O fato paranormal

Publicado no ANUÁRIO BRASILEIRO DE PARAPSICOLOGIA- 1997.

ABSTRACT

O autor procura fixar-se numa postura científica de uma disciplina e defende o observador treinado nos princípios básicos dessa disciplina que observará o fenômeno estritamente em con­cordância com a conceituação defendida, independente de suposi­ções ideológicas.

INTRODUÇÃO:

O autor examina um assunto para o qual os para- psicó­logos são surpreendidos e até mesmo envolvidos. Uma postura atenta para os fundamentos da metodologia científica faria verificar se sua posição é equivocada e, em estando certa esta suposição, passar a rever a sua atitude de análise e estudo.

Numa aula, surgiu um debate muito interessante que serve para afirmar conceitos na utilização prática da metodologia científica, O assunto foi gratificante para o orientador dos estudos que o debate proporcionou. O debate também envolveu alguns te­mas populares ideológicos, aqui não relatados.

FENOMÊNOS E SINAIS IDENTIFICADORES

O primeiro interesse é o do encaminhamento para uma linguagem adequada e que se revista do conceito de objeto de estudo: o fato.

0 fato é, e se esgota como tal.

A descrição do fato o transforma em um fenômeno. Com efeito, um fenômeno implica tudo o que pode ser percebido

pelos sentidos ou pela consciência. O fato é o acontecimento ao qual o sujeito se relaciona para o conhecer. A postura do observa­dor diante de um fato define o tipo de conhecimento que irá assi­milar. Desde uma visão científica, o observador não é um simples espectador, mas um examinador que se orienta para o cumpri­mento de uma tarefa determinada dentro de uma ciência. Tem um propósito a cumprir: a descrição, ou o relato de acordo com os conceitos, definições e princípios da ciência do interesse! apropri­ado, a fim de ser compreendido por seus leitores.

Todo ato de conhecimento envolve uma tríade: o sui- eito ou uma consciência cognoscente, o objeto, ou aquilo que o sujeito se dispõe conhecer e a imagem que representa uma rela­ção de identificação entre o objeto e o sujeito.

O sujeito deve ser treinado para a observação dos fatos. O observador treinado saberá identificar e assimilar o fato e formulará uma imagem enriquecida de detalhes lógicos ordenados que o capacitará a exercitar um relato suficientemente esclare­cedor do fenômeno. Na falta dessa identificação, a assimilação do fato não ocorre (o fato não é percebido) ou, se o for, estaremos diante de uma imagem distorcida e de um relato equivocado.

O sujeito irá relacionar-se com o fato através da ima­gem construída pela consciência do, e pensamento no fato. O su­jeito cognoscente implica o objeto. O eu – o observador – o sujeito cognoscente implica o fato objeto – tanto mais de­talhadamente (e diferenciadamente) quanto mais clara­mente pensa a sua imagem. “Quanto mais pensarmos no fato, mais nos parecerá surpreendente”, é uma boa afirmação de Karl Jasper (Introdução ao Pensamento Filosófico p. 36, Ed. Cultrix, São Paulo, 1971).

Nicolau Hartmann, em Fundamentos de uma Metafísica do Conhecimento, coloca magistralmente (Análise do Fenômeno Conhecimento) na estrutura do conhecimento uma relação entre o sujeito e o objeto que é pertinente à própria essência do conheci­mento “Ser sujeito é inteiramente distinto de Ser Objeto”.

Continua Hartmann, “a função do sujeito consiste em apre­ender o objeto. Vista do lado do Sujeito, esta apreensão apresenta- se como saída do sujeito para fora de sua pró­pria esfera, uma invasão da esfera do objeto e uma coleta de uma coleção das propriedades deste. No sujeito surge algo que contém as propriedades do objeto, surge uma imagem do objeto”. Resumindo o pensamento do autor citado, “há uma determinação” de uma consciência cognoscente que apreende as propriedades do seu objeto. “O determinado é o sujeito e o determinante é o objeto através de sua ima­gem”. Esta imagem é objetiva, na medida que transporta ao sujeito os traços apreendidos do objeto”.

Essa imagem será descrita, relatada e pensada pelo agente psi.

Existe uma citação, de diversos cultores, ao livro de Johannes Hessen (Teoria do Conhecimento, Ed. Armênio Amado, Coimbra, 1970) o qual divide os objetos em reais e ideais. “Reais são os objetos reconhecidos pela experiência externa ou in­terna, ou dela se infere …” “Os objetos ideais apresentam- se como irreais, meramente pensados”. Em resumo Hessen conceitua:

“O conhecimento sensorial é comum ao homem e aos animais e ambos apreendem o fato, a coisa sob ob­servação, em sua simplicidade concreta”.

“O conhecimento intelectual atinge as imagens sensoriais através do fenômeno, a descrição da coisa em si, por meio de definições e relações ideais. Somente o ho­mem é capaz de elaborar ideias transcendentes, de definir, conceituar, generalizar e abstrair

IDENTIFICAÇÕES EQUIVOCADAS

A atitude científica é a disposição que se adequa à se­riedade comportamental em qualquer trabalho científico. Resulta em um esforço continuado cujo propósito é de cultivar o conhe­cimento intelectual em situações de análise e crítica dos fenôme­nos, de acordo com a metodologia científica adequada à ciência estudada.

Não se toma difícil deduzir que o observador terá de ser coerente, fundamentalmente quando se trata de elaborar pen­samentos consistentes com os conceitos e definições de uma de­terminada Ciência. Em caso de contradições, irá circular por situ­ações equivocadas, incoerentes e inconsequentes.

Na observação de um fato, o observador parapsicoló­gico deve estar treinado para embasar-se nos fundamentos da pa- rapsicologia como ciência. Um dos conceitos fundamentais da pa- rapsicologia reside na aceitação de que o agente psi é o indiví­duo deflagrador do fenômeno paranormal. Não pode, por­tanto, pesquisar o fenômeno aceitando hipótese do indivíduo ser um “médium”, isto é, medianeiro de uma “entidade espiri­tual”, o espírito quer de um morto, quer de pessoa viva.

Na descrição do fato, isto é, no discurso fenomênico, não caberá outra interpretação senão a parapsicológica, de que o fato seja manifestação do próprio indivíduo, o agente psi, do qual se retira imagem concretizada através de seu produto, isto uma pin­tura, uma mensagem escrita, uma composição musical, etc.

Tomamos esses produtos que são mais frequentes: a psicopictografia, modalidade criptomnésica, expressa pela pintura de quadros do agente psi. As condições da pintura em si podem ser examinadas através de traços e de sua métrica (distâncias entre pontos, traços e faixas de cores) pela velocidade de execução, etc. Muitos agentes utilizam de ambas as mãos, e mesmo os pés, tor­nando mais intrigante e rápida a execução do desenho ou pintura. O agente gosta de apor uma assinatura atribuída geralmente a um autor “morto”. Esse é o detalhe não parapsicológico, mas tão-somente ideológico, mediúnico ou religioso. Se o pintor morto é famoso, sua assinatura é identificável pelas obras deixadas ao tempo em que foi vivo e se os traços métricos são repetidos, não importam a uma análise parapsicológica, uma vez que não cabe a esta última a questão da sobrevivência daquele “autor”. Essa é uma pseudo questão do observador que se encontra misturando princí­pios científicos com ideologias. Geralmente, de boa-fé, o agente psi aceitou a sugestão de apor uma assinatura de acordo com um “estilo” da obra produzida. Esse “estilo” pode ser resultante de um aprendizado de fundo imitativo inconsciente. Se o agente é um indivíduo que fora do transe não pinta, ou não executa um trabalho de pintura na rapidez que lhe é observada quando operando, já se identifica uma manifesta paranormalidade, com poucos ou um conjunto de observações.

Outros casos que envolvem “assinaturas” se encon­tram nas modalidades criptomnésicas da psicografia e psicomusi- cografia, em que o observador parapsicólogo cai na armadilha do equívoco ideológico de “pesquisar” o cunho de veracidade da identificação da assinatura do “autor morto”. Aos religiosos pode interessar a testificação da identidade e da assinatura, ou repeti­ção do estilo, a fim de garantir o valor religioso da revelação da mensagem da autoridade morta através de um médium, o indiví­duo observador. Mas não é esse o objeto da parapsicologia.

Valter da Rosa Borges (Manual de Parapsicologia, p. 135, Ed. I.P.P.P., Recife, 1992) emite sua opinião: “A imitação, aliás, é também um fenômeno social e psicológico. Somos ensinados imitar os exemplos consagrados pela nossa cultura como também nos inclinamos a imitar as pessoas, que admiramos”. E logo a seguir: “Mas em alguns casos, essa imitação pode ocorrer em nível inconsciente. Este mime- tismo inconsciente e que podemos denominar de mime- tismo psi pode constituir uma explicação para a criativi­dade psi, nos casos de psicografia literária, de psicopictografia e de psicomusicografia”.

O pseudo problema da identificação de autores de múltiplos estilos também não merece atenções especiais, uma vez que sob a grande rapidez das execuções dos traços, estes são executados errática ou caoticamente. Nem por isso poderemos di­zer que estamos diante de um agente paranormal.

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