Ronaldo Dantas Lins
- CONSIDERAÇÕES GERAIS
Na incapacidade de lidar diretamente com a realidade, a ciência utiliza-se de modelos, buscando, assim, um melhor entendimento dos fenômenos da natureza. Dados dois ou mais modelos para explicar determinado fato, deve-se adotar aquele que seja mais eficaz, claro, simples, que necessite de uma menor quantidade de afirmações apriorísticas e cujo campo de ação possa abranger razoavelmente o mesmo domínio do outro.
Nas sessões práticas dos Centros afro-brasileiros, de espiritismo, e nos cultos pentecostais e neopentecostais, bem como nas missas da renovação carismática, uma série de ocorrências são explicadas por seus participantes através de modelos, que constituem os corpos de suas doutrinas. Tomam sem comprovação um conjunto de afirmações, tais como:
- a) No espiritismo – a sobrevivência, após a morte do ser humano, de um constructo extracorpóreo (o Espírito), que pode retornar a este mundo em outro corpo humano (reencarnação) e se comunicar conosco, do além, através de determinados indivíduos, que teriam a capacidade de servir de intercâmbio entre os homens e o suposto mundo espiritual ( os médiuns). A este constructo são adicionadas, a priori, qualidades outras, tais como: a imortalidade e um corpo designado de perispírito, constituído de uma substância, cuja consistência se situa entre a matéria e o próprio Espírito. Esse novo corpo seria o elo de ligação, que permitiria a ”comunicação” entre mortos e vivos.
- b) Nas religiões afro-brasileiras – Admite a sobrevivência pós-morte do homem, que pode se comunicar com os vivos sob diversas personalidades (mestres, entidades africanas, caboclos ou ciganos). Outras entidades extrafísicas seriam os orixás (deuses, heróis africanos antigos, espíritos desencarnados ou apenas a tradução dos santos católicos).
- c) No pentecostalismo e neopentecostalismo (variedades do protestantismo) – Admite a sobrevivência do homem após a morte, a ressurreição (retorno à vida no mesmo corpo físico), nega a reencarnação (retorno à vida em outro corpo físico); julgamento de cada um no final dos tempos, podendo ser condenado ao inferno ou a viver feliz no céu; os mortos não se comunicam; o Espírito Santo (um dos três aspectos da divindade) pode se comunicar com os homens em idiomas desconhecidos do mesmo (xenoglossia); o diabo ou os demônios (entidades do mal) podem se apossar dos corpos de pessoas vivas e comandar seu comportamento, podendo ser expulsos em cultos apropriados, etc.
- d) na renovação carismática (variedade do catolicismo) – Admite a sobrevivência do homem após a morte, a ressurreição (retornar ao mesmo corpo após a morte), o juízo final, o céu, o inferno, não comunicação dos mortos com os vivos. Apresenta uma forma de expressão (missa) diferenciada do tradicional, com menos rigorismo e de natureza mais festiva e espontânea.
Como se nota, esses modelos se fundamentam em um conjunto de proposições não demonstradas, elementos desconhecidos, para a demonstração de fatos dos quais se procuram explicações. Tais fatos são constatados em larga escala nos indivíduos que se encontram hipnotizados ou deflagrando fenômenos paranormais, além de nos depararmos, nas sessões e cultos das referidas religiões, com elementos indutores da hipnose e que serão mencionados mais adiante. Todo este contexto nos permite supor que muitas das ocorrências destas sessões sejam resultantes do transe hipnótico ou de fenômenos paranormais.
- FUNDAMENTOS DA HIPNOSE.
A hipnose pode ser compreendida como um estado emocional intensificado, e como tal pode ser de caráter estabilizador, sendo induzida geralmente por uma atitude tranquilizadora por parte do hipnotizador, tendo uma reação predominantemente trofotropa, com predomínio do sistema nervoso simpático, e de caráter alterador, geralmente alcançado através de um proceder de natureza autoritária, vigorosa, enérgica por parte do indutor, tendo desta feita uma reação ergotropa, com predomínio do sistema nervoso parassimpático. Constitui, portanto, um fenômeno do cotidiano (Júnior, 1980).
Os elementos básicos para a sua consecução são:
1 – Características individuais: Capacidade que cada indivíduo possui de responder distintamente aos estímulos, bloqueando-os, favorecendo-os ou alterando-os. Confere a facilitação da produção de determinados fenômenos em detrimento de outros.
2 – Sugestionabilidade: Refere-se a maior ou menor propensão pelo hipnotizado de acatar as sugestões do hipnotizador.
3 – Regressão ao estado psicofisiológico da infância: Não se trata de regressão de idade, mas sim de um processo natural, pelo qual o hipnotizado passa a ter um funcionamento orgânico análogo àquele da infância, possibilitando o surgimento de confusão entre a realidade e a fantasia, analgesia (a criança possui baixa sensibilidade à dor), alucinação (Adler propõe a existência de um ”componente alucinatório da alma”, inibido pelo pensamento lógico, que é elemento básico da vida em sociedade). No indivíduo jovem, principalmente em crianças, ocorrem as imagens eidéticas, que são alucinações não patológicas, que consiste na reprodução de uma imagem percebida anteriormente, apresentando componentes objetivos, sem estímulo adequado perceptível. Esta capacidade tende a regredir na maioria dos adultos), catalepsia (observa-se no recém-nascido uma capacidade de permanecer por muito tempo em uma mesma posição), etc.
O mais importante para o êxito na indução hipnótica é o estabelecimento de uma relação adequada entre o hipnotizador e o hipnotizado, o denominado rapport. Dele depende todo o êxito ou malogro da relação hipnótica. É importante sabermos que na hipnose não há sono, em nenhum instante o hipnotizado perde a consciência do que lhe está acontecendo; não há um domínio do hipnotizador sobre o hipnotizado, só fazendo este, aquilo que não for de encontro aos seus programas básicos.
Sob o aspecto prático pode apresentar os seguintes grupos de fenômenos:
1 – Motores: aumento ou diminuição da força muscular, flacidez ou enrijecimento muscular, catalepsia, etc.
2 – Viscerais: parestesia, aquecimento ou esfriamento cutâneo, dermografismo, etc.
3 – Sensoriais: alucinações (para mais ”positiva”, para menos ”negativa” ou de transformação qualitativa) visuais, auditivas, olfativas, gustativas ou somatossensoriais.
4 – Desempenho de papel: personificação pela qual o hipnotizado se comporta como se houvesse regredido de idade (também pode ocorrer à progressão) ou mesmo assumir a personalidade de outra pessoa (fictícia, real, ou de pessoa falecida).
A sugestão hipnótica pode ser explícita ou implícita. Esta é muito mais interessante pela sua aparência de naturalidade e de não apresentar direcionamento comportamental perceptível, sendo facilmente encontrada em ambientes religioso
- FUNDAMENTOS DE PARAPSICOLOGIA (BORGES, 1992)
” Podemos denominar de paranormal ou psi a todo o fenômeno que, tendo o homem como seu provável epicentro, apresenta as seguintes características
- a) Uma modalidade de conhecimento que uma pessoa demonstra de fatos físicos e/ou psíquicos, relativos ao passado, presente ou futuro, sem a utilização (aparente) dos sentidos e da razão, assim como de habilidades que não resultem de prévio aprendizado
- b) Uma ação física que uma pessoa exerce sobre seres vivos e a matéria em geral, sem a utilização de qualquer extensão ou instrumento de natureza material. ” (Borges & Caruso, 1986)
A Parapsicologia é a ciência que estuda e pesquisa o fenômeno paranormal. Este pode ser de dois tipos
1) Psigama: Fenômenos paranormais subjetivos, de tomada de conhecimento, produzido de conformidade com o descrito no item a) referido acima. É o caso da telepatia (comunicação mente a mente) e da clarividência (a mente toma conhecimento de maneira direta de um fato físico, sem a intervenção de uma outra mente)
2) Psikapa: Fenômenos paranormais objetivos, de ação sobre os seres, produzido de conformidade com o descrito no item b) referido acima. É o caso da telecinesia (movimentação de objetos pela ação da mente).
O fenômeno psi apresenta a característica da independência do tempo, (percepção de eventos, psíquicos ou físicos, desviados das coordenadas temporais almejadas), podendo ocorrer as seguintes possibilidades:
- a) Precognição: Quando alcançamos eventos posteriores ao objeto alvo. Consiste em perceber eventos que ainda irão ocorrer
- b) Retrocognição: Quando alcançamos eventos anteriores ao objeto alvo. Consiste em perceber eventos que já ocorreram.
- c) Simulcognição: Quando o experimento alcança temporalmente o objeto alvo. Neste caso, ocorre à tomada de conhecimento por meio paranormal de um evento presente.
Os fenômenos paranormais podem se expressar de diversas formas apresentando, em cada caso, uma terminologia própria, como algumas descritas abaixo (destacamos apenas fenômenos de psigama)
1 – Psicografia – Conteúdo transmitido através da escrita.
2 – Psicofonia – Conteúdo transmitido através da fala.
3 – Psicopictografia – Conteúdo transmitido através da pintura.
4 – Psicomusicografia – Conteúdo transmitido através da música.
5 – Radiestesia ou rabdomancia – Conteúdo transmitido através do uso do pêndulo ou forquilha.
6 – Psicometria – Conteúdo transmitido através de imagens impregnadas no ambiente ou objetos.
7 – Aparição – Conteúdo transmitido através de imagens de formas humanas ou animais
Em relação ao conteúdo destacamos as seguintes modalidades:
- a) Xenoglossia – Conteúdo transmitido fluentemente, através de um ou mais idiomas desconhecidos do agente psi ou mesmo dos presentes, de teor compatível com a situação presente. É importante destacarmos o caso de pseudoxenoglossia em que o agente exterioriza fragmentos mnemônicos de textos, nos referidos idiomas, adquiridos no passado e guardados em seu nível inconsciente e os relatos de glossolalia, que consiste na criação, pela mente do agente, de idiomas fictícios, nunca existentes
- b) Memória extracerebral – Conteúdo transmitido através de relatos de vivências e elementos mnemônicos supostamente acontecidos com uma pessoa já falecida, e que o agente afirmar ter sido ele mesmo.
- c) Criatividade psi – Conteúdo transmitido através de produções artísticas cujo nível ultrapassa bastante a capacidade do agente.
- VISÃO GERAL SOBRE ALGUMAS RELIGIÕES NO BRASI L
No conjunto das religiões presentes no Brasil, iremos destacar algumas e/ou suas variedades mais significativas para nossa discussão, como as religiões afro-brasileiras, espiritismo, pentecostalismo (variedade do protestantismo) e a renovação carismática (variedade do catolicismo).
4.1 – Religiões afro-brasileiras
As religiões afro-brasileiras do Recife, segundo o antropólogo Roberto Mota, apresentam-se em quatro variedades principais (Motta, 1999):
4.1.1 -. Catimbó (ou Jurema) – Consiste no culto dos mestres (espíritos curadores de origem luso-brasileira, posteriormente acrescidos de entidades africanas), dos caboclos (curadores de origem indígena) e mais recentemente dos ciganos. Na segunda metade do século XX, conjuntos hagiológicos do Rio de Janeiro e de outras regiões foram acrescidos, como os exus (masculinos) e pombas-gira (femininos). O culto se processa através do canto, da dança e da possessão verbal. Há também a utilização ritual da fumaça de tabaco e a ingestão de uma bebida feita à base do vegetal jurema (Mimosa hostilis) e de aguardente de cana. O Catimbó-Jurema consiste num sistema de cura e de alívio. Cada ”entidade ” tem suas preferências de cor, bebidas, charutos, etc. Trata-se de uma religião infrassacrificial, ou seja, não adota o sacrifício de animais, e infraorganizacional (raramente seus grupos se articulam em congregações análogas aos terreiros, com hierarquias e códigos rígidos de direitos e deveres). Temos assim a figura do mago, isto é, um especialista no intercâmbio e controle de forças sobrenaturais, com finalidade terapêutica, de consolo ou de realização de desejos correlatos
4.1.2 – Xangô – Corresponde ao Candomblé da Bahia e consiste no culto dos orixás que são divindades iorubá, por alguns sincretizados com santos católicos. Os seguidores desta variedade não se preocupam com uma estruturação formal de sua religião, tanto que para alguns os orixás são deuses e para outros são heróis africanos antigos, espíritos desencarnados ou apenas a tradução (em língua nagô) dos santos católicos. Trata-se de uma religião sacrificial (adota o sacrifício de animais, o qual é retribuído com a proteção ou a concretização dos desejos dos fiéis) e organizacional (os terreiros se agrupam em estruturas maiores e os seus membros apresentam uma hierarquia, sendo os referidos terreiros comandados por pais e mães-de-santo, isto é, babalorixás e ialorixás), bem como, não apresenta compromisso com a moralidade, fundamentando-se em um pacto de permuta de favores entre o fiel e o orixá. Apresenta canto, dança e um transe extático que poderá apresentar esporadicamente exclamações em nagô
4.1.3 – Umbanda Branca – Consiste da aplicação nas diversas religiões afro-brasileiras dos elementos de natureza teológica do espiritismo europeu (Kardecismo). As entidades do Xangô e do Candomblé são interpretadas como entes desencarnados, apresentando-se em diversos graus de desenvolvimento, sendo passíveis de interagir com os encarnados e permutarem ensinamentos. Esta variedade apresenta uma valorização da palavra em detrimento da imagem, do ícone, tendo eliminado o sacrifício de animais, ou seja, é suprassacrificial e preserva os nomes das entidades do Xangô, Candomblé, Catimbó e cultos análogos. O termo Umbanda às vezes é compreendido como uma forma polida de Xangô ou mesmo designar o conjunto das religiões afro-brasileiras. O transe consiste em uma possessão verbal cujo conteúdo é uma mensagem de conforto ou ensinamento ou mesmo o estabelecimento de um simples diálogo. Em teoria a uma valorização do desenvolvimento individual em detrimento do carisma.
Diferenças rituais entre o candomblé (Bahia) e a umbanda, conforme Vagner Gonçalves da Silva, no Livro das Religiões, de Gaard, editado em 2000, pela Companhia Editora de artes, são destacadas a seguir:
”a) Panteão:
1 – Candomblé – predomínio de um número menor de categorias de entidades circunscritas aos deuses de origem africana (orixás, vodus, inquices), erês (espíritos infantis) e algumas vezes caboclos (espíritos ameríndios).
2 – Umbanda – predomínio de um número maior de categorias de entidades agrupadas por linhas de falanges (orixás, caboclos, pretos velhos, erês, exus, pombagiras, ciganos, marinheiros, Zé-pelintra, baianos, etc).
- b) Finalidades do culto às divindades:
1 – Candomblé – serem louvados através dos rituais privados e festas públicas nas quais os deuses incorporam nos adeptos, fortalecendo os vínculos que os unem e potencializando o axé (energia mítica) que protege e beneficia os membros do terreiro.
2 – Umbanda – desenvolvimento espiritual dos médiuns e das divindades (da escala mais baixa, representada pelos exus, a mais alta, representada pelos orixás que, quando incorporam nos adeptos, geralmente o fazem para trabalharem receitando passes e atendendo ao público).
- c) Concepção e finalidade do transe:
1 – Candomblé – declarado inconsciente e legitimamente aceito somente após a iniciação do fiel para um número reduzido de entidades.
2 – Umbanda – declarado semiconsciente e permitido para um número maior de entidades, na medida do desenvolvimento mediúnico do fiel.
- d) Iniciação:
1 – Candomblé – condição básica para o ingresso legítimo no culto. Segregação do fiel por um longo período, raspagem total da cabeça, sacrifício animal e oferendas rituais. Grande número de preceitos.
2 – Umbanda – existe, mas não como condição básica para o pertencimento ao culto; camarinho: segregação do fiel por um período curto, raspagem parcial da cabeça (não obrigatória), sacrifício animal (não obrigatório) e oferendas rituais, Predomínio do batismo, realizado na cachoeira, no mar ou através de entregas de oferenda na mata.
- e) Processos divinatórios: modos de comunicação com os deuses:
1 – Candomblé – predomínio do jogo de búzios realizado somente pelo pai-de-santo (sem necessidade do transe), que recomenda os ebós ou despachos para a resolução dos problemas do consulente.
2 – Umbanda – predomínio do diálogo direto entre os consulentes e as divindades que dão ” passes ” ou receitam trabalhos.
- f) Hierarquia religiosa:
1 – Candomblé – estabelecida a partir do tempo de iniciação e da indicação dos adeptos para ocuparem os cargos religiosos. Fundamental na organização sociorreligiosa do grupo.
2 – Umbanda – estabelecida a partir da capacidade de liderança religiosa dos médiuns e de seus guias. Importância da ordem burocrática.
- g) Música ritual:
1 – Candomblé – predomínio de cantigas contendo expressões de origem africana. Acompanhamento executado por três atabaques percutidos somente pelos alabés (iniciados do sexo masculino que não entram em transe).
2 – Umbanda – predomínio de pontos cantados em português, acompanhados por palmas ou pelas curimbas (atabaques), sem número fixo, que podem ser percutidos por adeptos (curimbeiros) de ambos os sexos.
- h) Dança ritual:
1 – Candomblé – Formação obrigatória da ” roda de santo ” (disposição dos adeptos na forma circular, dançando em sentido anti-horário). Predomínio de expressões coreográficas preestabelecidas, que identificam cada divindade ou momento ritual.
2 – Umbanda – não-obrigatoriedade da formação da ” roda de santo ”. Disposição dos adeptos em fileiras paralelas. Predomínio de uma maior liberdade de expressão da linguagem gestual nas danças que identificam as divindades ” (Silva, 1994).
4.1.4 -. Xangô Umbandizado – Religião que adota elementos kardecistas, preservação dos toques, danças e nomenclatura do Xangô, Catimbó e do Candomblé. Conforme a região onde é praticada pode receber várias denominações como omolokô e o Candomblé de Goméia. Apresenta uma significativa diminuição na prática do sacrifício, que tende a tornar-se vestigial, sendo portanto uma religião hipossacrificial; na prática observa-se a presença , em alguns terreiros, de sacrifício animal, talvez por motivos de natureza financeira. Podemos constatar uma exacerbação ritual e do personalismo carismático (principalmente do dos pais e mães-de-santo), valorização da palavra, desvalorização do jogo de búzios, presença de exageros gestuais e de consultas verbais aos seres desencarnados
Por terem se formado em diferentes regiões do Brasil e em momentos históricos também distintos, as religiões afro-brasileiras receberam diversos nomes, conforme já mencionado. Assim temos: candomblé (na Bahia), xangô (em Pernambuco e Alagoas), tambor de mina (no Maranhão e no Piauí), batuque (no Rio Grande do Sul) e macumba e umbanda no Rio de Janeiro. É importante destacarmos que, no Brasil, o ritual de certas religiões africanas sobrevive na sua forma mais pura no estado da Bahia.
Para facilitar nossas argumentações, doravante nos referiremos às religiões afro-brasileiras, sem entrarmos em detalhes sobre as suas variedades, haja visto que elementos como a dança, o canto, o toque, uso de bebidas e alimentos bastante condimentados, cores e luzes intensas entre outros, se encontram presentes, de uma forma ou de outra, nas diversas variedades deste grupo religioso, bem como, são nestes componentes que estamos interessados para desenvolver a nossa tese.
4.2 – Espiritismo (Kardecismo)
Consiste num sistema filosófico-religioso, codificado por Léon Hyppolite Denizard Rivail (Allan Kardec), fundamentado na reencarnação, que se baseia na ideia hinduísta da transmigração das almas e que se apoia em dois princípios básicos:
- a) A lei do carma – A toda ação corresponde uma reação igual e de sentido contrário, ou seja, todo pensamento, vontade ou ação produzidos pelo ser humano acarretará sobre este um evento de mesma natureza e intensidade, nesta vida ou em outra.
- b) A comunicação com os mortos – Algumas pessoas (os médiuns) são dotadas da capacidade de se comunicarem ostensivamente com o mundo dos mortos (mundo dos Espíritos). Esta comunicação pode se efetuar através da fala (psicofonia), escrita (psicografia), pintura (psicopictografia), etc.
No Brasil o espiritismo enfatiza o lado religioso da moralidade, do assistencialismo, tendo como moto comportamental a caridade, inspirando-se nos Evangelhos e compreendendo Jesus Cristo como o mais evoluído Espírito que já se encarnou; também é dado destaque à terapia mediúnica, principalmente com a aplicação de passes e utilização da água fluidificada.
4.3 – Renovação carismática (variedade do catolicismo):
Admite basicamente os mesmos fundamentos do protestantismo, ou seja, a sobrevivência do homem, a ressurreição, o juízo final, o céu, o inferno, não comunicação dos mortos entre outros. Diferenciando-se deste por admitir que a interpretação única e correta da Bíblia é a fornecida pela igreja católica, a veneração aos santos e as imagens, a infalibilidade do papa, o dogma da transubstanciação.
O característico desta variedade religiosa é a forma de expressão alicerçada em músicas modernas e encenações como palmas, batida dos pés, giro do corpo, etc., que dão um tom mais jovial às missas. Apresenta também, com menor frequência, atividades correspondentes a comunicação do Espírito Santo (análogo ao pentecostes).
4.4 – Pentecostalismo (variedade do protestantismo):
Na Europa ocidental, durante o século XVI, ocorreu uma grande revolução eclesiástica que rompeu com a estrutura hegemônica do catolicismo, dando origem ao protestantismo (no Brasil os protestantes também são denominados de evangélicos). Martinho Lutero, monge agostiniano alemão, criticou os abusos e o luxo da igreja católica, a decadência de costumes e a corrupção do clero, fundando o luteranismo, que discorda do catolicismo nos seguintes aspectos:
1 – Salvação pela fé: O homem está destinado a pecar, sendo salvo não por suas obras, mas pelo arrependimento e pela fé.
2 – Estímulo ao conhecimento: Ocorre a valorização da busca do conhecimento e da eloquência da palavra escrita. Incentiva o desenvolvimento de uma mente questionadora e autônoma, ignorando, às vezes contestando, a autoridade de Roma.
2 – Livre-exame: O fiel deve interpretar a Bíblia a sua maneira e não se submeter a interpretação da igreja.
3 – Abolição do celibato: Os ministros da igreja podem se casar, pois não há fundamentação bíblica para o celibato.
4 – Condenação do culto aos santos: A veneração só poderia ser feita a Deus, sendo condenável a adoração as imagens.
5 – Falibilidade papal: O papa, por ser uma criatura humana é susceptível ao erro.
6 – Negação do dogma da transubstanciação: O pão e o vinho não se transformam no corpo e no sangue de Jesus, sendo, entretanto, apenas uma representação simbólica da eucaristia
O movimento calvinista, também denominado presbiteriano, fundado pelo francês João Calvino, deriva do luteranismo, diferenciando-se deste basicamente pela doutrina da salvação que é vista como uma predestinação divina e não uma consequência da fé, além do que favorece a acumulação de capital decorrente do trabalho, indo de encontro ao princípio católico do justo preço e da proibição da usura.
A reforma anglicana foi um movimento mais político do que ideológico, promovido pelo rei inglês Henrique VIII que teve seu pedido de divórcio negado pelo papa Clemente VII. A disputa pelo poder e o interesse no confisco das terras da igreja seriam os motivos reais pelo surgimento desta reforma, não diferindo muito, no início, do catolicismo.
Posteriormente, surgiram os movimentos reformados radicais como os metodistas, o exército da salvação, os quakers e os pentecostais. De todos estes movimentos vamos nos ater basicamente ao último.
O pentecostalismo é um movimento protestante que crê nas verdades básicas do cristianismo, tendo como característica a expressão semelhante ao pentecostes dos Atos dos apóstolos, descrito na bíblia. O caminho da salvação é feito em três etapas: a conversão, o batismo na água (que se dá por imersão total, não sendo possível o batismo de crianças) e o batismo no Espírito Santo, quando são descobertos os dons que os fiéis possuem, sendo basicamente três:
1 – Dom das línguas: Este é um fenômeno parapsicológico, denominado xenoglossia, consistindo na fluente expressão, escrita ou falada (nesta variedade religiosa consideramos apenas a transmissão verbal) pelos fiéis, de conteúdos em idioma desconhecido pelo agente ou até mesmo de todos que estejam no local, sendo o discurso compatível com a situação presente. Na prática o fenômeno observado é apenas uma glossolalia (palavras inventadas pelo inconsciente do indivíduo) de fragmentos textuais, não apresentando um real significado. Temos que diferenciar também da pseudoxenoglossia em que o agente exterioriza fragmentos linguísticos do inconsciente, obtidos no passado, e que jazem no mesmo, temporariamente esquecidos.
2 – Dom da profecia: Fenômeno paranormal, conhecido como precognição, que consiste na percepção e expressão de eventos físicos ou psíquicos que ainda irão ocorrer, conforme descrito anteriormente. Na prática, não temos precognições reais, mas, pseudoprecognição de natureza vaga ou de baixo grau de refutabilidade.
3 – Dom de cura: Pelo qual o agente é capaz de curar patologias em outros indivíduos. Há de se distinguir a cura psi da cura por meios paranormais. Naquele caso, se trata-se de um processo auto-hipnótico pelo qual o indivíduo mobiliza suas capacidades orgânicas, latentes, possibilitando o alívio de seus males. No segundo caso, teríamos uma ação da mente sobre o organismo vivo restabelecendo o seu funcionamento normal, caracterizando-se pela cura de doenças que ainda não possuem tratamento adequado pela medicina, extração não cirúrgica de corpos estranhos (como projétil de arma de fogo) ou a reconstituição de tecidos destruídos ou ossos esfacelados. Na prática, a maioria das curas obtidas são apenas as referidas curas psíquicas e o desaparecimento de patologias simples (Lins, 1995).
Além disso, em vários cultos desta variedade religiosa, presenciamos o fenômeno pelo qual o fiel aparenta estar possuído por um ser imaterial denominado demônio ou o próprio diabo, tornando-se agressivo e apresentando mudança de voz (mais rouca) e agitação motora.
Entende-se por personificação a mudança no comportamento e/ou no pensamento do indivíduo, que passa a agir como se fosse uma outra pessoa, apresentando sentimentos e atitudes que pouco ou nada têm de comum com a sua personalidade habitual, sendo resultante de distúrbios psicológicos, psiquiátricos, ou de processos deflagrados por hipnose ou paranormalidade. No caso em questão, o mais provável é que se trate de um fenômeno de hipnose, de natureza ergotropa, com elementos de um estado neurótico. Como sabemos, este tipo de hipnose se expressa através de uma excitação emocional e acentuada tensão muscular.
Teoricamente, o enfraquecimento das censuras do ego e as motivações inconscientes, geradoras do fenômeno, associam-se a uma fuga da situação emergencial e da liberação de desejos arquetipais de comportamento, que, em estado ou condições normais, o indivíduo não consegue vivenciar.
A personificação surgida neste tipo de situação, geralmente, é desejada inconscientemente, ocorrendo em um ambiente de grande agitação, podendo haver músicas de ritmos estimuladores, preces em forma de cânticos, ou uma situação inconsciente de conflito. Ocorre não apenas nestas variedades religiosas que buscam a eliminação do demônio, mas, também, em sessões das religiões afro-brasileiras e em conflitos intrapsíquicos (Borges, 1995).
Em 1910, surgiu no Paraná e em São Paulo, a primeira igreja pentecostal do Brasil, a Congregação Cristã do Brasil. Em 1911, é fundada em Belém do Pará a Assembleia de Deus. Os pentecostais constituem o grupo da religião protestante que mais cresceu no Brasil no século XX. No início dos anos 90, algo em torno de 10% da população brasileira era formada de pentecostais.
Recentemente, entre os pentecostais brasileiros, surgiu o grupo dos neopentecostais, que apresenta uma forma religiosa prática, pouco exigente ético e doutrinariamente, voltado para o êxtase, com ênfase na glossolalia, exorcismo e milagres, visando resultados imediatos.
As principais igrejas pentecostais de tipo clássico no Brasil são a Congregação Cristã do Brasil, a Assembleia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo, a Deus é Amor e a Casa da Benção. Entre as neopentecostais, merecem destaque a Igreja de Nova Vida, a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, a Igreja Internacional da Graça, a Renascer em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus (Gaarder, 2000).
- ELEMENTOS INDUTORES DA HIPNOSE NAS VIVÊNCIAS RELIGIOSAS
Nas sessões práticas de Espiritismo observamos certos fatores predisponentes à produção de uma hipnose trofotropa, isto é, do tipo tranquilizadora, quais sejam:
_ Luz pouco intensa, com efeito calmante;
_ Voz pausada e repetitiva do dirigente da sessão;
_ Estado de introspecção, relaxação, produzindo uma sensação de calma e bem-estar, por parte de seus componentes etc.
_ Sugestão hipnótica implícita de que o “médium” deverá “incorporar uma entidade” ou deve se comportar como se fosse um outro indivíduo.
Nas sessões afro-brasileiras, determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é, do tipo excitadora, como:
_ O canto, conhecido como “ponto”, acompanhado ritmicamente pelo toque dos instrumentos musicais;
_ A dança, estimulação muscular, que provoca uma tensão e fadiga;
_ A utilização, em determinadas sessões de algumas variedades religiosa, de bebidas alcoólicas, fumaça de tabaco, alimentos muito condimentados, luzes e roupas com cores fortes, estimulantes.
_ Sugestão transmitida na saudação, letra, ritmo e melodia do “ponto”, tipo de roupa, ritual etc., de que os ” filhos de santo ” vão incorporar um mestre, caboclo, cigano ou orixá.
Nos cultos pentecostais e neopentecostais, bem como, nas missas da renovação carismática, determinados fatores condicionam uma hipnose ergotropa, isto é, do tipo excitadora, como:
_ O cântico, que pode vir acompanhado pelo toque dos instrumentos musicais;
_ Encenações como palmas, batida dos pés, giro do corpo, etc., que promovem uma excitação muscular.
_ Exortação enérgica do dirigente do culto ou missa, referindo-se a fé, realização de cura, expulsão de demônios, etc.
A tendência a não distinguir a fantasia da realidade e a sugestionabilidade, que facultam a aceitação das proposições do indutor no que se refere a sua maior ou menor facilidade para a produção de determinados fenômenos, são componentes detectados nas aludidas reuniões.
Quanto maior for o respeito, a admiração, que o hipnotizado tenha em relação ao hipnotizador, mais facilmente se dará o processo e serão aceitas as sugestões por ele emitidas. O “pai de santo”, o “doutrinador”, o ” pastor ”, o ”padre ” ou seus equivalentes, são vistos, pelos adeptos, como pessoas que possuem um bom relacionamento com os ditos mestres, caboclos, orixás, espíritos superiores, santos, etc., e, por isto, tudo o que deles provem é tomado como verdadeiro, não sendo permitida nenhuma discussão em torno de suas afirmações. Desta forma, se obtém um campo propício para uma fácil aceitação de sugestões por parte dos adeptos. As supostas “entidades” (espíritos, caboclos, orixás, demônios, diabo, etc.) são facilmente afastadas quando emitida uma simples palavra dos mesmos, enquanto que, muitas vezes, elas relutam veementemente em irem embora, no caso de outras pessoas, não reconhecidas como superiores ou intermediários dos seres extracorpóreos.
Nas reuniões espíritas, em determinadas ocasiões, o doutrinador afirma que a possível “entidade” passará a ver imagens dos principais acontecimentos ocorridos em sua existência, quando vivo, tal qual um filme projetado em uma tela de cinema; principia-se, assim, a produção de uma alucinação em que o “médium” afirma estar vendo as aludidas cenas. Além disso, frequentemente, essa alucinação é acompanhada de uma dramatização do indivíduo. Tudo isso representa, tão somente, a realização das sugestões do orientador.
- SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA E A HIPNÓTICA
A fenomenologia existente nas reuniões religiosas aludidas anteriormente é idêntica a obtida durante uma sessão de hipnose, fortalecendo, portanto, a tese de ser manifestação de um estado emocional intensificado. Façamos então uma análise das duas e de sua convergência.
É bastante conhecido o fenômeno da catalepsia, no qual o sujeito permanece, sem que haja cansaço, com todo o corpo, ou parte deste, rígido e imóvel. As manifestações religiosas em que há comunicação verbal (comumente acompanhada de fenômenos da musculatura estriada), como as incorporações, comunicação dos demônios, etc., em verdade, seriam apenas manifestações do transe hipnótico do tipo sonambúlico, quando toda ou parte da musculatura do indivíduo permanece em condição propícia para produzir movimentos, e do tipo letárgico, quando toda ela se encontra tensionada, impedindo determinados deslocamentos. Alguns indivíduos, quando apresentam estas manifestações, ficam com todo seu sistema muscular rígido, exceção feita aos músculos que possibilitam a fonação. Nestas condições, desenvolvem todo o fenômeno, adotando outra personalidade e comunicando-se através da fala. Outras vezes apenas o braço, ou outro membro, permanece naquela condição de rigidez. Como se nota, são nítidas reproduções da catalepsia.
Na hipnose observa-se também a possibilidade do aumento da força muscular, diga-se bem, não se trata por isso de um surgimento do nada, mas sim, a utilização de reservas energéticas existentes em nosso próprio organismo. Da mesma maneira, verifica-se, em várias manifestações desta natureza, caso de pessoas que se tornam possuidoras de uma força cuja ação vai além de sua capacidade habitual. Percebe-se, então, que se trataria de simples aspecto do transe hipnótico.
Em várias reuniões de religiões afro-brasileiras, algumas pessoas, sob estado de transe, cortam seus próprios pulsos sem expressarem estar sentindo qualquer dor, caracterizando, assim, um fenômeno de anestesia, neste caso particular, perda da sensibilidade à dor, é mais correto denominar de analgesia, que, como sabemos, é encontrada em pessoas hipnotizadas. Pode ocorrer ainda, durante a hipnose, a hiperalgesia, que se caracteriza por uma exagerada sensibilidade à dor. Analogamente, nas reuniões espíritas, já presenciamos, em diversas circunstâncias, a possível “personalidade comunicante” afirmar ter nos braços ou em outras áreas de seu corpo, queimaduras ou feridas, e que, ao menor toque nestas regiões, essa tende a se retrair imediatamente, expressando a presença de uma impressão penosa. Fiéis do movimento pentecostal, neopentecostal e renovação carismática, referem cura de suas dores, de seus males, devido à oração, benção ou culto da respectiva religião, sendo um fenômeno hipnótico decorrente da intensa emoção que as pessoas envolvidas apresentam.
Constatamos, também, que, em sessões kardecistas, alguns “médiuns” se ressentem ao menor ruído provocado, podendo ouvir conversações a voz baixa que ocorram entre os componentes do grupo durante a mesma. Vale destacar, que, nesses casos, o possível aumento da sensibilidade auditiva nunca ultrapassa a capacidade normal da pessoa em questão. Atentamos, em outras ocasiões, que barulhos, mesmo de alta intensidade, não pareciam afetar alguns dos que se encontravam em transe, continuando o seu proceder, como se nada de mais estivesse ocorrendo; não se trataria de surdez real, porém de uma diminuição da capacidade auditiva. Durante o transe, observa-se fisiologicamente uma inibição do córtex cerebral, sendo importante mencionar a existência da fase paradoxal, em que devido a esta inibição ocorre uma maior sensibilidade cortical aos estímulos mais débeis em detrimento dos mais fortes, ou seja, estímulos externos mais violentos não impressionam o córtex em transe, porém os débeis influxos nervosos são amplificados Os dois fenômenos, presentemente mencionados, também surgem durante a hipnose, sendo comumente denominados de hiperestesia auditiva (hiperacusia) e surdez hipnótica. (Cerviño, 1989).
Uma das ocorrências de maior incidência, nestas reuniões de caráter religioso, é o que denominamos em hipnose de parestesia, ou seja, a sensação de picadas, formigamento, etc., sem que haja causa externa. Os espíritas afirmam que isto se deve à concentração de “fluidos” por parte dos “espíritos” nestas regiões do corpo onde tais fatos são percebidos, os seguidores afro-brasileiros dizem dever-se a ” encostos ”, correspondendo a ação dos ” demônios ” dos pentecostais. Além de ocorrer com os participantes destas reuniões, o mesmo se observa nas pessoas que recebem e aplicam ” passes “.
Nas manifestações religiosas mencionadas, quando se observa uma modificação no comportamento dos fieis em transe, na maioria das vezes, nota-se uma aceleração dos batimentos cardíacos e dos movimentos respiratórios. Verifica-se, em certos casos, que vivenciando as mais diversas circunstâncias, uma das mãos do fiel pode se tornar fria e a outra quente, caracterizando, este conjunto de eventos, os fenômenos viscerais da hipnose.
Quando da aplicação do “passe”, da benção, da oração ” forte ”, há toda uma alteração emocional tanto por parte do paciente, que busca desesperadamente ser curado ou ter amenizado os seus males e o “passista”, padre, pastor ou equivalentes que deseja ardentemente a melhora do paciente. Devido a esta alteração emocional, o paciente poderá sofrer toda uma modificação metabólica em seu organismo, podendo sobrevir, consequentemente, a cura esperada. A água “fluidificada” ou benta, tão comum nos centros espíritas, missas, cultos evangélicos, etc., a qual é atribuída a propriedade de curar determinadas doenças, seria o desenvolvimento de um processo semelhante ao descrito anteriormente. Temos assim, por correspondência com a hipnose, os fenômenos viscerais.
Muitas vezes, o “médium” inicia a dita “incorporação” através de intensa agitação e sensação de sufocação, para depois, com as palavras calmantes e tranquilizadoras do doutrinador, atingir a um estado estabilizador, denotando, claramente, a passagem de um transe hipnótico de natureza ergotropa para um de natureza trofotropa. O inverso também poderá ser obtido, através de sugestões do doutrinador, de que o “espírito” irá revivenciar os males que praticou em “outras existências”. Ante a cena que a personalidade vivenciada pelo “médium” diz ver, e que passa a transferir-se àquela, o seu terror, perante o conhecimento dos males realizados, provoca uma série de alterações em seu organismo, observando-se , então, a transformação de um transe trofotropo em ergotropo.
Podemos, também, obter um estado emocional intensificado através de fatores impessoais, tais como músicas, cores, etc. Tais elementos são encontrados, em maior ou menor grau, nas reuniões das diversas variedades religiosas aqui estudadas. Nas afro-brasileiras, através do toque de instrumentos, danças, perfumes, bebidas, etc.; no espiritismo, através de música suave, muito utilizada nas chamadas reuniões de consultas e mesmo nas de desenvolvimento mediúnico, usando lâmpadas de fraca intensidade, comumente de cor azul, provocando uma sensação de calma e tranquilidade; na renovação carismática, pentecostalismo e neopentecostalismo, através de cânticos, palmas, batidos de pés. É bom ressaltar que não se trata de indução hipnótica por via física, mas através da representação, pelo significado que tais fatores possuem em relação aos programas adquiridos e até mesmo os programas inatos.
Quando uma comunidade religiosa recebe um novato, este novato passa a observar o comportamento dos antigos, em transe e fora de transe, só exercendo suas funções na comunidade após várias reuniões. Nota-se que o novato imita atitudes estereotipadas ou semelhantes àquelas possuídas pelos veteranos, de conformidade com a variedade. Assim, durante o transe, temos:
- a) No espiritismo – O ” médium ” treme as mãos quando do “recebimento de uma entidade”, inspira fortemente, bate ruidosamente com as mãos na mesa, boceja com regularidade, comunica-se gritando ou em tom calmo; etc.
- b) Nas religiões afro-brasileiras – O ” médium ” ou ” cavalo ” dança, bebe, fala e se comporta de conformidade com a ” entidade recebida ”, e com um padrão semelhante ao que os antigos apresentam.
- c) Na renovação carismática, pentecostalismo e neopentecostalismo – Os
“endemoniados” apresentam voz rouca e agressividade, os fiéis batizados com o Espírito Santo falam palavras estranhas aos presentes, os demônios são expulsos após determinado ritual e ordem do dirigente, etc., tudo em conformidade com o que os antigos apresentam.
Esses comportamentos indicam, evidentemente, que ocorreram sugestões hipnóticas de natureza implícita, conquanto não expressas oralmente, como é o caso da linguagem gesticulada e da simbologia das roupas, cânticos e rituais.
Em alguns Centros de Umbanda, são comuns os “médiuns” sentarem-se em torno de uma mesa forrada de branco, sobre a qual se encontram alguns cálices ou copos de vidro, contendo água. Após determinado tempo de concentração, alguns deles afirmam visualizar sobre a superfície dos vidros, certas imagens, como sendo de santos, caboclos, etc. Porém, nem sempre se faz necessária a utilização daqueles apetrechos, pois, via de regra, após certo estágio inicial, os aludidos “médiuns” declaram perceber sem a necessidade de projetá-las sobre determinada superfície, imagens de seres humanos, animais e até mesmo objetos, que não são apreendidos por todos os participantes. Em diversas oportunidades, os membros da referida mesa informam sentir o aroma de flores, que não possuem existência física constatada.
Nos cursos de formação de “médiuns”, é referido que a faculdade de ouvir sons, vozes, não perceptíveis pelas vias auditivas normais (audiência ou clariaudiência), poderia ocorrer de duas maneiras distintas: estas sairiam do interior do “médium”, ou seja, partiriam de sua mente, ou viriam de fora, do exterior.
Os fenômenos ora citados, nitidamente alucinações, são obtidos na hipnose e são conhecidos respectivamente por alucinação visual positiva, olfativa e auditiva. Esta última apresenta as duas modalidades citadas, como bem observou o pesquisador Schneck.
Ao contrário do que geralmente se pensa, não existe um domínio, um controle do hipnotizador sobre o hipnotizado. Esta imagem é produto de uma interpretação errônea que vem persistindo há muito tempo com relação à hipnose. A sugestão não é fundamento básico do fenômeno hipnótico, porém um seu auxiliar. Se a sugestão emitida contrariar os programas básicos do hipnotizado, este não a acatará. Quando se utiliza uma sugestão de tirar a roupa em público, ou suicidar-se, estas ordens serão cumpridas, apenas, se o hipnotizado realmente estiver com ideias suicidas ou possuir o hábito de tirar a roupa em público. Analisando o transe mediúnico como um estado hipnótico, a validade desta assertiva prevalece. Várias vezes foram constatados que “médiuns” em estado de transe, comportando-se como suicidas, ameaçavam tirar a própria vida e, ao verificarem que os participantes da sessão não davam atenção ao que diziam, desistiam de realizar o que haviam prometido. É bem verdade que, neste caso, se deve ter mais cuidado, pois o indivíduo pode sofrer de distúrbios mentais e realmente executar a ação a que se propõe. Porém, fique claro, isto poderá sobrevir em decorrência, tão somente, de seu estado de perturbação mental ou de sua predisposição à concretização daquele ato, e não como resultante do transe em si e, muito menos, de uma ação dominadora, incontrolável do hipnotizador sobre o hipnotizado. Essa ação dominadora atribuída ao hipnotizador é uma mistificação.
Apreendemos nas reuniões mediúnicas, nos cultos pentecostais e neopentecostais, bem como, em algumas reuniões da renovação carismática, um processo de dramatização do inconsciente, no qual se observa o fenômeno supra citado. O “médium” afirma ser outro indivíduo, podendo relatar uma “história”, como morreu e até mesmo modificar a sua voz. Caso o “espírito” comunicante seja um conhecido de alguma pessoa presente, e geralmente do próprio “médium”, este muitas vezes passa a revelar atitudes características do morto em apreço. Entretanto, essas personalidades são comumente estereotipadas: na Umbanda se encontram, por exemplo, os “pretos velhos”, os exus, etc.; no Espiritismo, os “espíritos obsessores”, os guias espirituais, etc. Tal fenômeno é conhecido, nessas religiões, como “incorporação” e, na ocorrência de comunicação oral, é denominada pelos espíritas de psicofonia. Nas referidas variedades católica e protestante o ” endemoniado ” também modifica a voz, apresenta um comportamento violento, diferente daquele apresentado pelo fiel em condições normais. Todos estes fenômenos podem ser interpretados como manifestações hipnóticas, visto que, é frequente, no transe hipnótico, o sujeito aceitar a sugestão de se comportar como outra personalidade, que poderá ser tanto a de um morto como a de um vivo, real ou fictício, sendo tal fato denominado de transidentificação.
É importante mencionarmos os casos de pintura obtidos durante transe hipnótico e que, teoricamente, extrapola a capacidade do autor. Helena Smith, que conhecia pintura, sob transe hipnótico, denominado psicoautônomo, pintava usando os dedos no lugar dos pincéis de maneira aparentemente desordenada e sem coerência, pintando um pé, um olho, uma árvore, em pontos diferentes da tela e posteriormente harmonizando estas imagens em um conjunto coerente. Augustin Lesage, trabalhador de minas, durante o trabalho ouviu uma voz que lhe dizia: ” Tu serás pintor ”; a partir deste momento ” sua mão adquiriu um automatismo inconsciente, executando, em completa amnésia, aquilo que sua inteligência não fora capaz de executar ” (Mello, 1950).
” As pressões sociais impedem comumente o surgimento de verdadeiros gênios nas artes; esses indivíduos reprimem suas qualidades e no estado de transe psicoautônomo podem desinibi-las. Temos visto médiuns espíritas que no estado de transe perdem toda a sua timidez e inibição, e falam o que antes não tinham coragem de falar, e apresentam qualidades variadas – artísticas, por exemplo – que estavam impossibilitados de mostrar antes… Os médiuns, por meio de uma ” entidade espiritual incorporada ”, apresentam uma estereotipia dinâmica que representa uma conduta organizada no passado, comumente imaginária, porém, em geral, desejada. Os estados de transe psicoautônomo se devidamente orientados por um médico hipnologista podem, pelas suas características, ser de grande interesse para o indivíduo e para a sociedade. Lembremos que no Brasil milhares de indivíduos entram em transe em milhares de centros espíritas. Seria bastante interessante e importante para todos se esses médiuns pudessem abstrair do seu transe os aspectos religiosos, o que, entretanto, não é fácil, dado o hábito já bastante arraigado da concentração na fé religiosa, a qual proporciona uma melhor profundidade do transe ” (Akstein,1973).
Devemos mencionar ainda o dermografismo, que consiste no aparecimento de sinais, letras ou palavras na epiderme do indivíduo, devido a um processo de irritação cutânea. Um exemplo disto é o fenômeno da ” mão de fogo ”, onde surge manchas hiperemiadas, em formato de mão, sobre as coxas, braços ou tronco. Normalmente as vítimas são pessoas deprimidas, com sentimento de autopunição, passando por problemas de natureza emocional. Ocorre em algumas vivências espíritas
A estigmatização é, de certa forma, uma modalidade de dermografismo em que surge lesão espontânea da epiderme, onde aparecem marcas sanguinolentas, arranhões e cortes sobre o corpo, podendo resultar de
- a) necessidade inconsciente de autopunição – as vítimas em geral apresentam sentimento de autodestruição, atravessando uma fase de transtornos emocionais. Encontramos em alguns casos de ” possessão ” e pessoas ” endemoniadas ”. Ocorre em algumas vivências espíritas, pentecostais e neopentecostais
- b) estado de exaltação mística – é um fenômeno exclusivo do universo cristão, onde ocorre chagas sanguinolentas em várias regiões do corpo de um santo ou de um místico, reproduzindo os ferimentos sofridos por Jesus. É típico de algumas vivências católicas
Tanto o dermografismo em geral, como a estigmatização, em particular, são fenômenos viscerais de natureza hipnótica, da categoria ergotropa nos casos de ” possessão ” e ” endemoniados ” e da categoria trofotropa nos casos dos santos e místicos.
- SEMELHANÇAS ENTRE A FENOMENOLOGIA RELIGIOSA E PARANORMAL
Muitas formas dos fenômenos paranormais podem surgir, durante as atividades das referidas variedades religiosas, e serem interpretadas inadequadamente, de conformidade com os modelos em questão. Assim, podemos ter
- – Psicografia: Forma de fenômeno paranormal em que o conteúdo psigâmico, evento físico ou psíquico, se expressa através da escrita. Pode apresentar diversas modalidades como a ambidestra (produzindo simultaneamente com as duas mãos mensagens distintas), invertida (em que as letras das palavras estão transladadas, escritas na ordem inversa), especular (subtipo da psicografia invertida em que as letras também estão rotacionadas, sendo necessário contrapor o escrito a um espelho para se efetuar a sua adequada leitura) e a xenográfica (escrita em um idioma desconhecido dos participantes da reunião e cujo conteúdo se relaciona com o contexto da mesma ). É comum nas sessões espíritas
- – Personificação subjetiva: Termo criado por Valter da Rosa Borges para designar a modificação, espontânea ou provocada, da personalidade do Agente Psi, a qual ele se comporta como se fosse outra pessoa, fictícia ou real, viva ou falecida, apresentando fenômenos de psigama. Quase sempre se manifesta na forma oral (psicofonia), sendo, no campo religioso, conhecida como “incorporação” ou ” possessão ”. Pode apresentar a modalidade xenoglóssica, pela qual o conteúdo psigâmico é expresso em um idioma desconhecido dos participantes da reunião e cujo conteúdo se relaciona com o contexto da mesma. Está presente em todas as variedades religiosas acima.
- – Psicopictografia: Designa a manifestação paranormal expressa através de pinturas (a óleo, nanquim etc.) cujo nível extrapola, e muito, a capacidade do Agente Psi. Muitas vezes vem assinada por personalidades famosas já falecidas. Ocorre nas sessões espíritas.
- – Projeção da consciência: Manifestação paranormal em que o Agente Psi visualiza cenas de outro ambiente e tem a sensação de aí se encontrar. Mais conhecido no campo religioso como viagem astral, projeção do corpo astral, desdobramento, bicorporeidade, bilocação ou experiência fora do corpo (EFC). Deve ser interpretado como uma clarividência associada a uma sensação subjetiva de deslocamento espacial do Eu. Comum nas sessões espíritas.
- – Precognição: Característica do fenômeno paranormal pelo qual o agente é capaz de expressar acontecimentos futuros, ou seja, que ainda irão se realizar. Encontramos principalmente em sessões espíritas e em cultos pentecostais e neopentecostais.
- – Aparição: É uma manifestação psigâmica, telepática ou clarividente, cujo conteúdo informacional se expressa sob forma alucinatória ou simbólica, podendo apresentar imagens de pessoas, animais e/ou coisas. É frequente em reuniões espíritas e de religiões afro-brasileiras.
- CONCLUSÃO
Como pudemos perceber, todos estes indícios, ora descritos, apontam para o modelo proposto, do estado emocional intensificado e dos fenômenos paranormais.
Apesar de tudo isso, muitos preferem não ver o que possivelmente está ocorrendo, por inúmeras razões, dentre as quais podemos citar:
_ Falta de hábito em assumir uma atitude científica, da maior parte da coletividade, perante os fatos defrontados;
_ O desconhecimento do que seja realmente a hipnose e a paranormalidade, devido a um antiquado processo de mistificação que as envolvem;
_ A insegurança de inúmeras pessoas que, tendo suas vidas já fundamentadas por inúmeros conceitos, temem ver seus castelos desmoronarem e preferem não enxergar aquilo que se lhes depara;
_ Uma estrutura tendenciosa do indivíduo, proveniente da recepção, sem crítica, dos conteúdos informacionais advindos daqueles que os rodeiam.
Estes e outros motivos formam o nível de consciência possível da população, nível este que atua como filtro ideológico e permite enxergar apenas o que querem e o que lhes convém., possuindo as suas próprias regras, impede, na maioria das vezes, uma melhor compreensão da realidade.
Desta forma, não se acuse de reducionismo da hipótese, mas de correta atitude científica ante fenômenos dos quais se procuram explicações. Se existe um modelo conhecido, simples, no qual podemos operar e controlar e que explica um conjunto de fatos observados com maior abrangência, seria anticientífico, e perda de tempo, procurar-se um outro modelo, mais complexo e menos abrangente para descrever esta mesma série de fenômenos. Um bom modelo deve ser lógico em sua descrição, consistente com a experiência e abrangente quanto ao conjunto de fatos observados e a ele pertinente.
Sendo assim, somos conduzidos a supor que, nas sessões mediúnicas (espíritas e das religiões afro-brasileiras), nos cultos pentecostais e neopentecostais e nas reuniões da renovação carismática, tudo se passa como se a maioria dos fenômenos observados fossem estados emocionais intensificados, ou seja, processo hipnótico ou fenômenos de natureza paranormal.
REFERÊNCIAS
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