Parapsicologia e filosofia da ciência: a necessidade do desenvolvimento dos problemas conceituais em ciência e em parapsicologia

Jalmir Freire Brelaz de Castro, M.Sc.

Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas – IPPP

Recife – PE – Brasil

jbrelaz@uol.com.br

Trabalho apresentado no V Encontro Psi: Variedade das Experiências Humanas. Recife – PE, 4 a

06.09.2009

Resumo

Este artigo é uma continuação de reflexões anteriores apresentadas em encontros e simpósios de parapsicologia. Para o progresso da parapsicologia como ciência, abordamos a necessidade do desenvolvimento dos problemas conceituais e de se trabalhar um núcleo duro de constructos, pressupostos e crenças psi, menos testáveis e mais operacionais. Onde o que importa é a resolução e clarificação de problemas psi. Embora os problemas empíricos sejam importantes, no conjunto de teorias chamado de que chamou de Tradição de Pesquisa, o filósofo da ciência Larry Laudan, chama atenção principalmente para os problemas conceituais. Para as pesquisas psi a vantagem da abordagem de Laudan é trazer proposições – por exemplo, a mente pode influenciar diretamente a matéria – dentro de um contexto verificável, ficando a distância de problemas filosóficos e focando na resolução e clarificação de problemas. A parapsicologia muito pouco tem investido em seus problemas conceituais – como mente e consciência, e ainda hoje apoia-se em bases positivistas. A maior parte do tempo os parapsicólogos praticam a busca desenfreada por fatos: mostrar que psi existe. Aqui, o autor propõe uma convergência, aplicada à parapsicologia, da abordagem teórica da Tradição de Pesquisas de Laudan, e da abordagem empírica do Programa de Pesquisas de Lakatos. Abordaremos o mesmo núcleo duro de constructos. Por levantar principalmente questões conceituais a proposta de Lakatos foi considerada mais adequada para o estudo de psi. Psi não sendo considerado como fenômeno isolado, e sim integrado a outros fenômenos e situações, onde as metafísicas e ontologias empregadas comportem psi. Ou seja, o emprego de psi num núcleo duro de constructos interagindo e integrado com outros modelos, tais como, o(s) modelo(s) psicológico(s) (especialmente com as contribuições dos estudos transpessoais), a hipnose (como parte do processo psi), o modelo biológico (como o trazido por Sheldrake – que considera psi como um sétimo sentido e psi como mediadora das interações mente/corpo e organismo/meio ambiente), os modelo(s) cultural (como as culturas nas quais psi é amplamente aceita ou rejeitada), a abordagem fenomenológica, a abordagem tecnológica (não só para registros, mas as vezes também para indução de fenômenos anômalos), a abordagem neurofisiológica (como os aspectos reptiliano e mamário do cérebro humano e como estes podem ser relacionados às experiências psi), uma abordagem neuroquímica (em especial as trazidas por plantas, em rituais, como o emprego da Ayahuasca). São alguns exemplos desse núcleo duro psi e de uma heurística a ser considerados na pesquisa psi.

Palavras Chaves: filosofia da ciência, parapsicologia, tradição de pesquisa; programa de pesquisa, metafísica, ontologia, heurística.

Parapsychology and the philosophy of science: the need for developing conceptual problems in science and parapsychology

Abstract

This paper is a continuation of previous reflections presented at Meetings and Symposiums of parapsychology. For the progress of parapsychology as science we present the need for developing conceptual problems and on working on a hard core of constructs, assumptions and beliefs of psi, less testable and more operational. Where what matters is the resolution and clarification of psi problems. Though empirical problems are important, in the set of theories denominated Research Tradition, the philosopher of science Larry Laudan, calls attention mainly for conceptual problems. For psi research the advantage of Laudan’s proposition is to bring propositions – for instance, mind can directly affect matter – within a verifiable context, staying aside from philosophical matters and focusing on the resolutions and clarification of problems. Parapsychology little has invested on its conceptual problems – as mind and consciousness, and still today supports itself on positivist basis. Most of the time parapsychologists practice a mad search for facts: to show psi exists. The author proposes here a convergence, applied to parapsychology, of the theoretical approach of Laudan’s Research Tradition, and of the empirical approach of Lakatos Research Program. We will approach the same hard core of constructs. But specially for raising conceptual questions we consider Laudin proposition more adequate for studying psi. Psi has not been considered as an isolated phenomenon, but integrated to other phenomena and situations, where the used metaphysics and ontologies support psi. It means, the usage of a hard core of constructs interacting and integrated with other models, such as, the psychological model(s) (specially the contributions of transpersonal studies) , the hypnosis (as part of the psi process), the biological model (as the one brought by Sheldrake – who considers psi as a seventh sense and psi as mediating the interactions mind/body and organism/environment, the cultural model(s) (lile the cultures where psi is widely accepted or rejected), the phenomenological approach, the technological approach (for the induction and the registration -some times also the induction) of anomalous phenomena, the neurophysiologic approach (as the reptilian and mammalian aspects of human brain and how these can be related to psi experiences). These are some examples of this hard core of psi assumptions and of an heuristics to be considered in psi research.

Key words; philosophy of science, parapsychology, research tradition, research program, metaphysics, ontology, heuristics

INTRODUÇÃO

Psi levanta problemas conceituais sobre o que entendemos sobre realidade, pois parece alterar os conceitos que temos sobre tempo, espaço, mente e energia. Trás problemas epistemológicos sobre o papel do subjetivo e da consciência no conhecimento do dito mundo real. Esse limite da realidade também se reflete nas relações entre a parapsicologia e a filosofia da ciência. Psi parece ser uma função complexa, inclusive com variáveis ambientais. Conduz a uma outra natureza para a realidade, com uma nova ontologia, numa ótica transpessoal. Isto requer desenvolvimento dos problemas conceituais trazidos por esta abordagem.

Baseado no Programa de Pesquisa de Lakatos e na Tradição de Pesquisa de Laudan apresentaremos uma nova abordagem para a pesquisa parapsicológica, constituída num núcleo duro de constructos e pressupostos. Em Lakatos e em Laudan não há uma teoria unificada sobre determinados problemas, mas um conjunto de teorias e proposições metafísicas. O conjunto de teorias do Programa de Pesquisa de Lakatos é de base empiricista e tenta resgatar o princípio do racionalismo contido em Popper e que foi posto de lado pela abordagem relativista de Kuhn e Feyerabend. O programa de pesquisa oferece uma heurística orientadora (os caminhos para a pesquisa científica) e os caminhos a se evitar (heurística negativa).

Em Lakatos o progresso científico é empírico. Em Laudan é teórico. Entendemos que essas duas abordagens podem contribuir para o progresso da parapsicologia.

Hoje, o núcleo duro da abordagem científica tradicional praticamente não permite uma visão de mundo onde o transpessoal (no qual o sentido individual aparece e se estende além dos seus limites comuns para englobar aspectos da vida ou do Cosmos mais amplos, largos ou profundos) dele seja parte integrante. Essa limitação converge com a posição de Krippner (2008) quando este afirma que a pesquisa psi é uma das diversas fontes que indicam que a visão moderna do mundo no melhor está incompleta e no pior equivocada.

Esses conceitos de tradição de pesquisa e programa de pesquisas possam alargar a abordagem científica do fenômeno psi. Como veremos neste artigo, o caminho para a afirmação da parapsicologia não virá nem da verificação, nem da confirmação de uma teoria psi. Nem tampouco da falsificação de hipóteses psi nem de uma revolução paradigmática. A aceitação de psi como ciência deve ocorrer através de uma metafísica ampliada, onde seu núcleo duro pertence a um sistema de crenças e pressupostos implícitos e não falseáveis. E de uma ontologia onde seus elementos incluam psi. E que estas tragam ao mesmo tempo respostas principalmente a problemas conceituais envolvendo psi.

UM NÚCLEO DURO DE CONSTRUCTOS E PRESSUPOSTOS – UMA METAFÍSICA

E

ONTOLOGIA DA CIÊNCIA COMPATÍVEL COM AS PESQUISAS E EXPERIÊNCIAS PSI – A INCLUSÃO PROBLEMAS CONCEITUAIS PSI

Psi sugere um entendimento ampliado do mundo e sua essência, i.e., de sua metafísica, do grego meta (além) e physis (natureza). Psi também sugere um papel para a subjetividade e a consciência, no dito mundo real. A metafísica hoje predominante em ciência é a da física. Um dos seus pilares é o princípio da objetividade forte (Goswami, 2003) – que

afirma ser a realidade (do latim res ou coisa) independente de nós.

A metafísica fornece a heurística (da mesma etiologia de eureka – descoberta)

orientadora da formação de teorias. Heurística (do greco eupíüKw, heurísko, literalmente “descubro” ou “acho”) é uma parte da epistemologia e do método científico. Define-se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não segue um percurso claro, mas se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo. Psi – e o papel que sugere para a consciência, indica que o princípio da objetividade forte está incompleto. Isto pode levar, de uma forma geral, a novos fatores para a heurística das pesquisas. Como, por exemplo, o papel do pesquisador no resultado das pesquisas e o papel da consciência nas investigações envolvendo seres vivos.

Ao longo do século XX, tornou-se evidente a impossibilidade de utilização de uma única heurística para as ciências. O desenvolvimento das ciências dá-se de modo desigual à

base de evoluções de características muito diferentes entre si (mudanças teóricas, resultados empíricos imprevistos, mudanças culturais). Atualmente, os estudos sobre a heurística concentram-se, sobretudo, no interior de cada ciência. Pode-se assim falar de uma heurística

da biologia, da química, da física, para falarmos das ciências da natureza. Por que não falarmos de uma heurística para a parapsicologia? A parapsicologia tem elevada interdisciplinaridade com outras ciências. Apesar das pesquisas orientadas ao processo, ela, timidamente, tem caminhado para uma heurística própria. Talvez como forma de se validar perante outras ciências.

A cultura ocidental tem dificuldade lidar com o subjetivo e qualitativo. Segundo Marriotti (2001), o maior problema epistemológico de nossa cultura é lidar com aquilo que é subjetivo e qualitativo. Chama de representacionismo o marco epistemológico prevalente em nossa cultura. A mente como espelho da natureza. A objetividade é privilegiada e a subjetividade é descartada como algo que pode comprometer a exatidão científica.

Psi evidencia a possibilidade uma outra natureza para a realidade e a organização do ser. Ou seja, de uma outra ontologia, do grego ontos (ser) e logo (conhecimento), com novos pressupostos conceituais para a natureza e das entidades que compõem o mundo e o modo que interagem entre si e com os sentidos humanos. O termo ontologia foi introduzido por Aristóteles em Metafísica, IV, 1.

A literatura sobre ontologias apresenta uma série de definições distintas. Essas diferentes definições apresentam pontos de vista distintos e até mesmo complementares para uma mesma realidade. Foi também recentemente adotado pelas comunidades de tecnologia da informação, em especial de inteligência artificial – TI (filosoficamente ligado a questão da consciência) e de gestão de conhecimento, para se referir a conceitos e termos que podem ser usados para descrever alguma área do conhecimento ou construir uma representação desse.

O emprego de tecnologias em TI – por ser mais operacional e preciso, pode nos ajudar ao entendimento de ontologia no estudo de psi. Tornando mais claro dentro de um paradigma científico a existência de um domínio psi na natureza e a ontologia na qual psi se adeque. A ontologia captura um conhecimento consensual, isto é, esse conhecimento não deve ser restrito a alguns indivíduos, mas aceito por um grupo de pessoas (Fensel, 2001). Em TI uma ontologia deve possuir um conjunto de termos organizados com uma hierarquia associada, ou seja, uma taxonomia. Uma das principais utilidades de uma ontologia que é a de servir como um “schema” para uma base de conhecimentos, visão essa muito comum dentro do ramo da gestão de conhecimentos. Uma ontologia provê uma estrutura básica na qual logo acima se pode construir uma base de conhecimentos. A ontologia em TI fornece um conjunto de conceitos e termos para descrever um determinado domínio, enquanto a base de conhecimento usa esses termos para descrever uma determinada realidade. Caso essa realidade seja modificada a base de conhecimentos será modificada, porém a ontologia permanecerá inalterada, desde que o domínio se mantenha inalterado.

Numa ontologia psi, como a proposta por Kreiman (2003), os fenômenos parapsicológicos pleiteiam a existência de um nível mental na natureza (domínio) e que o psiquismo do ser humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático, o clarividente, o precognitivo estão presentes.

Uma ontologia provê uma estrutura básica na qual logo acima se pode construir uma base de conhecimentos. A ontologia fornece um conjunto de conceitos (por exemplo, constructos, tais como mente, consciência, telepatia, psicocinesia) e termos para descrever um determinado domínio ((por exemplo, interação paranormal do ser humano como seu próprio organismo/ou outros organismos e o meio ambiente) enquanto a base de conhecimento usa esses termos para descrever uma determinada realidade (um fenômeno psi, tais como, fenômeno de cura por meios paranormais). Caso essa realidade seja modificada (ocorra outro fenômeno, como por exemplo, a visão remota – clarividência,) a base de conhecimentos será modificada (ESP em vez de PK, por exemplo), porém a ontologia permanecerá inalterada, desde que o domínio se mantenha inalterado.

Principais vantagens da utilização de ontologias nas tecnologias da informação, e que podem ser usadas para a construção de uma ontologia psi:

  • As ontologias fornecem um vocabulário para representação do conhecimento. Esse vocabulário tem por trás uma conceituação que o sustenta, evitando assim interpretações ambíguas do vocabulário. Uso em parapsicologia – uso de constructos psi, como telepatia e clarividência.
  • As ontologias permitem o compartilhamento de conhecimento. Por exemplo – a existência de um sétimo sentido nos termos definidos por Sheldrake.
  • As ontologias fornecem uma descrição exata do conhecimento. Diferentemente da linguagem natural em que as palavras podem ter semântica totalmente diferente conforme o seu contexto. Por exemplo, palavra “Globo” significa um corpo esférico, como também um canal brasileiro televisão. Outro exemplo, em uma ontologia sobre o domínio de formas geométricas, possivelmente não haverá mal entendido.

Feitas essas considerações sobre metafísica, heurística e ontologia aplicada nas ciências da computação, e a parapsicologia em particular, pode-se continuar com o entendimento da necessidade da construção de um núcleo duro para psi e os problemas conceituais associados. Conceitos que, progressivamente, foram se incorporando ao arcabouço da ciência, tais como, verificação, confirmação (quanto maior o número de testes, maior o grau de confirmação de uma teoria), repetição, explicação e predição, demarcação e falseabilidade, estão fortemente presentes no desenvolvimento da parapsicologia. Mas ao que parece não foram suficientes para torná-la amplamente aceita na ciência tradicional. Só focando na solução dos problemas conceituais levantados por psi, e da construção de uma metafísica e ontologia que comportem psi, é que isso será possível.

ALGUNS PROBLEMAS CONCEITUAIS EM PARAPSICOLOGIA

Os problemas em parapsicologia são antes de tudo metafísicos e ontológicos, de base conceitual. Laudan afirma (1977a) que os problemas conceituais têm sido largamente ignorados pelos historiadores e filósofos da ciência. Define simplesmente problemas conceituais como sendo não empíricos. Os problemas conceituais são caracterizados pelas teorias e não têm existência independente das teorias que os exibem, nem mesmo uma autonomia limitada que os problemas empíricos parecem ter. Problemas empíricos são mais fáceis de ilustrar do que definir. Laudan credita às questões não empíricas os debates mais importantes em ciência. Um exemplo clássico: Berkeley e Leibniz argumentavam não aceitar a hipótese de ação à distância proposta por Newton. Um exemplo parapsicológico: a mente humana é por sua natureza uma mente em que o telepático, o clarividente, o precognitivo estão presentes.

Laudan (1977b) defende que a visão de ciência como um sistema de solução de problemas tem mais possibilidade de capturar o que é mais característico sobre ciência do que qualquer outro sistema. Defende que, se levarmos seriamente em conta que o objetivo da ciência (e todas as investigações associadas) é a resolução ou clarificação de problemas, então teremos um quadro muito diferente da evolução histórica e da evolução cognitiva da ciência. Laudan propõe uma teoria da ciência orientada aos problemas cujo propósito seja a resolução e clarificação de problemas. Para ele não parece ter existido uma “ciência normal”. Segundo Feijó (2003a), a maior vantagem em definir ciência como atividade de solucionar problemas é que tal definição possibilita uma reconstrução racional dela, que confere importância a fatores não empíricos e conceituais, que condicionam a investigação.

Para Laudan (1977c), é a solução que nos permite reconhecer o problema como um problema de fato genuíno. Por esta razão, não é freqüentemente claro se um aparente problema realmente é um problema empírico, i.e., se há algum fenômeno natural para explicá- lo. Dá o exemplo da percepção extra-sensorial. Segundo ele, a maioria dos cientistas afirma ser incerto haver alguma evidência de ESP que precise de explicação teórica.

Mas, quais são os problemas da parapsicologia? Por que os problemas da parapsicologia encontram dificuldades em ser aceitos pela ciência? Abaixo apresentaremos algumas proposições de destacados pesquisadores. Para Feijó (2003a: 93), o problema surge no contexto da investigação, já há uma orientação prévia que define os problemas relevantes, um pressuposto teórico que aponta para o que é problemático.

Caruso (2002) argumenta que a parapsicologia herdou problemas filosóficos, religiosos e científicos. Segundo ele, os principais problemas são: o problema mente-corpo, a fisiologia da percepção e outras funções cerebrais, tais como pensamento e memória, os problemas relacionados com as diferenças individuais, as questões do tempo em que se desenvolvem as reações nos indivíduos e o posicionamento ético nas investigações experimentais. Caruso adverte que a maioria dos nossos conhecimentos sobre os fenômenos parapsicológicos é mais descritiva do que explicativa e que, no paradigma atual da parapsicologia, não existe qualquer processo neuronal do sistema nervoso central no fenômeno psi. Embora alguns pesquisadores como Roll e Persinger (1998), baseados nos estudos neurofisiológicos com Sean Hurribance, sugerem que ESP é primariamente uma função do lado direito do cérebro.

Krippner (2006) assinala que a parapsicologia é a disciplina que estuda as interações de organismos com outros organismos, e entre organismos e o seu ambiente, que parecem transcender o entendimento científico de espaço, tempo e energia. Relacionando a parapsicologia com a psicologia transpessoal. Aponta que os estados transpessoais de mente/corpo, podem ser entendidos em termos da teoria do caos e complexidade como sistemas auto-organizáveis e autocriativos (autopoiese). Entende que ambas as abordagens apresentam uma alternativa ao pensamento ocidental de causa e efeito, como as encontradas nas filosofias orientais, como o budismo, os Vedas, o taoísmo e os ciclos encontrados nas tradições dos nativos norte-americanos. Krippner acredita que a parapsicologia e a psicologia transpessoal podem suplementar e enriquecer a psicologia e a filosofia ocidentais.

O biólogo Rupert Sheldrake (2004) aborda os indícios a favor da existência de um sétimo sentido, indicando que devemos adotar uma visão mais ampla da mente, na qual não só a mente humana, mas também a dos animais, sai do corpo e se projeta em direção ao mundo que a rodeia. Entende que os campos mentais, que se estendem além do cérebro, podem ajudar a explicar a telepatia. Parece que ela é extremamente comum no reino animal e faz parte da nossa natureza biológica. Sheldrake advoga a existência de um sétimo sentido. O sexto sentido foi encontrado pelos biólogos que estudam os campos elétricos e magnéticos nos animais. Como, por exemplo, os observados nas enguias, tubarões e arraias. Define que o termo sétimo sentido expressa a ideia da telepatia, da sensação de estar sendo observado e das premonições. O sétimo sentido se inclui numa categoria diferente dos princípios físicos conhecidos para os cinco sentidos comuns e dos diferentes sextos sentidos encontrados.

Outros pesquisadores como Kreiman (2003), cujas obras têm uma abordagem orientada ao processo, procuram agregar aos problemas da psicologia os temas da parapsicologia, referindo-se a uma cognição paranormal. Afirmam que os fenômenos parapsicológicos pleiteiam a existência de um nível mental na natureza e que o psiquismo do ser humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático, o clarividente, o precognitivo estão presentes. Entendem que a parapsicologia deveria responder aos seguintes problemas, entre outros: como funciona a ESP? Qual o mecanismo ou dinamismo mediante qual o inconsciente ascende à consciência? O que favorece ESP? O que a perturba? De que maneira ESP pode impulsionar nossa conduta? Qual a medida de receptibilidade de ESP?

Susan Blackmore (1986), ao se referir às experiências fora do corpo, coloca como problema o armazenamento, a codificação e a recuperação da informação, bem como o substrato sobre o qual as informações são codificadas. Um plano astral, nem uma mente dual (mente a parte do cérebro) não traria essas respostas.

Existem habilidades psi para cura? Será possível estabelecer um indicador para habilidades psi? Kokubo (2008) introduziu um valor J como um indexador das habilidades de cura para bio-PK. Isto significa que bio-PK deve ser descrita somente por valores físicos. Trata-se de um indicador que pode aferir, inclusive o desenvolvimento das habilidades dos curadores psíquicos.

Radin (2006) levanta o problema da não-localidade da mente, sugere ainda a possibilidade que nossas mentes estejam fisicamente entrelaçadas com o universo e que a teoria quântica é relevante para o entendimento de psi, e que o tecido da realidade é composto de “fios entrelaçados” que são consistentes com a experiência psi. Para mentes entrelaçadas descreverem acuradamente o desempenho psi, precisamos de um modelo que combine características da física, neurociência e psicologia. Radin (2006: 264) numa abordagem baseada na física quântica afirma que em algum nível a mente/cérebro já coexistem com a mente de outras pessoas, objetos distantes e tudo o mais. Considera que as experiências psíquicas são remoldadas não como “poderes misteriosos da mente”, mas lampejos momentâneos do tecido entrelaçado da realidade.

Todos esses problemas são inerentemente conceituais. Extrapolam os limites da nossa atual realidade.

A falta dos aspectos explicativos e preditivos da psi ensejam as maiores críticas sobre o conhecimento parapsicológico. A informação contida em psi, além de inconstante, também parece ser estocástica, por variar com o tempo. Radin (1997a) alerta que, além de estocástico, psi pode ter efeitos reativos à situação experimental, alterando suas características por causa do experimento. Argumenta que, nas ciências sociais e comportamentais, é virtualmente impossível garantir que um indivíduo testado uma vez será exatamente o mesmo quando testado posteriormente. Ao lidar com organismos vivos não se pode esperar estrita estabilidade de comportamento no tempo.

Ian Stevenson (1999) não considera como critério essencial de cientificidade a predição, repetibilidade, nem tão pouco o falseamento. Ao invés deles considerou como essenciais: 1. Os métodos devem ser públicos e publicamente reportados; 2. Os eventos observados devem ser públicos; 3. objetividade nas observações 4. Comparação de uma observação ou conjunto de observação com outras observações; 5. Poder explanatório de uma teoria derivado de uma nova observação; 6. Testes repetidos na teoria contra novas observações e teorias alternativas; 7. Replicação independente das observações; 8. Persuasão da maioria dos cientistas da acuidade das observações e teorias alternativas

A utilidade não é um critério científico. Mas, na sociedade tecnológica ocidental, esta é uma questão fundamental. Os investimentos são feitos em pesquisas pela utilidade proporcionada.

Pensamos que o problema da predição em parapsicologia não é seu calcanhar de Aquiles. O ponto em questão é o da utilidade da parapsicologia em um contexto tecnológico. O que ainda não existe, apesar das colocações otimistas de Radin (1997b) sobre uma possível utilidade tecnológica da parapsicologia em relação a diagnósticos psi em saúde (como os feitos por Edgar Cayce), as aplicações militares e de inteligência, os investigadores psíquicos (para elucidação de crimes), possíveis aplicações em tecnologia e na tomada de decisão (intuição) nos negócios.

A FALTA DE PERSPECTIVAS CIENTÍFICAS PARA A PARAPSICOLOGIA NAS ABORDAGENS RELATIVÍSTICAS – KUHN e FEYERABEND

O relativismo em ciência é um enfoque que pouco tem contribuído ao entendimento dos problemas psi, pois estes são mais conceituais que empíricos. As imprecisões e ambiguidades trazidas pelo pensamento relativista e a expectativa (nos últimos 30 anos) que psi trouxesse uma revolução paradigmática, mas não contribuíram para o progresso da parapsicologia como ciência. O relativismo trazido por Kuhn e Feyerabend parecem negar a racionalidade na escolha de teorias e apoiar-se no relativismo cultural, de bases sociológicas.

A convenção de Popper e sua característica a-histórica foi modificada pela introdução desse pensamento relativista. Deslocando o debate do campo lógico, alguns filósofos da ciência como Kuhn e Feyerabend, com base em fatos da história da ciência, fizeram novas proposições,

A contribuição de Kuhn foi mostrar que as ciências progridem de modo revolucionário. E que o trabalho do cientista é moldado por paradigmas. No caso da parapsicologia há algum tempo se espera que haja alguém capaz de lançar uma teoria revolucionária. A própria imprecisão e ambiguidades, trazidas pelo termo paradigma, levaram Kuhn (1970) a sugerir sua substituição por matriz disciplinar. Matriz porque é composta de elementos de várias classes, cada uma requerendo especificações posteriores. Disciplinar porque se refere aos elementos comuns dos praticantes de uma disciplina específica em ciência. Ontologicamente, a ciência é guiada por paradigmas. Ou seja, por verdades relativas. Essa abordagem enfraquece a visão de Popper de falseamento, de crença na verdade científica, e de regras metodológicas atemporais.

Para Feyerabend (1993) a ciência é essencialmente um empreendimento anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário e mais provável de encorajar o progresso do que as alternativas de lei e ordem. Ele defende o princípio da tenacidade: ideias sejam lançadas mesmo contra as evidências de teorias bem estabelecidas. Conferiu papel importante às hipóteses ad doc, por proliferar teorias. As hipóteses ad hoc são o que praticam os parapsicólogos, por exemplo, para as aparições e assombrações, pois essas experiências “tenazmente” continuam a ocorrer em nossa sociedade. Para Feyerabend, quanto mais teorias, maiores os leques de percepções e de significados. Os avanços científicos ocorrem quando as regras são postas de lado. A única regra metodológica clara é que se deve quebrar as regras. A prática que prevalece em ciência é, essencialmente, a anarquia e não o acatamento de um método (popperiano). Priorizou o uso da história na interpretação da ciência. Mas não criou uma teoria da comunidade científica ou outra que desse ordenamento ao material histórico. Ou seja, não há conceito de progresso cientifico que entendemos ser essencial a parapsicologia

As ideias de Paul Feyerabend são interessantes para estimular o debate sobre o progresso das ciências, pois o associa à proliferação de teorias. Instigam particularmente a parapsicologia, que tem uma grande variedade de fenômenos e situações anômalas, e pode proliferar teorias dessas situações. Desde a telepatia, a clarividência a micro-PK, temos

também as experiências fora-do-corpo – EFC, as experiências na proximidade da morte – EQM, os casos sugestivos de reencarnação, as aparições, os poltergeist e tantas outras que levantam especulações e hipóteses sobre os limites das interações mente-corpo e mente ambiente.

O conceito de revolução paradigmática de Kuhn trouxe expectativas que a parapsicologia se mostrasse revolucionária e então se afirmasse como ciência. No nosso entender, essas expectativas são falsas. A racionalidade que a parapsicologia busca na construção de uma teoria psi (ainda inexistente) não é metodologicamente adequada se baseada em Kuhn. Pois, tanto Kuhn quanto Feyerabend parecem negar a racionalidade na escolha de teorias em prol de um relativismo cultural, com elementos como poder, prestígio, idade e propaganda (Feijób, 2003). Todos esses citados elementos estão longe de ocorrer na ciência parapsicológica. Logo, como esperar que uma revolução ocorra?

As pesquisas Psi até o momento não se mostram revolucionárias, no sentido trazido por Kuhn. Se psi trará um conhecimento revolucionário, Krippner e Holverman (2004) reafirmaram as mesmas posição de um trabalho anterior apresentado em 1986, que até aquele momento -2004, a parapsicologia não tinha produzido evidências de magnitude que mereçam ser chamadas de revolucionárias.

Krippner (2007) apresentou uma posição cética quanto à disseminação do conhecimento parapsicológico. Afirma que esta é a melhor época e ao mesmo tempo também a pior época para o estudo de psi. Há muitos bons livros e pesquisadores, mas poucos são os recursos financeiros disponíveis. O conhecimento psi na internet avança embora de forma imprecisa, mas a uma velocidade que não pôde ser prevista dez anos atrás. As assinaturas das revistas céticas se multiplicam devido aos esforços no combate aos anti-evolucionistas, e fundamentalistas, entre outros. Krippner admite que avanços possam vir de não parapsicólogos, o que seria irônico.

Uma posição otimista para o progresso da parapsicologia como ciência, vem de E. W. Bauer (2007). Mostra que houve proliferação da disciplina parapsicologia no Reino Unido, pois dez universidades oferecem essa disciplina dentro dos departamentos de psicologia. Bauer defende que o paradigma rhineano da mente que, como força, deve ser abandonado e que a física quântica pode trazer grandes contribuições à parapsicologia.

Como veremos a seguir, as abordagens de Lakatos e Laudan trouxeram de volta os critérios de progresso (temporal) e de racionalidade (atemporal) para a ciência. Os quais consideramos mais adequados para entender os fenômenos psi, que tinham sido abalados pelo relativismo.

O PROGRAMA DE PESQUISAS DE LAKATOS E A TRADIÇÃO DE PESQUISAS DE LAUDAN EM PARAPSICOLOGIA – E A PROPOSIÇÃO DE UM NÚCLEO DURO COMUM DE PRESSUPOSTOS PSI

No Programa de Pesquisas de Lakatos e na Pesquisas de Laudan não há uma teoria única sobre um determinado problema, mas uma super teoria – conjunto de teorias e de pressupostos metafísicos. Eles podem ampliar a abordagem científica dos fenômenos psi. Vimos que o caminho para afirmação da parapsicologia como ciência não virá da verificação, nem da confirmação de uma teoria psi, nem do falseamento das hipóteses psi. Nem tampouco de uma revolução paradigmática. Uma aceitação de psi como ciência deverá ocorrer através de uma metafísica ampliada, onde seu núcleo duro faça parte de um sistema de crenças e pressupostos implícitos e não falseáveis. Mas que tragam respostas a problemas empíricos e principalmente respostas a problemas conceituais que envolvam psi.

Lakatos (1979) trouxe o conceito de Programa de Pesquisas. De base empirista, resgata o princípio de racionalidade contido em Popper, que foram deixados de lados pelo enfoque relativista de Kuhn e Feyerabend. Nele, Lakatos incluiu ainda uma interpretação histórica. Em vez de falsear uma teoria, deve-se examinar se a cadeia temporal de teorias é progressiva ou degenerativa. Ao lado das teorias individuais há uma estrutura que as conecta ao mesmo sistema de crenças. Esses pressupostos compartilhados de uma série de pesquisas relacionados é o Programa de Pesquisas. Este oferece a heurística orientadora (dos caminhos da pesquisa científica) e dos caminhos a evitar (o núcleo duro fornece a heurística negativa). A determinação dessa heurística negativa é muito importante para delimitar os estudos de psi. E o que não deve e não deve ser pesquisado. Isto representa uma postura metodológica.

As hipóteses do programa de pesquisa são metafísicas, pois não são postas em questão. Essas hipóteses constituem seu núcleo duro, e somente são descartadas junto com o programa como um todo. Lakatos defende que, em torno do núcleo, organiza-se o cinturão protetor, a cadeia de teorias que suportam o impacto dos testes empíricos. Os cientistas envolvidos no programa protegem o núcleo com um cinturão de proteção chamado de hipóteses auxiliares. Em vez de perguntar se uma hipótese era verdadeira ou falsa, Lakatos pergunta se o programa de pesquisa era progressivo ou degenerativo.

Em Lakatos não há a racionalidade instantânea e, sim, a racionalidade que ocorre devagar. A mudança do programa de pesquisa não é um processo psicológico como o que ocorre na mudança de paradigmas. É um processo lento e gradual e não uma recomendação metodológica para a ciência (Feijóc, 2003). É o que ocorre com a parapsicologia desde os tempos de Rhine – lenta evolução de métodos e da aceitação científica.

Lakatos acha ingênuo o falseamento de Popper, pois os cientistas não mudam apenas porque os fatos falseiam uma teoria. Eles não hesitam em invocar hipóteses auxiliares para salvar a teoria. Não veem os fatos como refutações, mas como simples anomalias que não requer uma solução imediata. Nem todas as mudanças das hipóteses auxiliares são aceitáveis. A hipótese é considerada progressiva se explica aparentes refutações e tem habilidade de produzir fatos novos. Se não explica, é dita hipótese ad hoc.

É o que ocorre com a parapsicologia. Muitas manifestações psi ou correlatas (telepatia, aparições, poltergeist, EFC, EQM, casos sugestivos de reencarnarão, etc.) têm hipóteses para cada caso. Isso talvez explique porque muitas anomalias psi são postas de lado, pois não são vistas como refutações. São tratadas como ad hoc, casos circunstanciais. A parapsicologia altera a ontologia do conjunto de teorias na qual trabalha porque parece alterar o conhecimento que temos sobre espaço, tempo, matéria e mente.

O conceito de programa de pesquisa, embora filosoficamente abra perspectivas para a parapsicologia, não enfoca os problemas conceituais. No nosso entender, acreditamos que os conceitos trazidos por Laudan são mais amplos por enfocar os problemas conceituais e definir ciência como atividade de solucionar problemas. Os problemas conceituais trazidos pelos fenômenos parapsicológicos são, no nosso entender, o porquê dos fenômenos psi não serem “vistos” pelos ditos céticos.

Por sua vez, Laudan propõe uma visão de ciência como atividade de solucionar problemas buscando sua clarificação e resolução. Acredita que os debates mais importantes em ciência dizem respeito não apenas aos problemas empíricos, mas principalmente aos problemas conceituais, às questões não empíricas. Estendemos essa argumentação para os problemas em parapsicologia.

Nossa análise é verificar se a parapsicologia, enquanto ciência, pode trabalhar seus problemas conceituais, tais como mente e consciência, de forma a se inserir no contexto científico. Teixeira (2000) adverte que a primeira questão a ser colocada pela filosofia da mente é: mente e corpo são a mesma coisa? Qual a natureza dos fenômenos mentais? Ele define o problema mente-corpo como de natureza ontológica. O mundo é composto de apenas uma substância? Ou de dois tipos de substâncias totalmente distintas com propriedades irredutíveis entre si? Há duas substâncias? Ou apenas uma só? Há uma realidade ou pelo menos duas? É um problema ontológico milenar. Desde os tempos de Platão, e o mundo das idéias.

A vantagem do enfoque de Laudan para as pesquisas psi seriam trazer pressupostos, como, por exemplo, a mente pode influenciar diretamente a matéria, dentro de um contesto verificável, passando ao largo das questões filosóficas e focando na solução de problemas. Pode a mente adivinhar quem está telefonando naquele momento? Pode alguém sentir que está sendo observado? Estes podem ser, como sugere Sheldrake, problema biológicos. Existem parâmetros psicológicos, um padrão esperado para determinados tipos de experiências anômalas psicológicas (EFC, EQM, casos sugestivos de reencarnação). Essas experiências são frequentes ao gênero humano e sugerem interconexão e entrelaçamento com outros seres humanos e a natureza.

A abordagem trazida por Laudan (1977d) questiona quais são os tipos de problemas em ciência? O que faz um problema mais importante que o outro? O critério que conta algo como solução adequada, a relação entre problemas científicos e não científicos? Por que a ciência progride e como, de fato, ela o faz? Ele questiona a confirmação e o falseamento como critérios científicos. Propõe que a racionalidade (conceito atemporal) e a progressividade (conceito temporal) de uma teoria estão proximamente relacionadas. Questiona ainda a herança positivista: a ciência como busca da verdade (convenção e método) e o realismo epistemológico. Recusa o irracionalismo e o relativismo extremado. A tradição de pesquisa TP, proposta por Laudan, fornece um conjunto de diretrizes para o desenvolvimento de teorias específicas, bem como uma ontologia geral para a natureza e um método geral de solucionar problemas. A parapsicologia não para de trazer problemas: a telepatia, a clarividência, e o micro-PK, para ficar apenas em situações laboratoriais. Mas, qual a ontologia por trás disso?.

A Tradição de Pesquisa (TP) delimita, pela metodologia e pela ontologia, os tipos de teorias que podem ser desenvolvidas em seu domínio. As teorias individuais fazem predições e são testadas. A TP não é preditiva e não resolve problemas específicos. Também não é explicativa nem é diretamente testada. A TP é fundamentalmente normativa e metafísica. Fornece ferramentas para a solução de problemas, definindo-os e assegurando sua importância.

Laudan (1977e) defende duas teses Tese 1: O primeiro essencial e real teste de qualquer teoria é se ela proporciona respostas aceitáveis para questões interessantes: se, em outras palavras, proporciona soluções satisfatórias para problemas importantes. A literatura da metodologia da ciência não nos oferece nem uma taxonomia dos tipos de problemas científicos, nem qualquer método aceitável de graduar sua importância. Tese 2: Na avaliação dos méritos de teorias, é mais importante perguntar se elas constituem soluções adequadas para problemas significantes do que perguntar se são “verdadeiras”, “corroboradas”, “bem- confirmadas”, ou de outra forma justificáveis dentro do arcabouço da epistemologia contemporânea. Devemos tornar mais claro o que são problemas e como eles funcionam, como são pesados, e sobre a natureza das teorias e a relação precisa dos problemas que as geram .

Laudan (1977f) afirma que um fato só se torna num problema quando alguém decidiu que era suficientemente interessante e importante para merecer explicação. Sociedades primitivas sabiam que certas drogas podiam produzir alucinações. Mas, isto só se tornou um problema reconhecido para as teorias fisiológicas recentemente. Problemas não resolvidos geralmente contam como problemas genuínos somente quando eles já não são mais problemas. Até que sejam resolvidos por alguma teoria em um domínio cognitivo, eles são geralmente considerados apenas problemas “potenciais” do que efetivamente problemas reais. Exemplo: o movimento browniano, os cometas durante a Idade Média. Os cientistas geralmente não consideram questões da verdade ou falseamento ao determinar se uma teoria resolve ou não resolve um particular problema empírico.

Essas ponderações, trazidas por Laudan, podem ser úteis quando direcionadas para a parapsicologia. Remete ao âmago das questões, porque a parapsicologia não parece progredir como ciência.

UMA PROPOSIÇÃO PARA INTEGRAR LAKATOS E LAUDAN EM PARAPSICOLOGIA – UM MESMO NÚCLEO DURO COM ABORDAGENS COMPLEMENTARES

Laudan e Lakatos propõem um núcleo duro de constructos e pressupostos para o entendimento de ciência. Tentamos demonstrar neste artigo ser possível a construção de um núcleo duro de pressupostos psi. As abordagens de Laudin e Lakatos podem ser aplicadas à parapsicologia. Porém, como tentamos exemplificar na tabela a seguir, há possíveis limitações nos empregos dessas abordagens para o entendimento de psi. Percebemos que o enfoque conceitual (Lakatos) é mais adequado para interpretar esse núcleo duro do que um enfoque empírico de progressividade das teorias que compõem o núcleo duro (Lakatos).

PROPOSTA PARA CONSTRUÇÃO DE UM NUCLEO DURO PSI

  Núcleo Duro

(Conjunto de

teorias       que

mostram

Abordagem Foco         da

abordagem

Dificuldade

psi

Possibilidades

psi

  evidências de psi)        
Tradição

de

Pesquisa

(Laudan)

-Biológica ampliada     (7a

sentido)

-Física (mentes

entrelaçadas)

-Psicologia

(fenomenologia

psi)

Neurofísiológica

(Mente

Ancestral      –

cérebros mamário       e

reptiliano) -Psicobiofísica -Tecnológica -Transpessoal -Cultural -Matemática

Teórica Teorias

progressivas

ou

degenerativas (o acumulo de evidências ou não aceitam ou descartam o núcleo duro)

Psi não é vista como problema Metafísica     e

ontologia da abordagem provavelmente não comporte psi

Em           caso

afirmativo, evidencia que psi é uma função complexa

Programa

de

Pesquisa

(Lakatos)

Empírica Problemas conceituais são              mais

importantes que            os

empíricos

Psi é vista

como problema, mas não é clarificada

Por ser uma abordagem teórica           é

provável que seja entendida a metafísica e ontologias por trás de psi

 

Refletindo se um mesmo tipo de problema (por exemplo, telepatia e clarividência) aparece num conjunto de teorias (como na tradição de Pesquisas de Lakatos e Tradição de Pesquisas de Laudan) por que não considerar esse problema através de uma abordagem integrativa? Se problemas, tais como psi, não se enquadram em uma ou duas teorias, eles não devem ser colocados debaixo do tapete, pois necessitam de clarificação. Se teorias auxiliares, ou cinturão de proteção proposto por Lakatos, não podem eliminar esses problemas, porque não focar nos problemas teóricos que estão por trás dos mesmos? Porque não clarificar essas questões?

REFLEXÕES FINAIS E DISCUSSÁO

Somente será possível um entendimento de psi através de uma abordagem integrada de diversas ciências e através da construção de um núcleo duro de construtos que em seus pressupostos básicos integrem psi. Numa metafísica e ontologias da ciência expandidas que contenham psi na sua essência.

A questão conceitual é o ponto a ser considerado pela parapsicologia. A questão conceitual deve ser enfocada E não apenas as questões empíricas, como que tem sido a ênfase principal até agora.

A metafísica dominante no século XX nas ciências foi a abordagem baseada na física (physically-oriented). O “tijolo” básico da realidade foi físico. Numa abordagem chamada de causação ascendente (de baixo para cima), ou seja, da física, vem à química, que vem a biologia e a vida (e a consciência). Apesar do desenvolvimento acelerado das tecnologias da informação (no fundo um paradigma quantitativo) e da inteligência artificial, da robótica, das telecomunicações, pensamos que neste século XXI a abordagem predominante será biológica. A ótica preponderante será das relações dos seres vivos entre si e com o meio-ambiente, levada principalmente, por questões relacionadas ao aquecimento global, ao problema do lixo, à escassez de alimentos e água, bem como, ao aprofundamento do conhecimento do DNA e aos processos neurofisiológicos, entre outros. A biologia pode começar explicar as interações à distância entre membros da mesma espécie e com o meio-ambiente, se propuser a existência de um sétimo sentido nos moldes propostos por Sheldrake. Especialmente, nos aspectos ligados a sobrevivência do indivíduo e da espécie.

A grande dificuldade das pesquisas psi não será apenas a sua verificabilidade, confirmação, testabilidade, predição e falseabilidade, mas principalmente a falta do estabelecimento de um conjunto de crenças (unificadas), nas quais se baseie, e que se assemelhe a uma Tradição de Pesquisa ou de um Programa de Pesquisas. Para o progresso da parapsicologia, por que não aceitar como problema conceitual (Castro, 2008):

  1. Admitir, como núcleo de trabalho, uma visão expandida da consciência humana, pois psi parece contradizer o funcionamento mental, baseado somente na estrutura cerebral e atividades eletroquímicas correlatas?
  2. Reconhecer psi como uma anomalia empírica, haja vista as pesquisas fenomenológicas de casos e os registros físicos e laboratoriais?
  3. Reconhecer que psi levanta problemas essenciais sobre a natureza da realidade, tais como, a aquisição de informações sem as usuais limitações de tempo, espaço, mente e energia e que a natureza da percepção, memória, cognição e comunicação estão incompletas?

A parapsicologia para avançar terá de utilizar um núcleo de pressupostos e constructos, um conjunto de crenças, mais gerais e menos testáveis. Uma tradição de pesquisas própria, com ênfase nos problemas conceituais e não apenas nos problemas empíricos, como tem sido até agora. Se os próprios parapsicólogos não estabelecem um núcleo duro das pesquisas psi muito pouco a parapsicologia avançará. Parece estéril a discussão entre parapsicólogos se psi existe ou não.

Procura-se mostrar, neste artigo, que as maiores dificuldades não são as empíricas. São as teóricas e conceituais. Cabe-nos proliferar teorias, conforme instigou Feyerabend. É a multiplicidade de interações que na parapsicologia e sua intensa e extensa interdisciplinaridade, torna essa tarefa gigantesca e estimulante.

Nós, parapsicólogos, se quisermos criar uma tradição de pesquisa própria, precisamos nos tornar menos vulneráveis às tradições de pesquisa de outras ciências, como se delas dependêssemos para nos referendar. Temos um referencial próprio, precisamos afirmá-lo. A título de ilustração, a psicanálise, apesar do seu caráter não científico, tem se desenvolvido bastante no Brasil e na Iberoamérica. Criou um referencial próprio, se libertou da dependência dos ramos das ciências, que a descredenciam e continua a expandir seus adeptos.

Castro (2006), aposta na complementaridade das pesquisas e metodologias empregadas para um entendimento unificado de psi. A utilização do construto de psi interagindo com o(s) modelo(s) psicológico(s) (obtendo indicadores psicológicos para os agentes psi), as contribuições da psicologia transpessoal, a hipnose (e a utilização de técnicas de indução, repetíveis e manipuláveis), o modelo biológico (identificação de campos nos moldes especulados por Sheldrake), o modelo cultural (a cultura como elemento permeável), a abordagem fenomenológica (a experiência do ponto de vista de quem a vivenciou), a abordagem tecnológica para registros anômalos (medições e mediações – para facilitar ou modular sua ocorrência, tais como, medição ou indução de campos eletromagnéticos, geração de ondas acústicas estacionárias, entre outros), e a abordagem neurofisiológica (para obtenção de marcadores fisiológicos para psi), a abordagem do funcionamento psi para o atendimento de determinadas necessidades (reais, percebidas ou psicológicas) trazidas por Braude (1999), são exemplos do que se pode incluir nesse núcleo de pressupostos psi.

Baseado em Laudan, cuja contribuição para o modelo de ciência é mais teórico, a partir do núcleo duro de constructos e pressupostos psi, será possível construir uma tradição de pesquisa, clarificando e resolvendo os problemas levantados por psi.

Trabalho ainda na construção de uma ontologia – tomando por base a abordagem utilizada nas tecnologias da informação. Partirei, num próximo trabalho, de ontologias de alto- nível, ontologias de domínios, ontologias de tarefa e ontologias de aplicação, para tentar estabelecer a um melhor entendimento de psi. No momento, apresento preliminarmente a tabela abaixo, tentando responder o que pode compor um núcleo de pressupostos psi e o como seriam afetadas a metafísica e ontologia em ciência.

EXEMPLO DE NÚCLEO DURO PSI
Abordagem Metafísica ampliada Ontologia alterada Problema

 

 

Biológica Existência do sétimo sentido        biológico

(Sheldrake)

Psi como um dos níveis integrantes de um sistema vivo Telepatia,

clarividência,         a

sensação de estar

 

 

      sendo observado e a identificação        de

campos associados

Cultural Interconexão      dos

seres humanos entre si

Psi como integrante da espécie humana Telepatia,

clarividência       PK,

experiências

transpessoais

Transpessoal Interconexão          e

entrelaçamento dos seres humanos entre si e com a Natureza (Krippner)

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático,              o

clarividente,          o

precognitivo estão presentes (Kreiman).

Telepatia,

clarividência e PK,

experiências

transpessoais

Fenomenológica Interconexão          e

entrelaçamento dos seres humanos entre si

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático,              o

clarividente,          o

precognitivo estão presentes (Kreiman).

Construção          de

indicadores psi

Neurofisiológica A Mente Ancestral (parte                    do

cérebro/mente humana referente ao cérebro reptiliano e mamário)            dão

suporte a experiência psi

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático,              o

clarividente,          o

precognitivo estão presentes (Kreiman).

Telepatia,

clarividência e PK,

experiências

transpessoais

Tecnológica Existência            de

anomalias psi que podem ser medidas e/ou induzidas

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático,              o

clarividente,          o

precognitivo estão presentes (Kreiman).

Construção          de

indicadores psi

Física Meios que suportem as conexões psi (que transcendam         os

limites ordinários de espaço e tempo) (Radin, 2006)

Mentes entrelaçadas (Radin) Telepatia, clarividência, precognição e PK
Matemática Existências           de

estruturas abstratas na mente, tomando por base conceitos e estruturas             da

matemática,      para

maior riqueza de detalhes,      inclusive

através de uma Topologia       Geral

(Ronaldo      Dantas

Filgueira, 2000)

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático,              o

clarividente,          o

precognitivo estão presentes (Kreiman).

Telepatia, clarividência e PK
Psicobiofísica Mente               pode

influenciar a matéria através de fótons (Kokubo)

O psiquismo humano é, por sua natureza, uma mente que pode influenciar a matéria. Habilidade psi para a cura

Em resumo, o enfrentamento de psi como principalmente um problema conceitual e a construção de um núcleo duro psi para resolução e clarificação dos problemas levantados são caminhos efetivos para o progresso da parapsicologia.

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