O Paranormal e o Transcendental: Fronteiras Entre a Parapsicologia e a Transcendentologia

VALTER DA ROSA BORGES

 

Certos fenômenos paranormais estudados pela Parapsicologia e outros tidos por milagrosos, observados em todas as religiões, transgridem as leis da realidade física e ultrapassam a capacidade normal do ser humano. Tais evidências nos permitem especular sobre a existência de um outro nível da realidade a qual podemos denominar de realidade transcendental.

Parece-nos sensato admitir que aqueles fenômenos insólitos que não possam, razoavelmente, ser atribuídos ao psiquismo inconsciente do ser humano, devem ser considerados como indícios da interferência de um agente transcendental o qual foi identificado, pelas diversas religiões, como anjos, demônios, espíritos da natureza e espíritos dos mortos.

A Parapsicologia, instituindo-se como ciência, procurou humanizar o insólito, atribuindo a aptidões humanas ainda desconhecidas a causa única de tais fenômenos. O avanço científico e tecnológico, como um todo, vem favorecendo esta tarefa da Parapsicologia, minimizando a explicação transcendental, visto que alguns fenômenos paranormais já podem ser voluntariamente obtidos em laboratório.

Porém, ainda não existe, entre os parapsicólogos, um consenso comum para definir o conceito de paranormal, principalmente porque ainda não sabemos determinar o que é normalidade e quais os seus limites. Empiricamente, porém, distinguimos um fato normal de um acontecimento insólito, visto que normal é, para nós, tudo aquilo que é habitual, previsível e até mesmo, em certos casos, controlável. Tudo o que é insólito nos assusta ou incomoda, porque perturba as nossas expectativas e nos priva, ainda que temporariamente, da segurança que nos proporciona o conhecido. Mas, o insólito, paradoxalmente, também fascina por descortinar novas modalidades do real, rompendo com a rigidez de certos determinismos.

A atitude de certos parapsicólogos tem sido radical: ou explicam todos os fenômenos insólitos pelo psiquismo inconsciente ou negam a realidade daqueles que não cabem nesta hipótese, atribuindo-os à fraude, às deficiências da pesquisa ou ao misticismo do pesquisador. É evidente que todos os fenômenos paranormais são insólitos, mas nem todo fenômeno insólito é paranormal.

Apesar de todas as conquistas da investigação parapsicológica, uma parte significativa dos fenômenos paranormais permanece inabordável pela metodologia científica, sendo manifestamente insatisfatória a sua explicação por aptidões desconhecidas do psiquismo inconsciente, principalmente porque o conceito de inconsciente é extremamente vago na Psicologia como na Parapsicologia.

A Parapsicologia é a ciência que tem por objeto o estudo e a pesquisas de fenômenos incomuns atribuíveis ao seu psiquismo inconsciente. E, na sua condição de ciência, ela não tem competência para tratar de questões que não dizem respeito ao universo científico, como a sobrevivência post-mortem do homem, a comunicação entre vivos e mortos, a reencarnação e outros questões de natureza metafísica. A ciência, como uma modalidade gnosiológica, não abrange a investigação da realidade como um todo. Por isso, o que não é científico não é irreal e, conseqüentemente, pois, se assim o fosse, outros tipos de conhecimento, como o empírico, o filosófico e o religioso não teriam qualquer validade.

Os veementes indícios de uma realidade não física e a necessidade de uma abordagem unificada e abrangente da mesma nos levou a criação de um novo ramo do conhecimento a que denominamos de Transcendentologia.

A Transcendentologia não é uma ciência, uma filosofia ou uma religião, mas um  conhecimento interdisciplinar que tem por objeto a investigação de uma possível Realidade Transcendental e, para isso, ela se utiliza da metodologia científica, da especulação filosófica e das experiências místicas e mediúnicas na investigação de fenômenos que sugerem a existência deste outro nível da realidade.

A Transcendentologia, como estudo da experiência humana do transcendental, vale-se dos subsídios experienciais de santos, místicos, gurus, médiuns e xamãs, sob as mais diversas formas de suas manifestações, para elaborar especulações e reflexões sobre as coincidências significativas das experiências transcendentais. Examina, também, as diversas concepções religiosas sobre o mundo espiritual, destacando convergências e analisando criteriosamente as divergências, observando, ainda, as influências dos fatores socioculturais e históricos.

Para iniciar esta experiência pioneira, realizamos, no período de 17 e 18 de abril deste ano, no Mar Hotel, no Recife, o I Seminário Internacional de Pesquisas Psíquicas e Transcendentais, onde, na oportunidade, lançamos a proposta da Transcendentologia e fundamos a Sociedade Internacional de Transcendentologia, cuja ata de fundação foi assinada por dezessete brasileiros e um norte-americano. E, meses depois, publicamos, pelas Edições Bagaço, o livro “A Realidade Transcendental: Uma Introdução à Transcendentologia”, cujo lançamento ocorreu no dia 11 de setembro do corrente, na sede daquela editora.

Preliminarmente, se faz necessário estabelecer as fronteiras entre o paranormal e o transcendental, definindo os seus respectivos domínios fenomenológicos. Essa tarefa de distinguir o transcendental do paranormal é mais árdua do que a de distinguir o paranormal do normal. É quase sempre difícil estabelecer essa distinção, pois não existe um critério confiável para determinar uma clara fronteira entre as duas ordens de fenômenos. Por isso, adotamos o critério da razoabilidade, o qual consiste em declarar que um fenômeno insólito é transcendental quando ele não pode, razoavelmente, ser atribuído a ação do psiquismo inconsciente.

Na pesquisa transcendentológica, procuramos, inicialmente, determinar se um dado fenômeno insólito é de natureza paranormal ou transcendental.

O paranormal é o normal incomum. Embora contrarie o paradigma científico da realidade, ele ainda pertence ao universo hominal, situando-se nas fronteiras das potencialidades humanas.

Paranormal, portanto, é todo fenômeno insólito que possa ser razoavelmente atribuído à mente humana, operando em nível superior às suas aptidões habituais.

Transcendental é o fenômeno insólito que ultrapassa o paranormal e, por isso, não é satisfatoriamente explicável pelas potencialidades da mente humana.

É imperiosa necessidade de se demarcar, teoricamente, os limites operacionais do inconsciente nas suas manifestações paranormais. Mas, como ainda não sabemos os limites da capacidade humana, só podemos estabelecer, teoricamente, os parâmetros razoáveis desta capacidade. O poder ilimitado do inconsciente, defendido por alguns parapsicólogos, não passa de uma hipótese metafísica e, portanto, incompatível com a natureza científica da Parapsicologia.

Mas, até aonde vai, realmente, o poder do nosso psiquismo inconsciente? Simplesmente porque não conhecemos os seus limites, não devemos tratá-lo como se fosse uma instância humana praticamente dotada de onisciência e onipotência. Um inconsciente que sabe tudo e pode tudo é, a bem da verdade, uma réplica ou sucedâneo de Deus.

A Parapsicologia, por ser uma ciência, não pode lidar, por isso, com hipóteses metafísicas, e só lhe compete atribuir ao homem a causa exclusiva dos fenômenos paranormais.

Todavia, ela não deve apenas afirmar que o inconsciente é a causa daqueles fenômenos, mas comprovar experimentalmente esta hipótese, mediante a utilização de técnicas e procedimentos estritamente científicos. Para isso, é necessário que ela demonstre que o agente psi confiável – APC -, ou seja, aquela pessoa habitualmente manifesta fenômenos paranormais, possa produzir voluntariamente alguns deles. Porém, são raríssimos os fenômenos paranormais que ocorrem em tais condições e, assim mesmo, a sua magnitude é enormemente inferior àqueles que acontecem espontaneamente e, em alguns casos, contra a vontade do APC.

Alguns fenômenos paranormais não são, até agora, cientificamente explicáveis pelo psiquismo inconsciente e nem sempre a inteligência e a intencionalidade, que os dirigem, podem ser, razoavelmente, atribuídas às aptidões incomuns da mente humana. Seria, na verdade, um evidente excesso de antropomorfismo admitir que o homem, a nível inconsciente, possua conhecimento de leis e manipule forças ainda desconhecidas da ciência.

Há, no entanto, fenômenos insólitos que podem ser explicáveis tanto pela Parapsicologia como pela Transcendentologia.

Se existe um paradigma científico para a investigação da realidade física, é de fundamental importância a tentativa de se elaborar um paradigma  para o estudo da realidade transcendental, utilizando subsídios das mais diversas áreas do conhecimento humano.

A Transcendentologia se apoia nos seguintes postulados:

  1. a) A realidade transcendental, sendo não física, é ininteligível pelas leis que governam a realidade física;
  2. b) A realidade transcendental é povoada por seres transcendentais ou STs, que possuem uma natureza diferente da nossa e por seres humanos transcendentais ou SHTs, que são os espíritos das pessoas falecidas.

Em algumas ocasiões, os STs e os SHTs entram em relação com a nossa realidade física, utilizando-se dos mais diversos meios, como o êxtase dos santos e dos místicos e as manifestações mediúnicas de médiuns e xamãs.

A rigor, as evidências do transcendental são mais fortes do que as da sobrevivência post-mortem do ser humano. Por isso, algumas religiões do passado concebiam o universo transcendental povoado de deuses e outros seres espirituais e não de espíritos de pessoas falecidas.  A realidade transcendental, portanto, pode existir independentemente da sobrevivência post mortem do homem.

A Transcendentologia postula que a vida não é apenas um fato biológico, mas transbiológico e que, em ocasiões especiais, existe uma interação entre os seres vivos ou biológicos e o seres transvivos ou transbiológicos.

A investigação parapsicológica tem evidenciado que há, no ser humano, um elemento não físico capaz de agir sobre a matéria, produzindo os fenômenos de psi-kapa. Este elemento não físico parece exercer uma ação autônoma em relação ao organismo com o qual se relaciona, o que leva à inferência de que ele não seja afetado pela morte do corpo físico. É possível, no entanto, que esta aparente ação autônoma do elemento não-físico seja apenas funcional, extinguindo-se, assim, com a morte do organismo.

A Transcendentologia postula que o homem, após a sua morte, se converte num tipo de ser transcendental, a que denomina de ser humano transcendental ou SHT e que, nesta condição, guarda resquícios do ser que já foi, revelando a conservação de um fator sobrevivente ou FS.

Para se investigar se um fenômeno insólito é produzido por um SHT, é necessário que, por intermédio deste meio de comunicação com o mundo material, ele utilize o seu FS, fornecendo informações a respeito de si mesmo e que sejam passíveis de comprovação e refutação.

Assim, só podemos constatar a continuidade do ser humano na condição de SHT, com fundamento no seu FS, ou seja, no que ele foi e não no que ele é, pois o que ele é, é inverificável. O SHT, na sua comunicação, terá, pois, de revivenciar o ser humano que foi e talvez nem sempre seja feliz nesta empresa, traído por falhas de sua memória.

É difícil identificarmo-nos com o que já não somos, pois não podemos pensar e sentir como a pessoa que, há muitos anos, deixamos de ser. Por isso, em relação ao nosso mundo, o FS é o ontem que não mais existe, pois o SHT é outra identidade que não conhecemos e nem podemos conhecer, pois habita uma realidade diferente da nossa. Logo, o SHT não pode comunicar-nos o que ele é, mas o que ele foi, o seu FS, e, mesmo assim, nem sempre com a fidelidade desejável para o seu reconhecimento. Por viver num mundo fundamentalmente diferente do nosso, ele nunca nos poderá fornecer uma noção satisfatória do mesmo, ainda que usando de metáforas.

Como nada é imutável na natureza, a personalidade também não o é. Logo, o SHT, mesmo que conserve parte da personalidade que morreu, poderá modificar-se, depois de algum tempo, radicalmente, em razão de sua permanência em outro nível da realidade. Com a extinção total do FS, o SHT passará assim a ser um novo ser e, nesta condição, nada mais terá em comum com a pessoa que faleceu.

As experiências de memória extracerebral sugerem que o SHT pode retornar à vida física como ser humano, conservando o seu FS de algumas vidas passadas. O que se questiona é se todos os SHTs voltam uma vez ou várias vezes à condição humana e se aqueles que retornam, (pois não se sabe se todos retornam) preservam o seu FS, ao menos de sua última vida passada.

Na pesquisa do SHT, procura-se investigar não apenas se ele ainda guarda lembranças do ser humano que já foi, mas se ainda mantém interesse em relação aos seres e coisas do mundo material com os quais interagiu, quando era fisicamente vivo. É possível que a grande maioria dos SHTs não tenha esse interesse, pois, afinal, para que eles deveriam provar que continuam sendo a pessoa que morreu, se eles agora são um novo ser?!

Muitas pessoas que passaram pela experiência da quase-morte ou EQM afirmaram que perderam seu interesse pela vida material e desejavam não mais voltar à vida física.

Embora evidenciada a existência do FS no SHT, deixamos em aberto a discussão do problema da existência do FS em animais, conforme relatos de algumas comunicações mediúnicas e de experiências xamânicas.

Aqui, devemos lembrar a distinção entre agente psi e o mediador biológico ou MB. O agente psi é a pessoa que manifesta fenômenos paranormais e o mediador biológico é aquela que constitui o meio orgânico pelo qual os SHTs agem sobre o universo físico, produzindo fenômenos transcendentais. Por conseguinte, a Transcendentologia lida com os MBs por ser um dos elementos fundamentais para a investigação da RT.

Na terminologia transcendentológica, não se fala, portanto, de comunicações mediúnicas entre vivos e mortos, mas entre seres humanos e SHTs.

As informações fornecidas pelo agente transcendental sobre a realidade transcendental não são adequadas à investigação científica, pois não há como comprová-las ou refutá-las. No entanto, é o material de que dispomos, apesar de sua complexidade e pouca confiabilidade, para elaborar um modelo, mesmo precário, da realidade transcendental.

No século passado, Allan Kardec havia advertido que os Espíritos (ou SHTs, na terminologia transcendentológica) não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral e que todo saber de que dispunham se circunscrevia ao seu grau de evolução. Portanto, tudo o que eles diziam tinha o valor de uma opinião pessoal. E cautelosamente ressaltou que a possibilidade e exatidão das comunicações não dependiam do médium nem do Espírito.

Aksakof asseverou que as comunicações mediúnicas não nos podem dar noção alguma razoável acerca do mundo espiritual e de seus habitantes, pois o mundo transcendental é uma concepção tão incomensurável  para o mundo fenomenal quanto a idéia da quarta dimensão. Por isso, disse ele, não podemos formar qualquer juízo a seu respeito.

A investigação transcendentológica, no entanto, admite a possibilidade de se elaborar um modelo unificado e coerente da realidade transcendental, não como dogma religioso, mas como paradigma epistemológico, suscetível de desdobramentos, aprofundamentos e revisões, em face da própria dinâmica da realidade.

Não há como repetir fenômenos insólitos com determinado SHT. É o conjunto das manifestações dos SHTs que demonstra a sua constância e consistência significativas. Cada manifestação do SHT é um fenômeno singular, autônomo, irrepetível.

A repetibilidade objetiva da metodologia científica é substituída, na Transcendentologia, pela repetibilidade subjetiva das experiências transcendentais coincidentes. Não é, portanto, a repetibilidade do fenômeno na mesma pessoa, mas a sua repetibilidade em pessoas diferentes.

Allan Kardec já havia advertido que os Espíritos só se comunicam, quando querem ou podem, e que nenhum médium tem o poder de forçá-los a se apresentar.

Embora o SHT não seja controlável, é possível estabelecer  condições em que ele possa melhor ser observado. Se não podemos prever, controlar ou repetir as manifestações de um SHT, podemos, no entanto, em alguns casos, observar satisfatoriamente a sua ação e comprovar o seu FS.

Aplicamos o princípio da navalha de Ockam na investigação transcendentológica e estabelecer que a explicação que a explicação parapsicológica deve prevalecer sobre a transcendental. Ou seja, um fenômeno insólito só deve ser admitido como transcendental, quando não puder ser razoavelmente explicado pela Parapsicologia. Todavia, a hipótese da Super-Psi, que atribui poderes praticamente ilimitados ao psiquismo inconsciente, não pode prevalecer sobre a explicação transcendental, porque, além de sua natureza metafísica, ela jamais será empiricamente comprovada. Na verdade, a investigação transcendentológica começa onde termina a investigação parapsicológica.

Por não ser uma ciência, a Transcendentologia não se propõe a comprovar cientificamente suas hipóteses, mas poderá aplicar a metodologia científica na investigação de fenômenos transcendentais passíveis desta abordagem.

Se marchamos para uma teoria unificada da realidade física, não podemos excluir, desta tentativa de unificação, a realidade transcendental por mais complexa que ela seja.

Para contraditar a hipótese transcendentalista, teríamos de admitir que todos MBs possuem uma extraordinária habilidade teatral de imitar, com convincente realismo, pessoas falecidas que eles não conheceram, quando vivas, recolhendo da mente de outras pessoas, por telepatia, o material mnemônico para esta dramatização. Por isso, Alan Gauld asseverou que existe um abismo entre acumular conhecimento factual sobre um falecido e    desenvolver a habilidade de fazer imitação realista dele.

A credibilidade dos pesquisadores e a análise crítica de cada caso fornecem subsídios valiosos para uma maior e mais profunda compreensão deste canal de comunicação entre os seres de realidades diferentes.

Como indício indireto da permanência de um FS, na transformação do SHT num novo ser biológico, podem ser mencionados os casos de xenoglossia não personificativa e de aptidões artísticas extremamente precoces.

As experiências da quase morte ou EQMs, em alguns casos, podem fornecer indícios significativos da RT, assim como de SHTs que lá se encontram. E as experiências fora do corpo ou EFC, principalmente em sua forma voluntária, sugerem a independência da mente em relação ao corpo físico e de possíveis viagens a regiões do universo transcendental.

Admitida a existência da realidade transcendental, temos de discutir como uma realidade não-física pode interagir com a realidade física, já que ambas possuem  propriedades tão diferentes.

A discussão suscita o problema da relação mente-cérebro. Se a mente não é um epifenômeno do cérebro, mas uma estrutura não física, temos de convir que a mente é a constatação da existência de uma realidade não-física.

  1. B. S. Haldane argumentou que, se as nossas opiniões são resultados dos processos químicos do cérebro, elas são determinadas pelas leis da química e não da lógica. Talvez um intransigente reducionista pudesse contra-argumentar, afirmando que os processos lógicos também resultam das atividades bioquímicas do cérebro.

Para Wilder Penfield, o mais alto mecanismo cerebral não passa de um mensageiro entre a mente e outros mecanismos cerebrais. E exclama que é um grande emoção descobrir que o cientista também pode, legitimamente, acreditar na existência do espírito.

Alguns cientistas já admitem que a mente não tem localização no espaço e no tempo, é não-física e, por isso, seu efeito não diminui com a distância, não está confinada ao cérebro, nem é produto dele, embora atue por seu intermédio.

A mente não é um epifenômeno do cérebro. Humberto Maturana e Francisco Varela, em acordo com o pensamento de Gregory Bateson, admitiam uma identificação entre o processo do conhecer e o processo da vida. Segundo Maturana e Varela, o cérebro não é necessário para que a mente exista. A bactéria e a planta não têm cérebro, mas possuem mente. A mente é um processo de cognição e o cérebro, uma estrutura específica onde este processo opera, embora o cérebro não seja a única estrutura onde a mente atua.

Steven Weinberg reconheceu a impossibilidade de trazer a consciência para o âmbito da física e da química.

A mente é o modelo organizacional da matéria. Ela não é o resultado da complexificação do cérebro, mas o cérebro é a estrutura onde a mente melhor se expressa.

Não sabemos como a mente age sobre o organismo e, ainda muito menos, sobre o mundo exterior, como acontece nos fenômenos de psi-kapa, e, por isso, apenas conjeturamos como um ser não físico pode agir sobre o universo físico. Podemos postular que a relação matéria e mente seja a mesma entre matéria e energia. Matéria não seria apenas energia, mas também mente congelada. Ou será que, na verdade, mente, energia e matéria formam uma trindade, interagindo entre si em conversões recíprocas?

David Bohm, entrevistado por Renée Weber, admitiu que talvez a consciência seja uma forma mais rarefeita de matéria e movimento, um aspecto mais sutil do holomovimento. Isto posto, é admissível que um SHT possa influenciar, telepaticamente, a mente de um médium, induzindo-a a agir sobre o seu próprio organismo ou sobre o mundo exterior, exercer uma ação sobre o universo físico, utilizando a energia orgânica do médium, ou, ainda, agir diretamente sobre a matéria.

  1. B. Rhine admitiu que a telepatia e a psicocinesia constituem o meio de comunicação entre os seres da realidade física e da RT.

Na concepção religiosa, a comunicação entre os dois mundo se processa através dos estados alterados de consciência, ou de maneira mais ostensiva, nos fenômenos de “incorporação” ou de “possessão”. Não há, na verdade, uma “incorporação” ou mesmo “possessão”, pois não se trata de ocupação de um corpo, mas de uma conexão com o mesmo. A mente não pode ocupar o corpo, pois o que é não-físico não pode ocupar um lugar no espaço, no caso, o organismo. Não sabemos, ainda,  como a mente se interconecta com o corpo e, por isso, também ignoramos como outra mente pode fazê-lo, estabelecendo duas conexões simultâneas.

Podemos teorizar que, quanto menor se torna esta conexão, mais a mente se “afasta” do corpo e tem menos ação sobre ele e, consequentemente, sofre menos a sua influência. Neste estado, a pessoa perceberia, superpostamente, a realidade física e a realidade espiritual como se fosse uma só, observando, ao mesmo tempo, seres humanos e SHTs. No extremo deste “afastamento”, ela não mais perceberia a realidade física, mas apenas a transcendental e, assim, em algumas situações, teria a impressão de que morreu.

A clarividência evidencia que o agente psi pode conhecer, diretamente, um fato do mundo físico, sem a utilização dos sentidos. Ora, por que não poderia o SHT também conhecer, diretamente, acontecimentos do mundo físico, se este ato cognitivo não depende da percepção sensorial?

As aparições de mortos não constituem uma evidência de que o SHT pode transitar em nosso universo físico.

Se à luz da Parapsicologia a aparição é uma representação simbólica de uma interação telepática alucinatória entre duas pessoas vivas, podemos argumentar que, sob a ótica da Transcendentologia, o fantasma pode ser:

  1. a) a resultante alucinatória de uma interação telepática entre o SHT e uma pessoa física;
  2. b) a percepção transcendental de um SHT, dando a impressão ao percebedor de que ele se encontra em determinado lugar do nosso universo físico.

O SHT não se encontra fisicamente em nosso mundo. Ou nós o percebemos, por um processo de alucinação visual telepática, como se estivesse em algum lugar do espaço, ou o observamos em seu universo não-físico, mediante uma possível percepção transcendental.

Na prática, há uma extrema dificuldade de se distinguir se é a mente de uma pessoa que, a nível inconsciente, está produzindo fenômenos psi, ou se é o seu inconsciente que está sendo manipulado por um SHT.

Parece evidente que a mente, quando ainda está vinculada ao universo físico, sofre a sua influência e está submetida às suas leis. Ora, se não sabemos o que é mente, na sua interação com organismo biológico, também ignoramos o que ela seja, uma vez desligada definitivamente do universo físico e em seu habitat natural.  Portanto, não podemos avaliar a capacidade do desempenho do SHT nas suas relações com o universo material.

Porque vivemos num universo material, temos a propensão de tentar explicar todos os fenômenos psíquicos à luz das leis da Física ou como alterações bioquímicas do cérebro.

Podemos, metaforicamente, falar num espaço da consciência, mas não da consciência ocupando um lugar no espaço. Podemos observar indiretamente a ação psíquica por seus efeitos sobre os organismos e a matéria em geral, como também mensurá-los. Na verdade, tratamos a consciência como se fosse algo físico para torná-la inteligível no universo sensorial, embora saibamos que se trata apenas de um recurso analógico, de uma estratégia pedagógica, de um expediente simbólico. E, por isso, falamos em peso da consciência, em consciência leve ou pesada. Afinal, qual é a forma, a cor, o aroma, a contextura da consciência? O poeta poderá melhor compreendê-la com as suas metáforas do que o cientista com os seus instrumentos de medição. Aliás, também os cientistas se dão ao luxo de usar metáforas, quando definem cor e sabor nos quarks. A rigor, qual a “materialidade” das partículas atômicas, fundamento da materialidade das coisas físicas?

Umas das questões fundamentais da Transcendentologia é a aptidão do SHT de agir sobre o universo físico. Por isso, poderemos questionar se o SHT:

  1. a) mantém as mesmas aptidões de agir sobre o mundo físico como o fazia quando era um ser humano;
  2. b) mantém estas aptidões, porém reduzidas e dependentes das condições mediúnicas de uma pessoa viva;
  3. c) apresenta aptidões maiores de agir sobre o mundo físico do que qualquer ser humano.

Não sabemos se um SHT tem um poder maior, menor ou igual ao que um ser humano possui de agir sobre o universo físico. Se, em determinadas circunstâncias, o SHT parece ter sua ação sobre o mundo físico submetida às condições mediúnicas de uma pessoa, em outras, demonstra um conhecimento superior e uma capacidade de ação que ultrapassam a de qualquer ser humano. Na verdade, os fenômenos transcendentais sugerem que o AT age sobre o nosso universo, utilizando-se de recursos e conhecimentos que nós desconhecemos. O que não sabemos é se o AT é um ST ou um SHT.

Ora, não sendo SHT uma mera continuidade do homem falecido, deve possuir características e aptidões próprias para interagir com o universo material. Logo, a assertiva de Bozzano de que o que faz um vivo deve fazer também um morto é questionável.

Infelizmente, até agora, as perguntas dirigidas a pretensos SHTs sobre estas questões não foram satisfatoriamente respondidas. Geralmente, eles explicam que apenas querem que certas coisas aconteçam e elas acontecem segundo o seu querer. O que eles não sabem é como isso funciona, o que não é de espantar, pois também não sabemos como certas coisas funcionam no nosso universo.

Se a Parapsicologia investiga as aptidões incomuns da mente humana em conexão com a realidade física, a Transcendentologia se propõe a investigar as relações dos seres humanos com os seres transcendentais e as interações destes com o universo onde vivemos. Assim, a Transcendentologia estuda tudo aquilo que ultrapassa o humano, mas que, em algumas ocasiões, interage com o humano, ampliando o nosso conhecimento da realidade como um todo.

 

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