O Curandeiro (*)

Vez por outra, a imprensa sensacionalista promove um novo curandeiro, cercan­do-o, provisoriamente, de uma auréola sobrenaturalis­ta e, assim, contribuindo pa­ra robustecer mais ainda a credulidade pública.

 

Antes de discutirmos o mérito da questão, é mister, inicialmente, indagar se -existe uma terapêutica para­lela àquela utilizada pela Medicina e, se existe, em que consiste a sua técnica e quais os seus resultados.

 

A resposta ao primei­ro item é sim, pois o homem sempre obteve, de um modo ou de outro, através de pro­cessos denominados “natu­rais”, a cura para os seus males. É evidente, contudo, que os meios utilizados por esta terapêutica naturalista são empíricos e não obede­cem a uma técnica, orienta­da pela razão e pelo conhe­cimento. Além do mais, os resultados obtidos – alguns até extraordinários mesmo “milagrosos” – são, na maioria dos casos, duvidosos, pois consistem, quase sempre, na simples remoção de sintomas. E, nis­to, é que consiste o grande perigo do curandeirismo: o mascaramento dos sinto­mas, impedindo a precisão do diagnóstico e compro-me­tendo a possibilidade clíni­ca da cura.

 

De tudo o que foi dito, no entanto, uma coisa resultou assente: a existência de um a terapêutica empírica que, através de procedimentos geralmente mágicos e ape­los sugestivos, é capaz de, em proporção ignorada, res­tabelecer o equilíbrio orgâ­nico de pessoas aparente­mente doentes. E, propo­sitadamente, utilizamos a expressão “aparentemente doentes”, porque, como de­monstrou a medicina psicos­somática, uma grande parte de nossas enfermidades é de natureza psíquica e emocio­nal e, não, orgânica. As­sim, podemos dizer, de certo modo, que o curandeirismo é uma arte: a arte de curar pela sugestão, mediante a manipulação de elementos mágicos suscetíveis de alte­rar o estado psíquico do pa­ciente, com reflexos modi­ficadores no seu funciona­mento orgânico.

 

Prodemos conceituar o curandeiro como aquele que pretende curar enfermidades pela virtude de seus preten­sos poderes. Não raramente, ele se julga um ser excepcio­nal, um missionário, uma pessoa poderosa, o que con­tribui para levá-lo a uma impermeável megalomania e paranóia delirante.

 

Geralmente, o curandei­ro é oriundo da classe pobre, sem qualquer preparo inte­lectual, desejoso de se afirmar na vida e sem qual­quer preocupação quanto aos meios de atingir os fins. E, quando se vê, de uma hora para outra, guindado a um certo status na socie­dade, emprega todos os seus esforços para manter e até melhorar a sua posição. Daí, para tornar-se um arrivista é só um passo. Por isto, seja movido pela sua vaidade, seja movido por sua cupidez, procura atuar em faixa pró­pria, criar seu grupo de adeptos, promover a propa­ganda de seus poderes, as­sumir um ar de superiorida­de e evitar, a todo custo, que se pesquise a autenticidade de suas decanta-das faculda­des.

 

Todavia, nem todo aque­le que se diz possuidor de poderes de cura realmente os possui. Na maioria dos casos, são pessoas dotadas de forte personalidade e de grande capacidade de per­suasão. Via de regra, por­tanto, as curas obtidas por esses pretensos curandeiros, algumas até de natureza or­gânica, podem ser explica­das psicologicamente, embo­ra ainda pouco se saiba dos mecanismos de interação entre a mente e o corpo. Ora, uma pessoa dotada, assim, de tais atributos poderá con­tribuir, de maneira extraor­dinária, para uma mais am­pla compreensão da tera­pêutica ortodoxa e acadêmica, com o maior aproveita­mento do fator psíquico na gênese das curas. Se a fé cura, por que não a utilizar como eficaz adjutório na re­cuperação orgânica do pa­ciente? Por conseguinte, es­tas pessoas de excelente po­der sugestivo e de rara ha­bilidade em despertar a fé nas pessoas deveriam, sem perda de tempo, ser apro­veitadas pela Medicina, numa atividade paramédica devidamente controlada. O perigo reside justamente no fato de se tolerar que estes curandeiros permaneçam à solta, iludindo, consciente ou inconscientemente, os ver­dadeiros enfermos, prome­tendo-lhes alívio para os seus males pela simples re­moção dos sintomas, mas, por outro lado, contribuindo para o agravamento da do­ença, tornando-a, não raras vezes, irreversível. E há cu­randeiros que, num verda­deiro atentado à saúde pú­blica, chegam a proibir que seus pacientes consultem médicos, ou lhes ordenam que suspendam a medicação ou o tratamento a que se vêm submetendo.

 

Mas, agora, é de se per­guntar se, por acaso, não existem curas milagrosas e curandeiros autênticos. Existem, sim, mas são ra­ros os casos e também raras essas pessoas.

 

Sem querer penetrar o domínio religioso, a Para­psicologia vem estudando atentamente os fenômenos de curas paranormais e já pode assegurar a sua reali­dade. Sim, há curas paranormais. E também há pes­soas que possuem um tipo de energia desconhecida, co­nhecida pelo nome de telergia, capaz de atuar fora do seu contexto orgânico e cau­sar modificações nas coisas materiais e até nos seres vivos, inclusive o próprio homem. Ora, esta telergia, como qualquer força, pode ser empregada para fins be­néficos ou maléficos. Por conseguinte, se uma pessoa possui telergia e procura aplicá-la em benefício do próximo, ela é, realmente, um curandeiro. Mas, para a comprovação da existência dessa faculdade, é necessá­rio que ela seja submetida a uma série de testes em labo­ratório de parapsicologia. Se os resultados forem posi­tivos — o que, raramente, acontece — deverá o pa­rapsicólogo aconselhar ao curandeiro de se abster de atuar em faixa própria e permitir que a sua atividade neste setor seja permanen­temente supervisionada por um médico. Só assim a cura paranormal po-derá consti­tuir-se, futuramente, em ex­celente auxiliar para a pró­pria Medicina.

 

(*) Publicado no Jornal Universitário, da Universidade Federal de Pernambuco. Maio. 1980

Compartilhe: