VALTER DA ROSA BORGES
Os fenômenos paranormais, a partir de 1953, foram classificados em duas modalidades: psi-gama – a atividade cognitiva sui generis da mente humana; e psi-kapa – a ação do psiquismo humano sobre os organismos vivos e a matéria em geral.
Psi-gama, portanto, é conhecimento paranormal.
Conhecimento paranormal é aquele não oriundo de aprendizado ou de elaboração racional.
Já passadas várias décadas do histórico Congresso de Utreque que marcou oficialmente a data de nascimento da Parapsicologia, observamos a necessidade de uma revisão critica na sua estrutura conceitual. Há uma urgência imperiosa de se delinear, com a maior precisão possível, os fenômenos paranormais, objetivando uma observação em maior profundidade dos mesmos. O enfoque inicial já não nos parece satisfatório, pois, na medida em que aprofundamos a investigação fenomenológica, de logo se ressaltam algumas impropriedades e insuficiências conceituais.
Mais afeitos, por vocação, como também por formação humanista, ao trato dos fenômenos de psi-gama, resolvemos empreender uma revisão gnosiológica dos mesmos e apresentar os fundamentos de uma nova epistemologia – a epistemologia parapsicológica. Trata-se, assim, de uma reformulação estrutural do fenômeno de psi-gama, o qual, como se sabe, se apresenta sob três modalidades: telepatia, clarividência e precognição. Anteriormente, o próprio J.B. Rhine reconheceu as dificuldades práticas de estabelecer, em cada: caso concreto, a distinção entre um fenômeno de telepatia e um fenômeno de clarividência. E propôs, porém sem êxito, a sua unificação sob a sigla de GESP – general extra-sensorial perception.
Cuidamos, no entanto, que a mudança conceitual do fenômeno de psi-gama deva ser mais profunda e radical e que é chegada a hora de se lançar as bases fundamentais de uma epistemologia do conhecimento paranormal.
Origem do conhecimento normal
Não é pacífica a discussão sobre a origem do conhecimento. Quatro hipóteses disputam a preferência de sua explicação. Resumidamente, elas são as seguintes:
- Racionalismo. A razão é a única fonte do conhecimento.
- Empirismo. Somente a experiência nos dá o conhecimento.
- Intelectualismo. O conhecimento resulta da união entre a razão e a experiência.
- Apriorismo. O conhecimento não se origina da simples união entre o pensamento e a atividade empírica, mas resulta da organização racional da experiência. Ou seja: a experiência fornece a matéria do conhecimento e o pensamento organiza o material empírico, imprimindo-lhe uma determinada ordem.
Poderia o conhecimento paranormal também ser explicado por qualquer dessas hipóteses? A resposta é negativa.
Origem do conhecimento paranormal
O conhecimento paranormal possui características especiais que o distinguem, nitidamente, dos demais processos gnosiológicos e se origina de outras fontes que não aquelas do conhecimento normal, ou seja, a sensação e a razão.
E quais são as fontes do conhecimento paranormal? É aqui que situamos a nossa proposta epistemológica.
Diferentemente da concepção tradicional, entendemos que a telepatia, a clarividência e a precognição não são modalidades do fenômeno do psi-gama. Segundo o nosso modelo epistemológico, a telepatia e a clarividência são fontes do conhecimento paranormal, enquanto que a precognição, como veremos adiante, integra uma das características do fenômeno de psi-gama: a atemporalidade. Incluímos, ainda, como fonte do conhecimento paranormal, ao lado da telepatia e da clarividência, a criptomnésia. Assim, em conclusão, o conhecimento paranormal tem duas fontes externas – a telepatia e a clarividência – e uma fonte interna – a criptomnésia.
Características
O fenômeno de psi-gama apresenta características bem definidas. Paradoxalmente, é um conhecimento do inconsciente. Vem do inconsciente para o consciente e só tomamos conhecimento de sua existência, quando ele aparece em nossa consciência. No entanto, a experiência tem demonstrado que os conteúdos psíquicos oriundos de fontes paranormais, mesmo que permaneçam em estado de latência, exercem influência sobre o nosso comportamento psicológico e a nossa atividade fisiológica. Assim, por exemplo, o conhecimento, por telepatia, da enfermidade de uma pessoa querida pode causar-nos indisposição orgânica e/ou sensação de angústia indefinida, ainda que essa informação jamais emirja do nível inconsciente para o consciente.
A pesquisa do inconsciente experimentou um extraordinário impulso, quando Freud assentou as suas bases conceituais e estruturais. Jung, mais arrojadamente, projetou-se para além do inconsciente pessoal de Freud e teorizou a existência de um inconsciente impessoal, constituído de universais psíquicos – os arquétipos.
De certo modo, a concepção de Jung reativou a acirrada polêmica, no campo filosófico, entre os defensores da mente humana como uma “tábula rasa” e os adeptos platônicos das “idéias inatas”. Em outros termos: o inconsciente ou é estruturado gradativamente pela experiência ou já existe uma programação previa, um saber inato, uma espécie de ADN psíquico, em estado latente no psiquismo profundo de cada ser humano. A posição eclética nos parece mais adequada.
Sabemos que em nível genético todo organismo vivo é dotado de uma programação e que a sua existência se constitui na realização total ou parcial dessa programação. É uma espécie de conhecimento inato a que denominamos de instinto. O organismo sabe como conduzir-se de maneira mais adequada e eficaz em cada situação concreta e específica. Agimos, sim, com esse conhecimento inconsciente e quase sempre nos damos mal, quando, racionalmente, procedemos de modo contrário a ele.
Ora, se possuímos uma gnose orgânica com o propósito de atender as necessidades básicas da nossa sobrevivência, por que, por analogia e conseqüência, não admitir, teoricamente, a existência de uma gnose psíquica inconsciente, constituída de um acervo de conhecimento que não se origina de nossa atividade racional e consciente? A essa nova modalidade de conhecimento daremos o nome de criptognose (de cripto – oculto – e gnose – conhecimento). E a dimensão teórica da criptognose importaria em uma explicação satisfatória para o fenômeno da criptomnésia.
Aprofundemos mais a questão: se a criptomnésia é um fato e a criptognose a explicação teórica desse fato, poder-se-ia também indagar, apenas como simples especulação, a possível origem desse conhecimento do inconsciente. De maneira sumária e superficial, se poderia afirmar que a criptognose é constituída de estruturas psíquicas inatas e das experiências psigâmicas que não lograram alcançar o nível da consciência.
A outra característica do conhecimento paranormal é a sua independência dos parâmetros de tempo, espaço e causa. Essa é a razão pela qual situamos a precognição como uma característica do psi-gama e não como uma das suas modalidades.
A experiência tem demonstrado que o conhecimento paranormal não obedece a uma estrutura cronológica seqüencial: passado, presente e futuro. Um agente psi pode informar-se sobre o futuro de alguém, antes de tomar o conhecimento do seu presente e do seu passado.
Também o conhecimento paranormal não é afetado pelo princípio do quadrado da distância, nem também obstaculizado por qualquer dispositivo material ou energia física conhecida.
Formas
O conhecimento paranormal se manifesta, formalmente, através dos fenômenos, de psicofonia, psicografia, psicopictografia, psicomusicografia, psicometria, diagnose paranormal, e radiestesia. Essa é outra inovação que apresentamos na nossa proposta epistemológica, mediante a qual afirmamos que aqueles fenômenos paranormais não são autônomos, mas tão somente modalidades ou formas do conhecimento paranormal.
O que determina a paranormalidade de um fenômeno aparentemente psigâmico não é a sua manifestação formal, mas, sim, o seu conteúdo. Assim, conquanto o automatismo motor, em qualquer das modalidades formais referidas, constitua um forte indício em favor da paranormalidade, é, no entanto, o seu conteúdo que irá decidir, em última instância, sobre a sua autenticidade. Uma exibição espetacular de psicografia automática, por exemplo, pode deslumbrar o mais exigente pesquisador no momento de sua execução. Mas, após a analise do seu conteúdo, não demonstrar a sua pretensa paranormalidade.
Conteúdo
O conteúdo do conhecimento paranormal é a informação não redutível ao conhecimento consciente ou a manifestação de aptidões ou habilidades não resultantes de prévio aprendizado. Assim, um médium é capaz de escrever obras literárias, filosóficas ou científicas, mesmo sendo analfabeto ou de limitados recursos intelectuais; de falar e/ou escrever fluentemente em idiomas que desconhece; pintar, desenhar ou compor músicas, sem ser dotado de aptidões artísticas; de biografar, minuciosamente, uma pessoa que apenas conheceu naquele instante ou também uma outra pessoa desconhecida e ausente; e, finalmente, de comportar-se como se fosse uma pessoa falecida e que não conhecera.
Em circunstâncias especiais, podemos compartilhar, por alguns momentos, da realidade biopsíquica de uma pessoa, como decorrência de um singular condomínio psíquico, a que denominamos de telepatia. É como se, naquela ocasião, duas pessoas constituíssem uma unidade existencial, compartilhando pensamentos, emoções e sensações corporais. Ou podemos, ainda, conhecer o mundo objetivo, não apenas a partir de um referencial biológico, mas também de uma perspectiva extrabiológica, como se a nossa consciência se deslocasse de sua sede orgânica e se projetasse num determinado lugar no espaço, dando-nos a firme convicção de que estamos, de fato, numa forma especial de presença, no palco de certos acontecimentos.
Essência
Quanto à essência do conhecimento, isto é, quanto ao problema da correspondência entre o que conhecemos e o que pressupomos seja a realidade, a epistemologia do conhecimento paranormal se ressente das mesmas dificuldades enfrentadas pela epistemologia do conhecimento normal.
A discussão sobre o que é o real vem atravessando os milênios e talvez se trate de uma questão insolúvel, o que não nos impede de continuar vivendo pragmaticamente como se conhecêssemos a realidade.
A epistemologia parapsicológica não se propõe a resolver esse problema. Limita-se a pesquisar, em cada caso concreto, se um determinado fenômeno psíquico, aparentemente insólito, é ou não de natureza paranormal.
Conclusão
De todo o exposto resulta a inevitável conclusão de que o conhecimento paranormal ou fenômeno de psi-gama é uma modalidade gnosiológica sui generis e que a telepatia, a clarividência e a precognição não são formas ou modalidades desse conhecimento, conforme procuramos demonstrar à luz da presente proposta de um novo modelo epistemológico para a Parapsicologia.
(*) Trabalho apresentado no I Simpósio Pernambucano de Parapsicologia, realizado nos dias 2 a 4 de dezembro de 1983, no Auditório da Universidade Católica de Pernambuco. Revisado e atualizado em 2006.