser identificada como um SHT.

A personificação conhecida do médium e/ou de alguma das pessoas presentes deve ser identificada, não apenas pela sua aparência, mas, principalmente, pelo seu FS, seja por meio da fala, seja por outros meios convincentes. Esta evidência será melhor ainda, se ela deixar provas físicas de sua identidade, como mensagem escrita na presença dos pesquisadores ou moldes de suas mãos em parafina.

Aksakof, com razão, entende que a semelhança da personificação com a pessoa falecida não é prova suficiente de sua identidade: é necessário o conteúdo intelectual, ou seja,  as informações que possa ela fornecer a respeito de si mesma e capaz de identificá-la sem sombra de dúvida.

A comunicação personificada de um SHT pode também ocorrer por um processo denominado de transcomunicação instrumental, ou TCI. Trata-se de um fenômeno que vem despertando um vivo interesse na pesquisa do transcendental, pois se observou que, em alguns casos, o SHT dispensa o concurso do médium para entrar em contato com o universo físico. A identificação do SHT, por este processo, se torna mais convincente quando ocorre um diálogo entre ele e determinada pessoa ou um pesquisador.

A credibilidade dos pesquisadores e a análise crítica de cada caso fornecem subsídios valiosos para uma maior e mais profunda compreensão deste canal de comunicação entre os seres de realidades diferentes.

Como indício indireto da permanência de um FS, na transformação do SHT num novo ser biológico, podem ser mencionados os casos de xenoglossia não personificativa e de aptidões artísticas extremamente precoces.

Os fenômenos de metafanismo, principalmente de pessoas, sugerem, fortemente, a intervenção de um AT, ficando sob discussão se se trata de um SHT ou de outro ST. O mesmo pode-se dizer da levitação.

As EQMs, em alguns casos, podem fornecer indícios significativos da RT, assim como de SHTs que lá se encontram. E as experiências fora do corpo ou EFC, principalmente em sua forma voluntária, sugerem a independência da mente em relação ao corpo físico e de possíveis viagens a regiões do universo transcendental.

Raymond A. Mood Jr. foi quem primeiro elaborou um modelo para a EQM, o qual vem sendo confirmado, em suas linhas gerais, por outros pesquisadores. Os elementos coincidentes da experiência fornecem rico material para uma abordagem especulativa sobre um determinado aspecto da RT, ou seja, aquele que se refere ao primeiro contato do ser humano com aquele outro nível da realidade, as suas sensações e percepções, principalmente o sentimento de unidade de todas as coisas.

Embora quase todos os que passaram pela EQM tivessem experiências celestiais, alguns poucos relataram experiências que classificaram de infernais.

Como o mundo material é, para nós, de conformidade com os nossos condicionamentos orgânicos e culturais, é possível que o mundo transcendental seja segundo as características mentais de cada pessoa. Ou seja: a RT já existe, previamente, em cada um de nós e a morte física é apenas a focalização definitiva da nossa consciência naquele universo. Isto nos leva a cogitar de que pessoas de estruturas psíquicas semelhantes percebem a RT de modo semelhante. É uma realidade objetivada por percepções individuais semelhantes, tal como ocorre com a objetividade da nossa realidade física.

No Brasil, Waldo Vieira criou a Projeciologia com o objetivo de investigar as EFCs e ensinar as técnicas facilitadoras desta experiência.

As interações entre a realidade física e a transcendental

 

Admitida a existência da RT, temos de discutir como uma realidade não-física pode interagir com a realidade física, já que ambas possuem  propriedades tão diferentes.

A discussão suscita o problema da relação mente-cérebro. Se a mente não é um epifenômeno do cérebro, mas uma estrutura não-física, temos de convir que a mente é a constatação da existência de uma realidade não-física.

  1. B. S. Haldane argumentou que, se as nossas opiniões são resultados dos processos químicos do cérebro, elas são determinadas pelas leis da química e não da lógica. Talvez um intransigente reducionista pudesse contra-argumentar, afirmando que os processos lógicos também resultam das atividades bioquímicas do cérebro.

Para Wilder Penfield, o mais alto mecanismo cerebral não passa de um mensageiro entre a mente e outros mecanismos cerebrais. E exclama que é um grande emoção descobrir que o cientista também pode, legitimamente, acreditar na existência do espírito.

Alguns cientistas já admitem que a mente não tem localização no espaço e no tempo, é não-física e, por isso, seu efeito não diminui com a distância, não está confinada ao cérebro, nem é produto dele, embora atue por seu intermédio.

A mente não é um epifenômeno do cérebro. Humberto Maturana e Francisco Varela, em acordo com o pensamento de Gregory Bateson, admitiam uma identificação entre o processo do conhecer e o processo da vida. Segundo Maturana e Varela, o cérebro não é necessário para que a mente exista. A bactéria e a planta não têm cérebro, mas possuem mente. A mente é um processo de cognição e o cérebro, uma estrutura específica onde este processo opera, embora o cérebro não seja a única estrutura onde a mente atua.

Steven Weinberg reconheceu a impossibilidade de trazer a consciência para o âmbito da física e da química.

A mente é o modelo organizacional da matéria. Ela não é o resultado da complexificação do cérebro, mas o cérebro é a estrutura onde a mente melhor se expressa.

Não sabemos como a mente age sobre o organismo e, ainda muito menos, sobre o mundo exterior, como acontece nos fenômenos de psi-kapa, e, por isso, apenas conjeturamos como um ser não-físico pode agir sobre o universo físico. Podemos postular que a relação matéria e mente seja a mesma entre matéria e energia. Matéria não seria apenas energia, mas também mente congelada. Ou será que, na verdade, mente, energia e matéria formam uma trindade, interagindo entre si em conversões recíprocas?

David Bohm, entrevistado por Renée Weber, admitiu que talvez a consciência seja uma forma mais rarefeita de matéria e movimento, um aspecto mais sutil do holomovimento. Isto posto, é admissível que um SHT possa influenciar, telepaticamente, a mente de um médium, induzindo-a a agir sobre o seu próprio organismo ou sobre o mundo exterior, exercer uma ação sobre o universo físico, utilizando a energia orgânica do médium, ou, ainda, agir diretamente sobre a matéria.

  1. B. Rhine admitiu que a telepatia e a psicocinesia constituem o meio de comunicação entre os seres da realidade física e da RT.

Na concepção religiosa, a comunicação entre os dois mundo se processa através dos estados alterados de consciência, ou de maneira mais ostensiva, nos fenômenos de “incorporação” ou de “possessão”. Não há, na verdade, uma “incorporação” ou mesmo “possessão”, pois não se trata de ocupação de um corpo, mas de uma conexão com o mesmo. A mente não pode ocupar o corpo, pois o que é não-físico não pode ocupar um lugar no espaço, no caso, o organismo. Não sabemos, ainda,  como a mente se interconecta com o corpo e, por isso, também ignoramos como outra mente pode fazê-lo, estabelecendo duas conexões simultâneas.

Podemos teorizar que, quanto menor se torna esta conexão, mais a mente se “afasta” do corpo e tem menos ação sobre ele e, conseqüentemente, sofre menos a sua influência. Neste estado, a pessoa perceberia, superpostamente, a realidade física e a realidade espiritual como se fosse uma só, observando, ao mesmo tempo, seres humanos e SHTs. No extremo deste “afastamento”, ela não mais perceberia a realidade física, mas apenas a transcendental e, assim, em algumas situações, teria a impressão de que morreu.

A clarividência evidencia que o PA pode conhecer, diretamente, um fato do mundo físico, sem a utilização dos sentidos. Ora, por que não poderia o SHT também conhecer, diretamente, acontecimentos do mundo físico, se este ato cognitivo não depende da percepção sensorial?

As aparições de mortos não constituem uma evidência de que o SHT pode transitar em nosso universo físico.

Se à luz da Parapsicologia a aparição é uma representação simbólica de uma interação telepática alucinatória entre duas pessoas vivas, podemos argumentar que, sob a ótica da Transcendentologia, o fantasma pode ser:

  1. a resultante alucinatória de uma interação telepática entre o SHT e uma pessoa física;
  2. a percepção transcendental de um SHT, dando a impressão ao percebedor de que ele se encontra em determinado lugar do nosso universo físico.

O SHT não se encontra fisicamente em nosso mundo. Ou nós o percebemos, por um processo de alucinação visual telepática, como se estivesse em algum lugar do espaço, ou o observamos em seu universo não-físico, mediante uma possível percepção transcendental.

Na prática, há uma extrema dificuldade de se distinguir se é a mente de uma pessoa que, a nível inconsciente, está produzindo fenômenos psi, ou se é o seu inconsciente que está sendo manipulado por um SHT.

Parece evidente que a mente, quando ainda está vinculada ao universo físico, sofre a influência e está submetida às suas leis. Ora, se não sabemos o que é mente, na sua interação com organismo biológico, também ignoramos o que ela seja, uma vez desligada definitivamente do universo físico e em seu habitat natural.  Portanto, não podemos avaliar a capacidade do desempenho do SHT nas suas relações com o universo material.

Porque vivemos num universo material, temos a propensão de tentar explicar todos os fenômenos psíquicos à luz das leis da Física ou como alterações bioquímicas do cérebro.

Podemos, metaforicamente, falar num espaço da consciência, mas não da consciência ocupando um lugar no espaço. Podemos observar indiretamente a ação psíquica por seus efeitos sobre os organismos e a matéria em geral, como também mensurá-los. Na verdade, tratamos a consciência como se fosse algo físico para torná-la inteligível no universo sensorial, embora saibamos que se trata apenas de um recurso analógico, de uma estratégia pedagógica, de um expediente simbólico. E, por isso, falamos em peso da consciência, em consciência leve ou pesada. Afinal, qual é a forma, a cor, o aroma, a contextura da consciência? O poeta poderá melhor compreendê-la com as suas metáforas do que o cientista com os seus instrumentos de medição. Aliás, também os cientistas se dão ao luxo de usar metáforas, quando definem  cor e sabor nos quarks. A rigor, qual a “materialidade” das partículas atômicas, fundamento da materialidade das coisas físicas?

Umas das questões fundamentais da Transcendentologia é a aptidão do SHT de agir sobre o universo físico. Por isso, poderemos questionar se o SHT:

  1. mantém as mesmas aptidões de agir sobre o mundo físico como o fazia quando era um ser humano;
  2. mantém estas aptidões, porém reduzidas e dependentes das condições mediúnicas de uma pessoa viva;
  3. apresenta aptidões maiores de agir sobre o mundo físico do que qualquer ser humano.

Não sabemos se um SHT tem um poder maior, menor ou igual ao que um ser humano possui de agir sobre o universo físico. Se, em determinadas circunstâncias, o SHT parece ter sua ação sobre o mundo físico submetida às condições mediúnicas de uma pessoa, em outras, demonstra um conhecimento superior e uma capacidade de ação que ultrapassam a de qualquer ser humano. Na verdade, os fenômenos transcendentais sugerem que o AT age sobre o nosso universo, utilizando-se de recursos e conhecimentos que nós desconhecemos. O que não sabemos é se o AT é um ST ou um SHT.

Ora, não sendo SHT uma mera continuidade do homem falecido, deve possuir características e aptidões próprias para interagir com o universo material. Logo, a assertiva de Bozzano de que o que faz um vivo deve fazer também  um morto é questionável.

Infelizmente, até agora, as perguntas dirigidas a pretensos SHTs sobre estas questões não foram satisfatoriamente respondidas. Geralmente, eles explicam que apenas querem que certas coisas aconteçam e elas acontecem segundo o seu querer. O que eles não sabem é como isso funciona, o que não é de espantar, pois também não sabemos como certas coisas funcionam no nosso universo.

A Metafísica da Transcendentologia

 

A Transcendentologia não estuda apenas a fenomenologia da realidade, mas enfrenta questões ontológicas, cujo foco central é a relação entre o indivíduo e o Todo.

Na sua abordagem fenomenológica da realidade, a Transcendentologia defende o princípio da conservação do ser na multiplicidade infinita e transitória de suas individualizações. O princípio da conservação do ser, porém, não consiste na sua imutabilidade, mas na dinâmica do seu talvez eterno transformismo.

Como não chegamos, ainda, ao elemento fundamental da matéria, por certo, também, não chegaremos ao elemento fundamental do espírito. Por isso, não podemos detectar materialmente o espírito, nem encontrar o elemento último da matéria, pois não sabemos  se existe um ponto crítico, onde um deles termina e o outro começa.

Corpo e espírito são aspectos complementares do ser o qual, por sua vez, não é uma entidade, mas um processo em contínua transformação. O corpo é o aspecto externo e operacional do ser e varia de materialidade segundo o universo em que se encontre. O espírito é o aspecto interno e informacional do ser, variando seus conteúdos informacionais segundo as suas necessidades no universo onde ele esteja.

O universo transcendental é a potencialidade infinita, enquanto o universo físico é a atualização de uma parcela daquela potencialidade. O fato é a materialização do possível. Por isso, nem tudo o que é potencialidade se converte em atualidade. Assim, é possível que existam STs que não se converteram em seres humanos e, talvez, jamais se convertam. E, apesar disto, podem, ocasionalmente, interagir com o universo físico por meios ainda obscuros para nós.

O que denominamos de nada é, na verdade, a infinita potencialidade de tudo. E tudo o que existe é apenas uma parcela realizada da potencialidade infinita. O vácuo é uma tensão, uma ausência de materialidade, mas não de realidade. É uma ausência de materialidade de onde se origina a matéria.

Tem-se especulado ainda que o universo é, fundamentalmente, um holograma e que, por isso, está presente em cada uma de suas talvez infinitas fragmentações. Se cada parte é a miniaturização do Todo, então, a rigor, não há aprendizado, nem troca de informações, porque já sabemos de tudo o que passou, de tudo o que está passando em qualquer parte do universo e até de tudo o que acontecerá. Assim, temos de dar razão a Platão, quando declarou que saber é recordar. O que não sabemos é como podemos ter acesso a essa sabedoria universal.

Uma região da realidade, além do tempo e do espaço, sempre foi intuída  por místivos e filósofos, e, atualmente, por cientistas. Platão concebeu-a como o mundo das Idéias. David Bohm a denominou de ordem implícita ou implicada. E Rupert Sheldrake, de campos morfogenéticos. A RT se assemelha à região matriz da realidade fenomênica. O mundo real é o mundo das possibilidades infinitas. A essência do real é o possível. E o que chamamos de real é apenas uma parte do possível que fenomenologicamente se realizou. Aliás, conforme observou Heinz Pagels, a matéria é a exceção na moderna concepção do universo, onde quase tudo é vácuo. Não um vácuo como vazio, mas como plenitude, formado de pares de partículas e antipartículas espontaneamente criados e aniquilados. Podemos, assim, dizer que  o vazio está pleno de infinitas potencialidade pulsantes.

Afirma, ainda, Pagels que tudo o que pode ter existido ou virá a existir está potencialmente no nada do espaço, o que nos faz lembrar, de certo modo, a hipótese dos registros akashicos do ocultismo.

Werner Heisenberg advertiu que a física moderna se inclinou, definitivamente, em favor de Platão, porque as mínimas partes da matéria não são, de fato, objetos físicos no sentido ordinário da palavra, mas formas, estruturas ou, na acepção platônica, Idéias, que podem ser descritas, sem ambigüidade, em linguagem matemática.

James Jean declarou que a melhor maneira de descrever o universo, mesmo de forma imperfeita e inadequada, consiste em considerá-lo como um pensamento puro, um pensamento de quem, à falta de outro conceito mais abrangente, poderíamos descrever como um pensador matemático. Na verdade, o universo está começando a parecer mais um grande pensamento do que uma grande máquina.

Wolfgang Pauli postulava a existência, no cosmo, de uma ordem distinta do mundo das aparências e que escapa à nossa capacidade de escolha.

Arthur Eddington afirmou, enfaticamente, que toda realidade é de natureza espiritual e não material, e não é em parte material e em parte espiritual. E incisivamente asseverou que a exploração do mundo exterior com os métodos da ciência física não nos conduz a uma realidade concreta, mas a um mundo de sombras e símbolos, para além do qual aqueles métodos são incapazes de penetrar. Eddington concluiu que o mundo está composto de “matéria mental”.

Henri Margenau vai mais além e postula que a matéria nada mais é do que um constructo da mente.

A Transcendentologia reconhece que a RT é apenas uma designação genérica para tudo o que transcende a realidade física. Isto quer dizer que podem existir outros níveis do transcendental que são ininteligíveis à mente humana. A Transcendentologia lida, apenas, com aspectos do transcendental que nos afetam, ou seja, que interagem com o universo fenomenal. Por isso, ela deixa em aberto a questão ontológica do que leva o ser potencial a se fenomenalizar, ou seja, a se aprisionar no mundo da forma e na ilusão da individualidade.

Afirma-se que, embora mergulhado no mundo fenomenal, o ser extrapola a realidade física, conservando a sua contraparte não-física, espiritual. Assim, toda sabedoria que nos é necessária se origina da nossa contraparte, o daimon socrático, a nossa virtualidade ou espírito. Por isso, aquele que centra sua consciência exclusivamente no mundo material, ganha as coisas deste mundo, mas perde, não a sua alma, mas o contato com ela. Assim, a nossa “perdição” não é estar no mundo, mas estar separado da contraparte espiritual de nós mesmos.

O Deus que podemos conhecer é a nossa parte complementar. Ela é um sub-Deus e nela reside a nossa verdadeira semelhança a Deus.

A nossa experiência fenomenológica da realidade nos evidencia que nada sobrevive e tudo se transforma. Logo, não há sobrevivência, mas a continuidade transformada de tudo o que foi. O ser, como um processo, é anterior e posterior a todas as suas individualizações (corpos). Assim, o ser não nasce no corpo e nem sobrevive à morte do corpo.

Na natureza não há repetição, mas semelhança. Nenhuma coisa é igual a qualquer coisa e nem sequer é igual a si mesma como foi ou como será. Este equívoco decorre da confusão entre o igual e o semelhante. Nada é igual . Tudo o que existe é semelhante ou diferente. Por isto nada se repete e, se nada se repete, tudo é novo, por mais que pareça semelhante ao que já foi.

Na natureza tudo se cria por transformações sucessivas. Tudo é permanentemente novo. Logo, nada é continuidade de qualquer coisa.

Nada sobrevive como estado, pois tudo é um processo de sucessão de estados. O que somos hoje não é o que sobrevivemos de ontem, mas a sua transformação. O que seremos amanhã não é o que sobreviveu do nosso eu de hoje.

Não sobrevivemos como somos, mas como outro, assim como somos outro em relação ao que já fomos. Ser outro é o nosso futuro.

A angústia existencial do homem é querer perpetuar o que ele é. Assim, acredita na sobrevivência do que ele é.

Tememos a morte, porque queremos perpetuar o que é transitório. Mas a morte é a própria transformação. Estamos morrendo a cada instante, porque estamos em transformação a cada instante. É a crença na continuidade de um eu transitório que ocasiona todas as crenças fantásticas sobre o Além.

Se estamos sempre mudando, por que queremos que algo de nós continue imortal?

Imortal só o processo. É nesta condição que somos imortais. O que chamamos de espírito não é o indivíduo sobrevivente, mas o processo informacional do ser, evoluindo de acordo com o seu processo transformista. Porque o ser não é entidade, mas processo, e o que chamamos indivíduo é um momento transitório do processo.

O ser é um processo e um processo não tem núcleo: é um vazio dinâmico, mas, por isso, paradoxalmente, sempre pleno. Estamos vivos e mortos simultaneamente. Vivos na condição de processo e referenciados a um momento punctual deste processo e mortos para tudo anterior a este momento punctual.

O corpo é a consciência do ser no nível da realidade onde ele se encontra. Sem corpo, não há consciência, pois o corpo é o ponto referencial do processo. Por isso, dizia, elegantemente, Merlau-Ponti que o corpo é o nosso ancoradouro no mundo, o nosso meio geral de ter um mundo. O corpo é o poder geral de habitar todos os lugares do mundo. Assim, diz ele, ser é sinônimo de estar situado.

O corpo físico é que nos dá consciência no mundo físico. Assim, o ST também tem seu corpo, que é o veículo pelo qual ele percebe o mundo transcendental, o qual é, para ele, a sua realidade. É, então, de se indagar se o ST pode também perceber o nosso mundo físico, ou se somente o percebe quando interage psiquicamente com um ser humano.

O que chamamos de identidade é o processo das  nossas semelhanças se sucedendo no tempo. Assim, à medida que nos afastamos de um determinado ponto do nosso fluir, observamos que somos cada vez menos semelhantes ao que fomos naquele momento do tempo.

Esquecemos muito do que fomos e sobrevivemos do pouco que lembramos. E assim mesmo o que lembramos é, na maioria das vezes, uma reinterpretação do que lembramos.

Por mais que nos lembremos do que fomos, não somos mais o que fomos. Podemos tentar preservar o que fomos, porque pensamos que o ser é a sua história.       A individualidade não passa de um agregado dinâmico e transitório de átomos, células, lembranças, sentimentos, resultando na ilusão de uma entidade autônoma a que chamamos de eu.

O que importa, pois, sabermos o que fomos em vidas pretéritas, se as pessoas que lembramos ter sido não é a pessoa que somos no momento atual?!

Do mesmo modo, de que serve tentar preservar o que hoje somos, se amanhã seremos outro?!

Sob o enfoque ontológico, o ser, na sua essência é o Todo, imortal, infinito, ilimitado, e os seres individuais são ou seus aspectos individuais e também eternos ou apenas suas manifestações transitórias. Nesta hipótese, o ser individual pode durar séculos, até mesmo milênios, retornar várias vezes a existência física (reencarnação) e, um dia, finalmente, morrer.

Trata-se de uma questão insolúvel que a Transcendentologia mantém em aberto, estimulando, porém, a discussão das mais diversas concepções metafísicas, embora se saiba que nenhuma delas alcançará o nível último da Realidade.

 

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