Parapsicologia e espiritismo (*)

Valter da Rosa Borges

 

Há pessoas que, seja por ignorância, seja por ma-fé, confundem a Parapsicologia com o Espiritismo.

O Espiritismo é uma doutrina espiritualista, cuja forte tónica religiosa relegou a plano secundário os seus outros dois aspectos: o filosófico e o científico

A Parapsicologia é uma ciência e, co­mo tal, nada tem a ver com a posição filosó­fica ou religiosa de cada parapsicólogo em particular.

Allan Kardec (1) define o Espiristismo como “uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações como o mundo corporal”. Assim, a doutrina espírita admite como assente e cientificamente provada a existência da alma, o que tem levado os seus adeptos a minimizar a atividade do inconsciente do médium nas manifestações paranormais. Em consequência, a maioria dos espíritas tem a tendência de atribuir à intervenção dos espíritos tudo o que acontece, neste mundo, de aparentemente extraordinário.

A Parapsicologia, diferentemente, é uma ciência que tem por objeto o estudo e a pesqui­sa dos fenômenos paranormais. Ela ainda não se interessa pela “natureza, origem e destino dos Espíritos”, porque, sob o ponto de vista estritamente científico, a sobrevivência não está provada, conquanto já existam fortes evidências em seu abono.

A Parapsicologia, portanto, não nega e nem afirma a existência da alma, embora as investigações sobre determinados fatos que sugerem a sobrevivência ve-nham já ocu­pando um papel de realce na pauta das pesqui­sas experimentais. Aliás, o próprio J.B, Rhine (2) reconheceu que “a pesquisa da ESP faz diretamente surgir a questão do lugar da perso­nalidade no sistema espaço-tempo, oferecendo positiva indicação a favor da sobrevivência”. E, em obra que escreveu em parceria com J. G. Pratt, (3) declarou que “correto é dizer que a investigação da hipótese da sobrevi-vência e da comunicação dos espíritos seria investigação parapsíquica”.

Para a doutrina espírita, as pesquisas realizadas no passado provaram, cienti-ficamente, a sobrevivência e, por isso, o seu objeto é o estudo da natureza do espírito e as suas relações como o nosso mundo, com fundamento, notadamente, nas “comunica-ções mediúnicas”.

Já a Parapsicologia, caminhando cau­telosamente por estradas tão íngremes nas pesquisas da paranormalidade, encara o pro­blema da sobrevivência como assunto de séria investigação científica por se constituir a hipótese que melhor se apresta á expli-cação de certos e determinados eventos.

O Espiritismo, codificado por Kardec, vê o médium como um simples instru- mento dos espíritos desencarnados, rara­mente agindo por si mesmo, conquanto nem todos os espíritas, como Aksakof e Flammarion, aceitem este entendimento.,

Diz Alexandre Aksakof (4) que “o estudo da parte intelectual dos fenômenos mediúnicos nos coage a reconhecer, antes de tudo, que grande número desses fenôme­nos, dos mais freqüentes, devem ser atribuídos à atividade inconsciente do próprio mé­dium”.

No mesmo sentido se manifesta Ca­milo Flammarion (5) ao asseverar que “a observação das coisas, tais como se dão, mostram-nos que em geral os mortos não voltam e que as manifestações de além túmulo são excessões”.

Anteriormente, o próprio Allan Kardec (6) reconhecera que “as comunicações do além túmulo são cercadas de mais dificuldades do que se pensa”.

Tudo isto vem a demonstrar que, ao contrário do que comumente pensa a mai­oria dos espíritas, a regra geral, na manifes­tação de um fenômeno paranormal, é a ati­vidade inconsciente do médium e não a in­terferência de um espírito desencarnado.

A Parapsicologia, sem afetar imediatamente as suas pesquisas à existência de espíritos desencarnados, procura a explicação dos fenômenos da psi nos poderes da  própria mente humana em nível independente da consciência. Afinal de contas, muito pouco se sabe a espeito das atividades cerebrais e seria realmente um procedimento precipitado e anticientífico excluir da jurisdiçao do cérebro certos fenômenos psíquicos só porqu não se ajustam aos conhecimentos atuais sobre a nossa atividade nervosa superior

A Parapsicologia, portanto, ao eleger a hipótese do inconsciente como prioritá-ria para a explicação para os fenômenos paranormais, vai, coincidentemene ao encontro da lúcida recomendação de um dos grandes vultos do Espiritismo, Ernesto Bozzano (7), quando advertiu que “para resolver o grande problema da sobrevivência do espírito humano desencarnado, o melhor método é o de estudar os poderes do espírito humano encarnado”.

É, em suma, é altamente provável, que um conhecimento mais aprofundado da mente humana, sua natureza, suas fun­ções e seus poderes, resulte, afinal, na prova veidadeiramente científica da sobrevi­vência e na conseqüente compreensão de seus problemas correlatos.

 

1 Allan Kardec. O que é o Espiritismo Ed. FE, 14ª edição.

2)   J.   B.   Rhine. O Alcance do Espírito. Ed. Bestseller. 1965.

3)  J. B. Rhine e J. G. Pratt. Parapsicologia: Fronteira Científica da Mente. Ed. Hemus, 1966.

4)  Aksakof. Animismo  e  Espiritismo. Ed. FEB. 1956

5)  Camilo Flammarion. A   Morte   e  o   seu Mistério. Volume III. Ed. FEB.

6)  Allan Kardec. O  que  é o  Espiritismo. Ed, FEB, 14a. Edição.

7)   Ernesto   Bozzano. Comunicações  Mediúnicas entre  Vivos. Ed. Edicel. 1963

 

(*) Publicado no Jornal da Cidade. Março. 1979.

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