Aspectos culturais e parapsicológicos das profecias

 “Cada cultura é um mundo fechado ao entendimento de outras culturas”

Josué de Castro.

Nesta breve exposição, proponho-me a despertar uma reflexão que, realmente, contribua para a informação daqueles que têm demonstrado um grande interesse pela Parapsicologia.

Diante da perspectiva dessa realidade, não podemos descartar o uso simultâneo de um enfoque sociológico e antropológico, quando tecemos comentários sobre o cultural, o que nos reporta, inevitavelmente, a uma abordagem sobre o imaginário popular.

Inclui-se como preocupação esclarecer que não significa que o imaginário represente a rejeição do real, apenas tem como suporte o real para transformá-lo e deslocá-lo, conferindo-lhe um novo valor. Para Gilbert Durand “não há ruptura entre o racional e o imaginário, pois o racionalismo não passa de uma estrutura, dentre muitas outras polarizantes própria do campo das imagens” (DURAND, 1964, 77).

É justamente isto que tentaremos fazer num primeiro momento. E como fazê-lo senão retrocedendo um pouco no tempo, através dos séculos, e centrando nossas especulações sobre o que representa a figura do profeta e, consequentemente as profecias.

O profeta é aquele que anuncia, e as pessoas, em torno do profeta, seguem a promessa por ele anunciada de algo que está por ocorrer: uma boa nova, uma catástrofe, um mundo que está prestes a terminar para fazer surgir um novo mundo livre de sofrimento. Ele profetiza o futuro que será segundo o mito um ressurgimento do paraíso perdido.

Os mitos, conforme sabemos, carregam mensagens que se traduzem nos costumes e nas tradições de um povo, são a maneira possível de explicar um modo de vida. Ao contrário da ciência que explica o mundo através da razão, um mito explica pela fé (crença sem necessidade de prova). Ver coisas que todos vêm sobre outra perspectiva.

Antes de explicar o mundo racionalmente, o ser humano sente o meio em que vive. O mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo através do sentimento e buscando a ordem das coisas.

Em que consiste, então, a lógica profética?

Quando as pessoas vivem num universo social em decadência, onde não se encontra mais um referencial que dê sentido à vida, a lógica profética tenderá sempre a construir o mito de uma sociedade perfeita, sem doenças, males, injustiça, sofrimento. À medida que surgem, no cenário social, novos fenômenos e problemas, criam-se novas profecias.

É assim que vemos construído esse imaginário na história de todos os povos, tendo o seu suporte nas tradições religiosas e socioculturais e a representação dessas tradições. O simbólico se faz presente no contexto social. Conforme formula Mircea Eliade “um símbolo revela sempre qualquer que seja o contexto, a unidade fundamental de várias zonas do real” (ELIADE,1970,585).

Segundo Laplantine, “eles são, no real, toda a ideia que representam: combate social, virtude heroica, marginalidade social, martírio e violência”, configurando a promessa e o princípio da esperança no futuro. Eles são, por assim dizer, antepassados divinizados ou que incorporam o mito do herói (LAPLANTINE, 1996, 41).

Trazendo esse imaginário para bem mais próximo de nós, encontramos personagens de existência histórica e mítica como Antônio Conselheiro, Padre Cícero e tantos outros que são construídos e cultuados a partir da religiosidade popular.

Através dos nossos avós e nossos pais, muitas dessas histórias chegaram até nós e continuam a ser relatadas ainda hoje, o que confirma o poder das tradições.

As biografias de certos personagens estão repletas de experiências inusitadas, questionando o nosso racionalismo cartesiano.

Podemos elucidar esses fatos, recorrendo a exemplos do tipo seguinte:

Júlio Verne  –  Transgrediu, através do imaginário, a tecnicidade do seu século e concebeu a possível revolução tecnológica do futuro. O submarino e as viagens aéreas, entre outras, são grandes exemplos.

Nostradamus  –  Nos relatos das suas centúrias, apesar de muito enigmáticos, encontramos também um expressivo número de previsões que dispensam toda e qualquer necessidade de interpretação, devido a sua clareza.

Conta-se que certa vez, em sua juventude, durante uma viagem à Itália, conheceu Felix Peretti que se tornara monge.

Encontrava-se Peretti, humildemente, entre outros monges e tão logo Nostradamus o viu, dirigiu-se a ele como “sua Santidade”, beijando-lhe as mãos. Tal atitude intrigou muito os presentes e deixou Felix Peretti bastante confuso.

Em 1585, dezenove anos após a morte de Nostradamus, Peretti é eleito Papa e recebe o nome de Sisto V.

Ora, o espaço dos profetas é um espaço fora do espaço, e o tempo, um tempo desprovido de uma sequencialidade temporal, ou seja, um tempo mítico. As profecias rompem os limites do real.

Apesar de serem qualificadas, em geral, de “sobrenatural” ou “absurdas” são formadas por uma continuidade de significação, tendo a sua própria coerência.

Na reconstituição histórica das profecias, encontramos o absurdo, o paradoxo e o incrível, mais parecendo uma obra de ficção. O fantástico ultrapassa a realidade.

Não se trata de narrativas lendárias que são fascinantes e, muitas vezes, incríveis, mas a própria realidade que vem a se confirmar num futuro contraditório: longínquo e próximo, assustador e venturoso, mais parecendo um “realismo mágico” que foge a todo modelo convencional, tornando-se um paradoxo. A realidade passa a ser o ilusório, e o fictício a realidade.

Muitas dessas profecias não deixam de ser reais, porque não são uma alucinação, mas uma outra forma de perceber, ou seja, possuem uma lógica própria que desafia a lógica formal.

No universo racional, no qual fomos educados desde a infância, esses fenômenos são acontecimentos inexplicáveis que não se enquadram nas leis naturais que regem a explicação do mundo. Daí o porquê da resistência oferecida por aqueles que se autodenominam donos da verdade. Não compreendem e nada fazem para entender.

Ao longo dos tempos, diversas explicações foram apresentadas: dons sobrenaturais, inspirações divinas, principalmente no tocante aos profetas bíblicos.

Não importa qual nome iremos atribuir, o importante é que o fenômeno não pode ser negado. Uma previsão com antecedência e com precisão de detalhes sobre algo que venha a se concretizar no futuro, bem que merece uma investigação especial.

É o que tem feito a Parapsicologia: uma investigação que consiste em observar sem preconceitos, o que constitui uma das regras básicas do método científico.

No Brasil, ainda existem poucas instituições de Parapsicologia, entre elas o Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas – IPPP que é, atualmente, considerada uma das  principais  instituições  de   pesquisa representativa dos que fazem a Parapsicologia no Brasil, sendo, inclusive, conhecida no exterior. Diversos trabalhos de estudo e pesquisa têm sido realizados por sua equipe. Os trabalhos versam sobre diversos temas, com relatos de casos ocorridos em Pernambuco, durante as últimas décadas, confirmando não constituírem as previsões um dom exclusivo dos profetas, mas uma capacidade de todo ser humano, podendo emergir em qualquer época da sua existência. A essas previsões denominamos de precognição (conhecimento prévio).

Em determinados estados alterados de consciência, o conceito de tempo, conforme concebemos, perde a sua característica e sequencialidade temporal, sugerindo não haver uma separação entre passado, presente e futuro. Conclui-se que, nesses casos, os personagens obtiveram informações que não tinham como obter ou serem explicadas pelo funcionamento dos sentidos e faculdades conhecidas pela  Ciência Clássica.

O anúncio precognitivo não se trata de um futuro determinado e, sim, de uma capacidade que temos de perceber as possibilidades entre os vários acontecimentos possíveis e que, em estado alterado de consciência, temos acesso a uma entre as demais possibilidades e não aquilo que se concretizará obrigatoriamente. Segundo Danah Zahar, “não implica, necessariamente, na determinação do futuro, apenas sugere haver vários futuros possíveis e que sejamos capazes de perceber essas possibilidades. Devemos encarar como a previsão de um possível acontecimento” (ZAHAR,  1998, 180).

Admite-se que o conhecimento científico é limitado e aproximado, não existindo uma verdade absoluta. Nenhum assunto se esgota, sempre podendo ser revisado através de um esforço multidisciplinar. A imagem que fazemos de algo se torna diferente de conformidade com o ângulo de visão do qual contemplamos. É uma questão de perspectiva.

Frequentemente registramos apenas uma fração da realidade, aquela que aprendemos a ver e a determinar através dos nossos condicionamentos culturais. Entretanto, há outros estados alterados de consciência que tornam possível uma percepção além desses limites, conforme demonstram os fatos históricos e dados obtidos mediante pesquisas.

Ampliar o nosso nível de visão constitui, ao que parece, uma condição necessária para a captação dessa linguagem do inconsciente. Um claro entendimento de que os componentes culturais, as circunstâncias da vida individual influenciam, de uma certa forma, o conteúdo da representação simbólica é de grande valor para as nossas conclusões.

Outro fator que merece um destaque especial: o homem quer atribuir aos fatos sociais valores idênticos ao do universo físico, equiparando a norma social a fatos da natureza.

Segundo Rubem Alves, “a consciência ingênua não percebe que a realidade social é uma construção humana, tão limitada que nos torna cegos para tudo aquilo que transcende” (ALVES, 1988, 127).

Para ilustrar e apoiar essa afirmação de um sentimento de impotência, recorremos ao personagem de Franz Kafka no seu livro “O Processo”: Kafka destaca um personagem que ao acordar para um dia de trabalho, tem o seu apartamento invadido por funcionários da justiça que o informam estar detido, sem todavia explicar as razões desta detenção. A partir daí inicia a sua “via crucis”, quando ao apresentar-se perante a corte fica a mercê dos poderes, jogado de um lado para outro, procurando inutilmente defender-se de uma culpa que desconhece, perante um tribunal indiferente. Nenhuma resposta é dada às suas perguntas.

É de suma importância que tenhamos a sensibilidade para percebermos que toda realidade social é precária e que a experiência parapsicológica é a experiência de uma nova forma de consciência, cujo maior inimigo é o intelecto, que consiste em discernir o sujeito do objeto.

Concluindo, utilizo-me das palavras do Dr. Rubem Azevedo Alves, autor da consagrada obra “O Enigma da Religião”:

“Onde está a verdade? É difícil dizer. Qualquer resposta que nos atrevêssemos a dar poderia ser catalogada como um palpite a mais no rol já excessivamente extenso das explicações oferecidas”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. ALVES, Rubem Azevedo. O enigma da religião. São Paulo: Papirus, 1988.
  2. DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.
  3. ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. Cosmos, Martins Fontes,
  4. LAPLANTINE, François. Imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1996.
  5. ZAHAR, Danah. Através da barreira do tempo. São Paulo: Pensamento, 1988.

(*) Tema apresentado no XVII Simpósio Pernambucano de Parapsicologia, realizado no Recife, em 16 de outubro de 1999.

 

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