Ivo Cyro Caruso
ABSTRACT:
O autor deste artigo traz uma rápida análise de certos pontos sob uma visão metodológica, cujo ponto central é a dinâmica e a criatividade de hipóteses envolvendo o inconsciente. Naturalmente, essas hipóteses seriam submetidas a uma ampla crítica com a finalidade de serem refutadas ou aceitas, estudadas até a exaustão, clarificando as limitações ditadas pelo saber atual e resultante de uma interação multidisciplinar. Sem o afirmar, o autor busca no envolvimento do problema do inconsciente um vínculo de noções avançadas, tal como o do link com a do campo psicobioplásmico como componentes intrínsecos em fenômeno não conscientes. As questões levantadas são consideradas pertinentes e também se encontram nas fronteiras do saber atual da parapsicologia.
GERALMENTE ATRIBUÍMOS AOS FENÔMENOS PARANORMAIS uma ocorrência a nível não consciente e tendo uma manifestação (explicitação) consciente. Dizer que ocorrem “a nível inconsciente” trata-se de uma linguagem restritiva e se entende por adotar-se um menor compromisso com a “substantivação” do inconsciente. Entretanto, por outras palavras, o que se deseja expressar é um fenômeno não consciente, ou que foge de um programa consciente. Trata-se de uma modalidade não conhecida pelos processos de percepção consciente. Porém terminamos por admitir que, a esse nível mais profundo, o mecanismo da percepção seja semelhante àquele a nível consciente.
A atenção que se aplica ao problema do inconsciente em parapsicologia tem sido fraca e não costuma ser analisada sob um enfoque interdisciplinar, como tal, para onde convergem diversos domínios do conhecimento: psicologia, psiquiatria, neurofisiologia, estudos sobre a teoria da regulagem biológica e outros sobre as atividades nervosas superiores do sistema nervoso central. Os estágios de cada estudo, no momento, leva-nos a mudar certos rumos, por exemplo, com a cibernética passamos a considerar as atividades cerebrais como um processo complexo, resultado de vários processos mais elementares e associativos, tendo por suporte o sistema nervoso em si mesmo
Temos notado que a maioria dos parapsicólogos segue o esforço da escola de Freud que devido ao pequeno nível do saber neurofisiológico do final do século XIX, organizou uma teoria do cérebro psicanalítico em separado do cérebro neurofisiológico. A psicanálise faz uma abordagem de certos fatos e problemas importantes, mas carece de oferecer uma explicação científica. Os fatos podem ganhar uma interpretação metafórica e conter um discurso conflituoso em face de uma determinada teoria. Mas o constructo psicanalítico do inconsciente, após quase um século, firmou-se como uma das formas da atividade do cérebro
Perguntamos que tipo de inconsciente persegue a parapsicologia? Claro está que depende da metodologia a adequar-se não só ao estudo, mas também à crítica da teoria explicativa. Isso, porém, não esgota como resposta
Um exemplo de um sistema complexo é o conjunto das células nervosas – os neurônios – no cérebro. Cada neurônio pode enviar um impulso elétrico para outros neurônios ligados ao seu axônio. O neurônio emite ou não um impulso elétrico, dependendo apenas do impulso elétrico total que ele, no instante dado, recebe de outros neurônios ligados às suas sinapses. Ora, nota-se que o comportamento individual, do neurônio é por demais simples: se a soma dos impulsos elétricos recebidos ultrapassar certo limite, é emitido outro impulso elétrico através do seu axônio; caso contrário, não ocorrer emissão. Então; em dado instante, cada neurônio só está em um estado, entre dois possíveis: ativo ou inativo, isto é, emitindo ou enviando um impulso elétrico, ou não. É simples, quanto à unidade de informação: um BIT, que também assume um só valor entre dois, um ou zero. Todavia, essa aparente simplicidade de um neurônio é a principal causa de não medir-se o comportamento a partir do estado um ou zero de envio de impulso elétrico do neurônio, devido à intrincada forma de interligação dos diversos neurônios (espacial) e da evolução dinâmica (no tempo) do sistema complexo como um todo, que é o cérebro.
Os estudos dos sistemas complexos apresentam como principal característica a amplitude dos fenômenos naturais abrangidos por diversos campos do conhecimento. Por isso mesmo, não há especialista que tenha uma visão geral e profunda dos fenômenos envolvidos. Trata-se de um estudo interdisciplinar.
Os parapsicólogos apreciam, por demais, fazer a descrição de fatos, preferindo os fatos presenciados por si próprios, como modo de fazer ciência. Apreciam dar um tratamento estatístico como se, através desse, emprestasse um grande brilho aos seus achados. E anotamos, em particular valorizamos os tratamentos que se utilizam de uma medição, inclusive a estatística. Mas como aí reside um problema de causalidade, a verdade estatística só é validada pela média. Isso dá margem a exceções que devem, de alguma maneira, submeter-se à experiência, e aos testes de significância para serem consideradas reais.
Ora, uma coleção de fatos não faz ciência. A evolução científica se faz propondose hipóteses a partir da observação dos fatos. Desde as análises dos fatos, anotam-se aqueles pontos singulares e que se repetem como propriedades, atributos comuns perfazendo qualidades. Esses pontos singulares servem para serem montadas as hipóteses de trabalho, como uma explicação genérica hipotética que abriga uma coleção de atributos. Essa hipótese de trabalho busca em um futuro imaginário um fato que contenha os principais atributos daquele considerado hipotético, através do qual se elaborou o constructo sob estudo. Analise-se se o fato, como ele ocorreu em uma determinada experiência, tem qualidade parapsicológica, isto é, se está de acordo com os atributos das hipóteses de trabalho, obtidos a partir das diversas experiências, alheias ou próprias. Este é um programa científico. Através dos conceitos que emitimos em nossos estudos “Qualidade Parapsicológica” buscamos fixar conceitos e definições ao perseguir um programa científico para o Modelo Geral da Parapsicologia – MGP – do I.P.P.P. (Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas). Os fundamentos desse trabalho são encontrados em outras publicações e não é do nosso escopo repeti-las aqui.
À medida que se tenham grupos de atributos (a) define-se uma classe de hipótese {H}. Um grupo de hipóteses validadas pelos fatos experimentais, resultantes de observações próprias ou de outros observadores treinados, produziria uma ou mais hipótese explicativa do fenômeno. A questão é ousar, criar teorias e hipóteses e submetê-las à critica. Uma teoria não necessita explicar todos os fenômenos, porém já faz ciência, se essas teorias oferecerem certo grau de aderência e de controle e comando do fenômeno. A critica científica evolui no sentido de avaliar-se se o sistema proposto é mais aderente com a realidade observada.
A segunda abordagem é o estudo dos processos nervosos envolvendo o suporte material da rede nervosa: a) as etapas serão coerentes com o grau de complexidade dos múltiplos sistemas neurofisiológícos; b) estudando as diversas funções de maneira abstrata, apenas como modalidade de elaboração da informação para possibilitar uma codificação. Esta parece ser uma das vias mais adequadas para estudar a interação de uma multiplicidade de sistemas muito complexos, que encontram base no comportamento de adaptação e, portanto, podem ser analisadas as energias envolvidas no sistema complexo. Esse aprofundamento de avaliação das energias envolvidas com base no comportamento de adaptação é um dado jungiano.
A terceira abordagem cuida da atenção que deve ser dirigida para as leis que tratam dos métodos de regulação das funções, os esquemas de organização dos processos e do substrato material desses processos. As abordagens referentes aos processos são as mais complexas e despertam os maiores questionamentos exigindo maior criatividade na formulação dos modelos, hipóteses e teorias.
Pelo que se observa, o problema do inconsciente, como de resto, na própria parapsicologia, está exigindo um programa multidisciplinar orientado de pesquisas para obter-se uma visão analítica das estruturas funcionais desses processos que ocorrem a nível não consciente, sob uma perspectiva de sua organização, compreensão lógica, coordenação, controle e comando. Isto é um programa cibernético.
Trata-se, enfim, de um programa grandioso (em complexidade e custo econômico). Caberia a uma associação mundial encampar um tal programa distribuindo informações entre os diversos associados.
Pensamos que os fenômenos da atual classificação da parapsicologia estejam abrangendo grupos de fenômenos elementares, isto é, o modo telepático (tomado como exemplo) abrange outros mais elementares, os quais analisados separadamente devem proporcionar novos problemas, novas questões, novas hipóteses.
O estudo do cérebro e de suas funções aparece como fundamental à formação do parapsicólogo. O processo psíquico da percepção quer consciente, quer não consciente, tendo o seu apoio na rede neuronal, seria considerada de mesma importância e, talvez, de mesma modalidade. Até parece que estamos retornando a Wundt (1862) que sublinhava “a singularidade qualitativa e funcional da atividade intelectual inconsciente em todos os homens: os processos lógicos inconscientes se desenrolam em conseqüência dessa singularidade com uma regularidade e uma monotonia que seriam impossíveis caso se tratasse de construções lógicas conscientes”.
Esse programa de estudo, nos primeiros estágios, examinaria como se transfere uma imagem de mente para outra mente. Neste ponto, a imagem de que tratamos é aquela comum ao sujeito observador em relação com o objeto, sendo este último representado por sua imagem na mente do observador.
Desde 1991 temos defendido o que denominamos Qualidade Parapsicológica, que é uma qualificação de um fenômeno parapsicológico estudado com exaustão e cuja análise e crítica fenomenológica seja feita de tal modo que os seus atributos sirvam de paradigma. Diante de manifestações idênticas o parapsicólogo não se deteria senão em classificar, caso ele não ofereça novidades em relação aos experimentos prévios.
Em 1996, no I Encuentro Iberoamericano de Parapsicologia, Buenos Aires, em nosso trabalho “Fundamento Para Las Teorias De La Parapsicología” defendemos alguns enunciados e conceitos para poder-se fundamentar uma teoria parapsicológica.
A maioria dos pesquisadores parapsicólogos elegem o método estatístico-matemático e se contentam como sendo uma medição suficiente. Defendemos as mensurações, mas não podemos esquecer de esclarecer o que estamos medindo. Com efeito, estaríamos medindo um produto do fenômeno sem avançar no conhecimento do processo.
Há grupos de estudiosos que se inclinam a uma aproximação com os métodos psicológicos e clínico-ambulatorial (aí se incluindo procedimentos da hipnose e “ganzfeld”). Esses métodos podem, até mesmo, limitar algumas variáveis, mas não deixam de tratar-se de procedimentos coercitivos, que tendem a reduzir outras variáveis envolvidas no processo uma vez que desconhecemos o número total das (de todas) variáveis participantes do fenômeno. Essa identificação há de ser iniciada. Desse modo, não podemos esquecer de estabelecer uma metodologia adequada para as observações dos fenômenos espontâneos.
Atribui-se, ademais, aos processos do inconsciente atributos substantivos, ora fragmentando-os, ora considerando-os como se fossem órgãos do sistema nervoso central. Sob este último aspecto não teríamos como explicar a parapsicologia, senão contendo componentes a nível não consciente de um típico processo do raciocínio criador, composto de problemas inventivos (ou não) e que se utilizam de imagens (memorizadas) do próprio cérebro, ou de seus sistemas de arranjos “gestálticos”, ou de imagens induzidas em que o indutor seja outro cérebro, um ser vivo ou um objeto inanimado.
Teríamos, então, de responder a perguntas tais como: De que modo se processa a estrutura lógica do programa em que se elabora a solução do problema criador? Como se imprime um caráter nas imagens do próprio cérebro e das imagens induzidas? Como se dá a livre condução do fluxo de recordações (memória) capazes de estruturar os sistemas “gestálticos”? Ou tudo isso seriam pseudos problemas?
Pierre de Latil (Pensamento Artificial) estabeleceu o que denominou fator pré-comum. Os fatores pré-comuns, integrantes da espécie humana, são capazes de manter vínculos entre os indivíduos. A noção é mais abrangente do que o arquétipo de Jung. São os fatores pré-comuns os facilitadores nas relações entre indivíduos e de seus grupos, nas reações aos mesmos problemas, apreendidas e integradas nas relações eu-mundo. Esses fatores pré-comuns estão presentes, a nível não consciente e consciente, fazem parte da memória do individuo e do seu grupo, quer de forma genérica, quer familiar, ou regional ou da própria espécie.
Em seu livro “Psicons – do real ao imaginário” (ABRAP, Rio de Janeiro, 1991, p. 4 e 5) Geraldo S. Sarti apresenta o LINK como um acoplamento de um pensamento a um sistema nervoso ou a outro objeto fisico. Afirma que “a nossa consciência é o resultado de um link entre o pensamento e um sistema nervoso”. No mesmo livro, página 19, Sarti sugere “nosso pensamento poderá ser extra-cerebral”, e citando Huglins-Jackson, tal qual uma “concomitância dependente” ou no dizer de Freud o “paralelismo psicofisico”.
Seria, esse link, um componente psicobioplásmico? seria constatado por algumas pessoas que dizem “ver” a “aura” de pessoas ou objetos? Para Sarti, que elabora uma teoria da partícula imaterial do psicon bem fundamentada matematicamente (mas sem realidade fisica), o link proposto aponta para um “conteúdo informacional semântico (que) pode estar presente em objetos sem sistema nervoso”. Seria esse elemento psicobioplásmico inerente ao corpo vivo? Seria uma estrutura complexa envolvente do indivíduo e que manteria vínculos com outros indivíduos e objetos?
Há meios de treinamentos de uma pessoa qualquer obter a “visualização” da aura de outra pessoa ou objeto. Geralmente a intensidade da iluminação é reduzida, o “observador” olha fixadamente o alvo, enquanto o desfoca de vista. A visão da aura ainda é uma experiência subjetiva. Relatos já levantados nos têm indicado que as pessoas que exercitam a “visão da aura”, quanto às suas alterações, manchas e cores predominantes, num conteúdo semântico significativo. Estaria esse campo psicobioplásmico vinculado a um processo paranormal, como se fosse um suporte de natureza energética e informacional, ainda não consciente?
As sugestões derivadas dos conceitos ora tratados implicam na existência de componentes, extraordinários, transmissores de conteúdos informacionais e energéticos, a nível não consciente, que merece a nossa atenção como problemas a serem examinados à luz da parapsicologia.
(*) Trabalho apresentado no I Congresso Internacional e Brasileiro de Parapsicologia, Recife, de 31 de outubro a 2 de novembro de 1997.