Parapsicologia & Direito

Alguns fenômenos psi têm produzido consequências jurídicas e vem despertando o interesse em alunos do curso de Direito, suscitando debates entre advogados, promotores de justiça e magistrados.

 

Direitos autorais

 

O primeiro caso em que a Justiça brasileira foi chamada a decidir ocorreu no campo do Direito Civil, em 1944, quando a Sra. Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor Humberto de Campos, ingressou em juízo com uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e o médium Francisco Cândido Xavier, exigindo o pagamento de direitos autorais sobre as obras psicografadas por aquele médium e atribuídas a seu falecido esposo. Pretendia a suplicante que se declarasse judicialmente se as obras eram da lavra do espírito de Humberto de Campos e, em caso afirmativo, a quem pertenciam os direitos autorais. Na hipótese contrária a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier deveriam ser passíveis de sanção penal e proibidos de usar o nome de Humberto de Campos em qualquer publicação literária estando ainda sujeitos ao pagamento por perdas e danos.

Como era de se esperar, a ação foi julgada improcedente por sentença prolatada pelo Juiz de Direito, Dr. João Frederico Mourão Russel, sob fundamento de que o Poder Judiciário não é órgão de consulta para decidir sobre a existência ou não de um fato e, na hipótese dos autos, sobre a atividade intelectual de um morto.

Inconformada a autora recorreu da decisão, a qual, no entanto, foi mantida por seus jurídicos fundamentos, pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, tendo sido relator o Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa.

O nosso Direito Civil, no seu Artigo 10, estabelece que “a existência da pessoa natural termina com a morte” e, por conseguinte, não cogita da continuidade da pessoa física após a morte e praticando atos que gerem consequências jurídicas. Ainda que, um dia se prove, cientificamente, a sobrevivência post-mortem, terá o legislador que decidir se os atos praticados pelo espírito tenham ou não repercussão no mundo jurídico.

À luz da Parapsicologia, a atividade literária ou artística de um agente psi é a ele atribuída embora, em razão de sua crença espírita, alguns médiuns brasileiros, como Francisco Cândido Xavier e Luiz Antônio Gasparetto, entre outros, tenham declarado que seus trabalhos são de autoria de escritores e pintores falecidos.

Francisco Cândido Xavier psicografou obras literárias no estilo de mais de uma centena de escritores e poetas brasileiros e portugueses já falecidos, podendo-se destacar, entre eles, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimarães, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Emílio de Menezes, Guerra Junqueiro, João de Deus e Bocage.

Luiz Antônio Gasparetto psicopictografou quadros no estilo de Renoir, Toulouse Lautrec, Gauguin, Degas, entre tantos outros pintores.

 

Nesses casos, não há que se falar de plágio, pois não se trata de reprodução integral da obra dos intelectuais e artistas falecidos e nem também de adaptação da mesma. O fenômeno é um pastiche inconsciente, demonstrando a extraordinária capacidade criativa do agente psi de imitar os mais variados estilos, reproduzindo-os, de maneira vertiginosa, mediante processo de automatismo motor. O pastiche, por ser imitação de estilo, não é plagio e, com mais razão, se o pastiche é inconsciente. Não há plágio de estilo.

Por conseguinte, os direitos autorais das obras mediúnicas pertencem aos agentes psi que as produziram, ainda que eles se proclamem meros instrumentos dos Espíritos desencarnados, dada a inexistência de relações jurídicas entre vivos e mortos.

Em razão de sua crença espírita, segundo a qual as suas produções se originam de intelectuais e artistas desencarnados, não se aplica àqueles médiuns o disposto no Art. 185 do Código Penal, que define, como crime, “atribuir falsamente a alguém, mediante uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária científica ou artística”.

 

Mensagem mediúnica como prova em ação penal

 

No nosso Direito Penal, há três casos cuja decisão judicial se fundamentou em comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier nas quais os pretensos espíritos das vítimas de homicídio inocentaram os respectivos réus. Os casos são os seguintes:

 

  1. a) crime de homicídio, ocorrido em Goiânia de Campina, Goiás, no dia 8 de maio de 1976, praticado por José Divino Gomes contra Maurício Garcez Henriques.
  2. b) crime de homicídio, acorrido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 1º de março de 1980, praticado por José Francisco Marcondes de Deus contra a sua esposa Cleide Maria, ex-miss Campo Grande;
  3. c) crime de homicídio, ocorrido na localidade de Mandaguari, Paraná, no dia 21 de outubro de 1982, praticado pelo soldado da Polícia Militar, Aparecido Andrade Branco, vulgo “Branquinho” contra o deputado federal Heitor Cavalcante de Alencar Furtado.

 

No primeiro caso, o Juiz de Direito da 6ª. Vara Criminal de Goiana, Dr. Orimar de Bastos, absolveu o réu, sob fundamento de que a mensagem psicografada de Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, merece credibilidade e nela “a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado”.

No segundo caso, o advogado do réu, devidamente autorizado pelo Juiz, entregou aos jurados cópias de três mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier, nas quais o espírito da vítima afirmava que o seu esposo a matara acidentalmente. Por unanimidade, o tribunal do júri absolveu o réu, que, submetido a novo julgamento, após cinco anos, foi, mais uma vez, absolvido.

No terceiro e último caso, embora admitida como prova a mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, na qual o espírito da vítima inocentava o réu pelo tiro que deste recebera, o tribunal do júri, por cinco votos a dois, o considerou culpado, tendo o Juiz de Direito, Dr. Miguel Tomás Pessoa Filho, condenado o réu a oito anos e vinte dias de reclusão.

Em todos os três casos o procedimento processual foi equivocado à luz do Direito, e sem qualquer respaldo na Parapsicologia, por fundamentar-se numa hipótese extrajurídica e não científica, visto que a existência do espírito e sua pretensa interferência no mundo dos vivos não constitui matéria atinente a estas duas ciências.

Por conseguinte, a mensagem psicográfica apresentada, como prova, no processo penal, deveria ter sido apreciada à luz da Parapsicologia e não do Espiritismo.

 

Mensagens psicografadas

 

Ultimamente, tenho observado um inusitado interesse pelas mensagens mediúnicas em alunos que fazem o curso de Direito. Através do meu e-mail, venho orientando estudantes interessados pelo assunto e que visitam o meu site. Eles me indagam se essas mensagens são admissíveis como prova em Direito.

 

Estabelece o Código de Processo Civil, no Artigo 332:

 

Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

 

Apesar disto, alguns juristas alegam que, se o fim precípuo do processo é a descoberta da verdade, é admissível a prova ilegalmente obtida, desde que demonstre ao juiz a sua veracidade, embora reconheçam que aquele que cometeu o ato ilícito deverá responder criminalmente por ele. Ora, as mensagens mediúnicas não constituem ato ilícito, mas um produto das aptidões incomuns da mente humana.

 

Outros juristas, de modo contrário, sustentam que é preferível que um crime fique impune do que se outorgar eficácia à uma prova contra legem que o deslindou.

Formalismo exacerbado. E também estúpido.

 

Dispõe o Artigo 157, do Código de Processo Penal:

 

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.

 

Como no processo penal, não há hierarquia de provas, e o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação de cada uma delas, parece-me evidente a admissibilidade das mensagens psicografadas como prova documental, desde que se harmonize com o conjunto das provas produzidas.

Ressalte-se, ainda, que o elenco das provas admissíveis em Direito é apenas exemplificativo, pois, se não o fosse, seria um obstáculo para o exercício da ampla defesa.

Mas, se uma mensagem psicografada for a única prova produzida, deveria, por isso, ser rejeitada? Cuido que não, desde que apresente fatos que possam ser passíveis de investigação e comprovação.

Aqui, não se está discutindo se a mensagem psicografada se originou de uma pessoa falecida, pois não cabe ao Juiz pronunciar-se sobre questões transcendentais: a sobrevivência post-mortem não é uma questão jurídica. Portanto, sob esse aspecto, não se deve atribuir a autoria da mensagem psicografada a um Espírito, mas ao psiquismo inconsciente do psicógrafo. O cerne do problema é o reconhecimento jurídico de que a mente humana possui aptidões extraordinárias, capazes de tomar conhecimentos de fatos por meios não convencionais.

 

A percepção extrassensorial é um fato comprovado pela pesquisa científica no campo da Parapsicologia. Por que, então, o jurista se permitiria alhear-se a constatações de suma importância para o entendimento mais aprofundado do ser humano?

Isto posto, não interessa ao Juiz investigar como um “médium” consegue acesso a informações dessa natureza, mas sim a veracidade das informações para que elas possam ser consideradas elemento probatório.

Poder-se-ia contra-argumentar, alegando que a admissão desse tipo de prova, abriria um perigoso precedente para o abuso de cartas psicografadas em procedimentos judiciais. É uma probabilidade viável, mas que seria analisada em cada caso concreto. Ademais, por que se invalidaria essa prova, sob a alegação de seu possível abuso?

A prova é sempre uma questão delicada nas atividades policiais e judiciárias. Elas variam no que diz respeito ao grau de sua confiabilidade. A prova testemunha é a mais frágil de todas, pois a percepção do ser humano é afetada por fatores culturais e emocionais, entre outros. Os laudos periciais não estão isentos de falhas e os então famosos detectores de mentira podem ser burlados, nos seus resultados, por certos tipos psicológicos. Restam, então, as provas produzidas pelas impressões digitais e pelos testes de DNA. Até agora, eles não apresentaram falhas. Mas, quem pode garantir que, em todas as circunstâncias, eles sejam infalíveis.

Juristas e legisladores não podem dar-se ao luxo de desconhecer os avanços das ciências da mente, sob pena de esclerosar o Direito, tornando-o um instrumento obsoleto para atender, com a necessária precisão, as demandas sociais.

Se o psiquismo humano, como vem comprovando as pesquisas parapsicológicas, possui recursos cognitivos extraordinários, por que, então, excluir as informações fornecidas, por esse meio, na formação da prova judicial?

O ponto crucial, para a correta aplicação do direito, é a prova. Tudo o que se pleiteia, em Juízo, tem de ser provado. Nada se pode decidir sem prova. Como nada é absoluto, a prova em Direito também não o é. O que se espera é que ela seja verossímil e, portanto, capaz de formar a convicção do julgador.

Nenhuma prova em Direito pode ser considerada inatacável. Testemunhas podem deliberadamente mentir ou perceber um fato segundo seu interesse consciente ou inconsciente no caso, ou ainda ser afetada por seu estado emocional no momento da prática de um crime. As provas documentais podem ser forjadas, fotos são suscetíveis de manipulação, equipamentos eletrônicos não estão isentos de falhas, perícias nem sempre são confiáveis, os detectores de mentira não funcionam em pessoas de temperamento frio ou que sabem controlar suas emoções. É o conjunto de provas coerentes entre si que influem no julgamento, e nem mesmo a unanimidade é garantia de uma decisão correta. Se assim o fosse, não existiriam erros judiciários.

Em Parapsicologia, uma mensagem psicográfica não é atribuída a um Espírito, mas, sim, ao inconsciente do psicógrafo.  Logo, não se trata do depoimento de um Espírito, o que não teria qualquer valor comprobatório perante o Direito. Embora o médium espírita esteja crente de que se trata de uma mensagem do Além, a sua crença não importa na questão. O que importa é que a mensagem psicografada reforce as provas já produzidas ou traga indícios que possam ensejar uma nova interpretação do caso.

Uma só testemunha é prova suficiente para condenar uma pessoa que nega ter cometido um crime? Como ter certeza que a testemunha diz a verdade ou está equivocada? E, quando as testemunhas divergem entre si? Em qualquer dessas situações, deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo. Logo, a prova testemunhal nem sempre é confiável, e, assim, necessita de outro elenco de provas para validá-la.

A própria confissão do réu não é prova inatacável, pois ele pode estar sendo pressionado por meios físicos e/ou psicológicos para assumir a culpa. Ou simplesmente o réu se auto-acusa para proteger alguma pessoa.

Em passado não tão remoto, foram utilizados os mais terríveis modos de tortura para obrigar uma pessoa a confessar um ato que não cometeu, caracterizado como crime contra o Estado e heresia contra a Igreja. Hoje, a tortura se restringe aos porões da polícia e às prisões militares.

Do mesmo modo, não se pode inocentar ou condenar uma pessoa com fundamento apenas em mensagem mediúnica. A informação, nela contida, pode não ser verdadeira. E mesmo que o seja, ela não se sustenta sem a confirmação de outras provas.

A mensagem psicográfica, segundo a Parapsicologia, é de autoria do “médium” e não do Espírito e, sob esse enfoque, não se trata de um fenômeno mediúnico, mas parapsicológico. Pouco importa que os espíritas não aceitem esse fato e acreditem que se trate da manifestação de alguém já falecido. A questão, portanto, não é religiosa, mas científica e, portanto, trata-se de um documento que, por não ser ilícito, é admissível como prova em Direito.

 

Curas por meios paranormais

 

A atividade curativa por meios paranormais é muito frequente no Brasil e, em alguns casos, tem trazido dissabores legais para aqueles que a exercitam.

O caso, por certo, mais famoso, foi o de José Pedro de Freitas, conhecido por “Arigó”. Em 1957, ele foi processado e condenado por prática ilegal da Medicina, crime previsto no Art. 282 do Código Penal, mas não chegou a cumprir pena em virtude de perdão que lhe foi concedido pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek. Porém, em 1961, foi processado e condenado por prática de curandeirismo, conforme Art. 284, do Código Penal, a 16 meses de prisão. Cumpriu sete meses de prisão e foi posto, temporariamente, em liberdade, voltando, porém, dois meses depois, à cadeia. Cumprido mais este tempo, houve revisão do processo e ele foi julgado inocente.

Outro curandeiro, também processado por infração ao Art. 282, do Código Penal, foi Oscar Wilde, que teve a sorte de ser julgado e absolvido pelo Dr. Eliezer Rosa, Juiz de Direito da 8ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, sob fundamento de não encontrar crime a punir, visto que, no caso vertente, “faltam elementos que formariam a figura do curandeiro”. Igualmente com Oscar Wilde, foi absolvida a sua auxiliar, Danacé Gehrke.

Inconformado, o Ministério Público recorreu da decisão e a 1ª. Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, à unanimidade, deu provimento parcial ao recurso, condenando Danacé Gehrke à pena de seis meses de detenção, com base no Art. 282, do Código Penal, e decretando a extinção da punibilidade de Oscar Wilde em virtude de seu falecimento.

Finalmente, podemos reportar-nos ao rumoroso caso do médico e médium Edson Queiroz, que, indiciado em inquérito policial em São Paulo, no ano de 1983, como infrator dos Arts. 283 e 284, do Código Penal, teve o seu processo arquivado em virtude de parecer do Dr. Alberto de Oliveira Andrade Neto, Promotor de Justiça, que argumentou não existirem “provas seguras e demonstrativas de fraude por ele praticada”.

 

As pessoas têm o direito de ser curado por qualquer meio que não apenas o prescrito pela Medicina. A lei deve preservá-lo de ser vítima de charlatães que, não possuindo qualquer aptidão paranormal curativa, exerçam fraudulentamente esse tipo de atividade.

A esse respeito, O Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Djalma Lúcio Gabriel Barreto, em seu livro “Parapsicologia, Curandeirismo e Lei”, assim se posicionou:

 

“Desde o momento em que alguém pretendesse afirmar-se paranormalmente dotado, deveria submeter-se a testes formulados por comissão composta de médicos e parapsicólogos, no sentido de ser constatada a real existência de seus dotes. Para essa faixa de suas faculdades extraordinárias, se confirmadas, ser-lhe-ia então permitido o exercício, até profissional, das provadas potencialidades, sempre em colaboração com médico habilitado.”

 

Não é considerado tratamento por meio paranormal a utilização de objetos materiais capazes de produzir lesões físicas no paciente. Se, utilizando esse recurso, o curador provocar lesões corporais ou mesmo a morte do paciente, ele responderá, como já vimos, por crime culposo, ainda que alegue que se encontrava sob a direção de um “espírito” ao praticar o pretenso “ato cirúrgico”. O Direito não cogita de causas transcendentais e, por isso, não estende a coautoria de crimes a entidades abstratas como o “espírito”. O único autor do crime é o curador, pouco importando que, ao cometer o ato delituoso, estivesse em estado alterado de consciência.

O médium curador que habitualmente “incorpora” um “espírito” para realizar intervenções cirúrgicas, é penalmente responsável pelas consequências de seus atos, pois, nessa hipótese, se aplica o princípio do actio libera in causa. Isto quer dizer que o curador, ao entrar voluntariamente, em estado alterado de consciência com a finalidade de praticar um ato cirúrgico, para o qual não está legalmente habilitado, responde, portanto, pelos seus resultados. Pouco importa, no caso, a alegação de sua crença no “espírito cirurgião” e na sua competência para, por seu intermédio, realizar tais cirurgias. E a gravidade do delito ainda é maior se o curador for médico por permitir-se entrar em estado alterado de consciência, e praticar atos cirúrgicos sem a observância de regras técnicas.

No Brasil, alguns curadores espíritas, dizendo-se “incorporados” pelo “espírito do Dr. Fritz”, realizam atos cirúrgicos grosseiros, em flagrante desacordo com a ciência médica, pondo em risco a saúde de seus pacientes. Diga-se, de passagem, que essas “cirurgias do Além” são de um estarrecedor primarismo, numa demonstração de que a “medicina espiritual” está bastante atrasada em relação à medicina acadêmica. Esse procedimento aventureiro dos médiuns cirurgiões sem habilitação médica os sujeita às penas do Art. 132, do Código Penal, que define como crime “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente”. Ainda que o médium seja médico e até mesmo cirurgião, a sua atitude de realizar operações em estado alterado de consciência, sob o comando de um hipotético cirurgião espiritual, se constitui uma aberração profissional notoriamente quando os atos cirúrgicos se processam ao arrepio dos mais elementares princípios da Medicina. Num caso ou no outro, o médium cirurgião é passível de responder por infração ao Art. 132, do Código Penal.

Logo, se o médium-médico age inconscientemente, porque acredita estar sob o controle de um espírito, a sua fé particular não modifica a perspectiva médica e jurídica da questão. A sua ação inconsciente permitida se configura como negligência e imprudência. Portanto, se ocasionar lesão corporal ou mesmo a morte de um paciente, responderá por crime culposo.”

 

O atendimento terapêutico por meios não convencionais, tais como a prece a imposição de mãos, a “água fluidificada” e outros recursos sugestivos não constituem infração penal, desde que não substituam o tratamento médico do paciente, Afinal, o famoso “efeito placebo” é um recurso sugestivo episodicamente adotado pelos médicos e importa no reconhecimento explícito da cura por processo sugestivo e, portanto, puramente psíquico.

Nos Estados Unidos da América do Norte e em vários países europeus, os curadores exercem livremente a sua profissão, notadamente na Inglaterra onde existe, há mais de vinte anos, a famosa Federação Nacional de Curandeiros Espirituais, onde todo tratamento consiste na imposição de mãos e na cura à distância. Em muitos hospitais da Inglaterra, médicos e curadores trabalham juntos, sem que qualquer deles interfira na atividade do outro.

Além desses fenômenos psi, que provocaram a manifestação da justiça, poderemos especular sobre outros, passíveis de gerar responsabilidade no campo penal ou direitos e obrigações na órbita civil.

Se a mente humana exerce uma ação tão poderosa sobre o mundo exterior, parece-nos teoricamente possível que, por esse processo, uma pessoa possa influir sobre o organismo de outra, produzindo-lhe enfermidades e mesmo a morte.

Pode o agente psi produzir, por ação psi voluntária, lesão corporal ou morte de outra pessoa? Há um caso que confirma essa hipótese.

Segundo Henry Gris e William Dick, em 10 de março de 1970, um psiquiatra de Leningrado, tendo ouvido falar nas experiências de Nina Kulagina de influir psiquicamente no coração de um sapo, registradas pela eletrocardiografia, desafiou-a, por intermédio do Dr. Genady Sergeyev, a tentar a mesma experiência com ele.

Sergeyev organizou a experiência, colocando Kulagina e o psiquiatra sentados e afastados um do outro a uma distância de três metros, ligados a eletrocardiógrafos e devidamente observados por uma equipe médica.

Aproximadamente após dois minutos, o psiquiatra começou a apresentar sérias alterações cardíacas, evidenciando grande tensão emocional. A pulsação de Kulagina também se acelerou, mas a do psiquiatra subiu de maneira assustadora, apresentando risco de vida. Isso levou Sergeyev a interromper a experiência cinco minutos depois de seu início, temeroso de que o psiquiatra viesse a falecer.

Se é possível, por meio de uma ação psi, produzir uma alteração cardíaca capaz de levar à morte uma pessoa, torna-se plausível a hipótese de um agente psi responder criminalmente se produzir, por culpa ou dolo, um dano físico a outra pessoa.

Um agente psi pode, involuntariamente, destruir objetos ao seu redor. Eusápia Paladino, certa ocasião, num momento de súbita ira, reduziu a pedaços uma cadeira, mediante ação psi.

Uma ação psi denominada psicocinesia recorrente espontânea, mais conhecida por poltergeist resulta em danos materiais na casa onde o agente psi reside com os seus familiares. Mas, se, por exemplo, danificar um imóvel alugado. Teria o seu proprietário o direito de exigir do inquilino a reparação do imóvel, mesmo que ele não tenha sido o causador do dano? Poderia o agente psi ser responsabilizado também? Poderia o inquilino alegar caso fortuito ou força maior para eximir-se dessa responsabilidade?

 

Art. 163, do Código Penal define, como crime de dano, “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.”

 

Para ser responsabilizado pelo crime previsto no Artigo mencionado, seria necessário que o agente psi tenha, voluntariamente, criado as condições para deflagrar o fenômeno paranormal, com a firme intenção de causar dano a terceiro. Ora, geralmente o poltergeist é deflagrado por uma pessoa de menoridade, o que a isentaria de responsabilidade civil. Se fosse um adulto, como provar que ele, voluntariamente, produziu o poltergeist.

E se o poltergeist resultar em lesão corporal em terceiro? O agente psi responderá criminalmente por isso?

No Recife, o médico Gustavo Trindade Henriques descreveu, no livro que publicou recentemente, um fenômeno psi que ele presenciou, onde ele e outras pessoas foram atingidas por ovos oriundos de uma geladeira. Fezes também foram jogadas no corredor da casa e sujaram dois dos assistentes.

Ainda bem que foram ovos e fezes. E se fossem pedras ou outros objetos?

Se alguns paranormais, como Nina Kulagina e Stanislawa Tomczyk, produziram voluntariamente telecinesias, por que, então, um agente psi, em um poltergeist, não poderia atingir, mesmo inconscientemente, lesionar uma pessoa?

O biólogo Lyall Watson presenciou, na residência do curador José Mercado, na planície de Pangasinan, perto de Manilha, nas Filipinas, um interessante fenômeno de psi-kapa.

Eis o seu relato:

 

“José Mercado inicia suas consultas todas as manhãs, enfileirando os pacientes junto ao muro de tijolos do edifício onde trabalha. Em seguida vai caminhando ao longo da fila e, com o dedo indicador estendido, aplica no braço que lhe é oferecido uma de suas “injeções espíritas”. Em nenhuma ocasião ele se aproxima do paciente mais do que alguns centímetros, contudo cada um por sua vez sente uma picada na pele, sendo que aproximadamente 80% produzem uma pequenina mancha de sangue num determinado ponto.

Eu entrei na fila. Quando ele apontou seu dedo para meus bíceps e fez um movimento como se apertasse o êmbolo de uma seringa, senti uma dor penetrante localizada. Ao enrolar a manga para cima, notei um pequeno ferimento, igual ao que é habitualmente produzido por uma agulha, e uma gota de sangue. A camisa parecia estar completamente intacta.”

 

Lyall Watson, ainda não satisfeito, resolveu, no dia seguinte, fazer nova experiência.

Diz ele:

 

“Voltei na manhã seguinte, munido de um equipamento muito simples destinado a testar algumas das possibilidades inerentes à situação. Coloquei uma folha de polietileno dobrada quatro vezes sobre meu bíceps, amarrando-a com uma tira de borracha por baixo da minha camisa de algodão. Tornei a entrar na fila.

Mercado fez seu gesto habitual em minha direção a uma distância de uns cinco pés. Não senti nada e avisei-o, pedindo para tentar de novo. Repetiu o processo a uma distância de cerca de três pés. Desta vez senti a picada, e ao retirar o enchimento que colocara, descobri o furo habitual e uma gota de sangue, a qual recolhi numa lâmina de microscópio. Cinco minutos depois, espremi uma outra gota para fazer a comparação.

Descobri também que a folha de polietileno fora atravessada, como que por uma agulha de ponta aguçada, nas quatro camadas de plástico. Uma polegada adiante daquele ponto, provavelmente na área correspondente à primeira “injeção” de Mercado, havia um outro orifício no plástico, que, porém, atravessara apenas duas das quatro camadas, como se a força a uma distância de cinco pés não fosse suficiente para penetrar a minha barreira experimental. Contudo, foram as duas camadas de baixo, as mais próximas à minha pele, que foram perfuradas”.

 

A paranormalidade na investigação policial

 

Agentes psi, têm prestado serviços à investigação criminal. Um dos mais famosos foi o falecido Gerard Croiset. Ele colaborou, com a polícia de vários países da Europa, na descoberta do paradeiro de pessoas desaparecidas. Ressalte-se, ainda, que o Canal Discovery vem apresentando casos verídicos de colaboração de agentes psi com a polícia na descoberta de crimes de difícil elucidação.

Se em alguns países se utiliza a paranormalidade na investigação policial alternativa para desvendamento de crimes misteriosos e localização do paradeiro de pessoas desaparecidas, por que não se fazer o mesmo no Brasil?

Foi com esse propósito que, em 25 de maio de 1988, atendendo a convite da Academia de Polícia, fizemos, no auditório da Celpe, uma conferência para delegados, médicos e peritos da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco sobre as implicações práticas da paranormalidade nas investigações policiais. E, no dia 1º de agosto do mesmo ano, juntamente com o Dr. Ivo Cyro Caruso, apresentamos um painel sobre técnicas de pesquisa em Parapsicologia, no I Curso de Aperfeiçoamento Técnico Policial, promovido pela Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco.

No ano seguinte, em 1989, o Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, em virtude do interesse demonstrado pelo então Secretário de Segurança Pública, Gal. Evilásio Gondim, apresentou àquela Secretaria um Projeto de Investigação e Treinamento em Parapsicologia nas Atividades de Polícia, objetivando descobrir e treinar policiais dotados de aptidões parapsicológicas com a finalidade de ampliar os recursos dos procedimentos investigatórios. Infelizmente, com a exoneração, a pedido, do Gal. Gondim, o novo titular da Secretaria de Segurança Pública não se interessou pelo projeto e, consequentemente, pela assinatura do convênio para a sua execução.

É possível cogitar da utilização da psi em perícias judiciais a fim de subsidiar informações existentes nos autos ou pertinentes ao processo, auxiliando a Magistratura e o Ministério Público na aplicação correta da justiça em cada caso concreto. Assim, no elenco dos procedimentais periciais e até mesmo nas provas admitidas em direito, poder-se-á, ad futurum, incluir os recursos da paranormalidade.

 

Paranormalidade e Mestrado de Direito

 

Em 1993, a Dra. Lana Maria Bazílio Ferreira apresentou, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, a tese “A Paranormalidade em Face da Lei e do Direito”, no Curso de Pós-Graduação em Direito, para a obtenção do seu Grau de Mestre.

Embora esteja em desacordo com a Dra. Lana Maria em alguns aspectos de suas interpretações parapsicológicas, contaminadas de ranço espírita, temos de reconhecer o alto valor de seu volumoso trabalho, assim como do seu pioneirismo em levar o tema ao domínio universitário, tornando-o familiar aos profissionais do Direito.

 

Conclusão

 

É provável que o legislador, um dia, se veja obrigado a reconhecer a realidade da aptidão psi como suscetível de gerar, em casos especiais, efeitos jurídicos, estabelecendo um novo tipo de relação entre os indivíduos.

 

 

Bibliografia

 

BARRETO, Djalma Lúcio Gabriel – Parapsicologia, Curandeirismo e Lei. Editora: Vozes. Petrópolis. 1972.

 

GRIS, Henry e DICK, William – Novas Descobertas Parapsicológicas: a Experiência Soviética. Editora: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1980.

 

HENRIQUES, Gustavo Trindade. Uma voz sem nome. 2008. Edição do autor.

 

TIMPONI, Miguel – A Psicografia ante os Tribunais. Editora: FEB. Rio de Janeiro. 4ª ed.

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