Jalmir Freire Brelaz de Castro, M.Sc.
Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas – IPPP
Recife – PE – Brasil
Trabalho apresentado no IV Encontro Psi: Implicações e Aplicações da Psi. Campus Universitário Bezerra de Menezes – Faculdades Integradas “Espírita” – Curitiba – PR, 10 a 13.07.2008
RESUMO
Este trabalho se propõe a refletir sobre a evolução dos critérios de cientificidade desde o positivismo do século XIX até a atualidade. Abordaremos a relação da parapsicologia com os critérios científicos de verificação, confirmação, repetição, explicação, explicação, predição, demarcação e falseabilidade. Será que podemos afirmar que a parapsicologia progrediu como ciência? E quais as dificuldades enfrentadas até agora? Será algum dia revolucionária?
Entendemos para que a parapsicologia progrida faz-se necessário que estabeleça sua própria tradição de pesquisas, nos moldes trazidos pelo filósofo da ciência Larry Laudan. Ou seja, um núcleo de constructos, crenças e pressupostos, menos testáveis e mais operacionais, onde o que importa seja a efetividade na solução de problemas levantados por psi.
Faz-se necessário investir também nos problemas conceituais, tais como mente e consciência, não apenas nos problemas empíricos para que possamos avançar. E o desenvolvimento de uma heurística própria para a parapsicologia.
Acreditamos num entendimento unificado de psi com o uso de diversos modelos de pesquisas e metodologias. A utilização do constructo psi interagindo com o(s) modelo(s) psicológico(s), as contribuições da psicologia transpessoal, a hipnose, o modelo biológico como o trazido por Sheldrake, o modelo(s) cultural(is), a abordagem fenomenológica, a abordagem tecnológica para registros anômalos e a abordagem neurofisiológica (para obtenção de marcadores fisiológicos para psi) são exemplos do poderemos incluir nesse núcleo de pressupostos psi. PALAVRAS CHAVE: FILOSOFIA DA CIÊNCIA, MÉTODO CIENTÍFICO, HIPÓTESES, TRADIÇÃO DE PESQUISA,
REFLEXIONS ABOUT PARAPSYCHOLOGY AND PHILOSOPHY OF SCIENCE – HAS PARAPSYCHOLOGY PROGRESSED AS SCIENCE?
ABSTRACT
This paper proposes to think about the evolution of scientific criteria since positivism from XIX century until now. We will discuss the relation of parapsychology with the scientific criteria of verification, confirmation, repetition, explication, prediction, demarcation and falsification. Has parapsychology progressed as science? What are the difficulties found so far? Will it be revolutionary some day?
We defend for parapsychology to progress it is necessary to establish its own research tradition, in the model brought by the philosopher of science Larry Laudin. It means to establish a hard core of constructs, beliefs, and assumptions, less testable and more operational, on which what matters is the effectiveness on the solution of the problems raised by psi.
It will be necessary to invest also on conceptual problems, such as mind and consciousness, not only on empirical problems so parapsychology can progress. And parapsychology needs to develop its own heuristic.
We believe on a unified understanding of psi with the usage of several research models and methodologies. The use of psi as a construct interacting with the psychological model(s), the contributions of transpersonal psychology, the hypnosis, the biological model as the one brought by Sheldrake, the cultural model(s), the phenomenological approach, the technological approach for the induction and the registration (some times induction) of anomalous phenomena and the neurophysiologic approach are examples of what we can include in this hard core of psi assumptions
KEY WORDS: PHILOSOPHY OF SCIENCE, SCIENTIFIC METHOD, HYPHOTESIS, RESEARCH TRADITION
REFLEXIONES SOBRE PARAPSICOLOGÍA Y FILOSOFÍA DE CIENCIA – ÓHA PROGRESADO PARAPSICOLOGÍA COMO CIENCIA?
RESUMEN
En este trabajo se propone reflexionar sobre la evolución de criterios científicos desde el positivismo de siglo XIX hasta ahora. Vamos a discutir la relación de parapsicología con los criterios científicos de verificación, confirmación, la repetición, explicación, predicción, la demarcación y la falsificación. Ha progresado parapsicología
como una ciencia? ^Cuáles son las dificultades encontradas hasta ahora? ^Será revolucionário algún día?
Estamos para defender la parapsicología para avanzar es necesario establecer su propia tradición de investigación, en el modelo senalado por el filósofo de la ciencia Larry Laudin. Esto significa establecer un núcleo de constructos, creencias y supuestos, menos comprobables y más operativo, en que lo que importa es la eficacia en la solución de los problemas planteados por psi.
Será necesario invertir también en problemas conceptuales, como la mente y conciencia, no sólo en los problemas de manera empírica parapsicología puede progresar. Parapsicología y tiene que desarrollar su propia heurística.
Creemos en un entendimiento unificado de psi con el uso de varios modelos de investigación y metodologías. El uso de psi como un constructo que interactúan con el modelo psicológico (s), las contribuciones de la psicología transpersonal, la hipnosis, el modelo biológico como la primera de ellas interpuesta por Sheldrake, el modelo cultural (s), el enfoque fenomenológico, el enfoque tecnológico para la inducción y el registro (algunas veces de inducción) de fenómenos anómalos y el enfoque neurofisiológico son ejemplos de lo que podemos incluir en este núcleo duro de hipótesis psi
PALABRAS CLAVE: FILOSOFÍA DE LA CIENCIA, MÉTODO CIENTÍFICO, HYPHOTESIS, TRADICIÓN DE INVESTIGACIÓN
INTRODUÇÃO
Os fenômenos paranormais ou psi parecem alterar a forma como compreendemos, neste início do século XXI, os conceitos de espaço, tempo, mente e energia. Nesse aspecto, os fenômenos levantam questões sobre os limites do que entendemos como realidade. Esta situação limite também se reflete nas relações da parapsicologia com a filosofia da ciência.
A metafísica hoje predominante em ciência é a da física. Um dos seus pilares é o princípio da objetividade forte (Goswami, 2003) – que afirma ser a realidade (do latim res ou coisa) independente de nós. Psi sugere um papel para a subjetividade e a consciência, no dito mundo real.
Marriotti (2001: 8) chama de representacionismo o marco epistemológico prevalente em nossa cultura. A mente como espelho da natureza. A objetividade é privilegiada e a subjetividade é descartada como algo que pode comprometer a exatidão científica. Segundo Marriotti, o maior problema epistemológico de nossa cultura é lidar com aquilo que é subjetivo e qualitativo.
Psi evidencia a possibilidade uma outra natureza para a realidade. Ou seja, de uma outra ontologia, do grego ontos (ser) e logo (conhecimento), com novos pressupostos conceituais para a natureza. Psi também sugere um entendimento ampliado do mundo e sua essência, i.e., de sua metafísica, do grego meta (além) e physis (natureza).
A metafísica fornece a heurística (da mesma etiologia de eureka – descoberta) orientadora da formação de teorias. Heurística (do greco eupíüKw, heurísko, literalmente “descubro” ou “acho”) é uma parte da epistemologia e do método científico. Define-se procedimento heurístico como um método de aproximação das soluções dos problemas, que não segue um percurso claro, mas se baseia na intuição e nas circunstâncias a fim de gerar conhecimento novo. Psi, e o papel que sugere para a consciência, indica que o princípio da objetividade forte está incompleto. Isto pode levar, de uma forma geral, a novos fatores para a heurística das pesquisas. Como, por exemplo, o papel do pesquisador no resultado das pesquisas e o papel da consciência nas investigações envolvendo seres vivos.
Ao longo do século XX, tornou-se evidente a impossibilidade de utilização de uma única heurística para as ciências. O desenvolvimento das ciências dá-se de modo desigual à base de evoluções de características muito diferentes entre si (mudanças teóricas, resultados empíricos imprevistos, mudanças culturais). Atualmente, os estudos sobre a heurística concentram-se, sobretudo, no interior de cada ciência. Pode-se assim falar de uma heurística da biologia, da química, da física, , para falarmos das ciências da natureza. Por que não falarmos de uma heurística para a parapsicologia?
A parapsicologia tem elevada interdisciplinaridade com outras ciências. Apesar das pesquisas orientadas ao processo, ela, timidamente, tem caminhado para uma heurística própria. Talvez como forma de se validar perante outras ciências.
Conceitos que, progressivamente, foram se incorporando ao arcabouço da ciência, tais como, verificação, confirmação (quanto maior o número de testes, maior o grau de confirmação de uma teoria), repetição, explicação e predição, demarcação e falseabilidade, estão fortemente presentes no desenvolvimento da parapsicologia. Mas ao que parece não foram suficientes para torná-la amplamente aceita na ciência tradicional.
Radin (1997: 2 e 19) faz uma simples colocação do que é ciência. Define-a como um corpo bem aceito de fatos e um método de obter aqueles fatos, embora os cientistas possam divergir do que significa ser bem aceito, fatos e métodos. Coloca que psi cai em duas categorias gerais. A primeira como percepção de objetos ou eventos além do alcance dos sentidos ordinários. A segunda como ação psíquica sobre a matéria.
Observe-se que Radin não se refere aos problemas conceituais. Os filósofos da ciência, como Larry Laudan, afirmam que os maiores problemas a serem abordados são os problemas conceituais. São neles que os parapsicólogos deveriam investir.
PROBLEMAS EM PARAPSICOLOGIA E SEUS ASPECTOS CONCEITUAIS IMPLÍCITOS
Quais são os problemas da parapsicologia? Psi existe? Por que os problemas da parapsicologia encontram dificuldades em ser aceitos pela ciência? Abaixo apresentaremos algumas proposições de destacados pesquisadores.
Caruso (2002) argumenta que a parapsicologia herdou problemas filosóficos, religiosos e científicos. Segundo ele, os principais problemas são: o problema mente-corpo, a fisiologia da percepção e outras funções cerebrais, tais como pensamento e memória, os problemas relacionados com as diferenças individuais, as questões do tempo em que se desenvolvem as reações nos indivíduos e o posicionamento ético nas investigações experimentais. Caruso adverte que a maioria dos nossos conhecimentos sobre os fenômenos parapsicológicos é mais descritiva do que explicativa e que, no paradigma atual da parapsicologia, não existe qualquer processo neuronal do sistema nervoso central no fenômeno psi. Embora alguns pesquisadores como Roll e Persinger (1998:196), baseados nos estudos neurofisiológicos com Sean Hurribance, sugerem que ESP é primariamente uma função do lado direito do cérebro.
Outros pesquisadores como Kreiman (2003: 9-10, 12), cujas obras têm uma abordagem orientada ao processo, procuram agregar aos problemas da psicologia os temas da parapsicologia, referindo-se a uma cognição paranormal. Afirmam que os fenômenos parapsicológicos pleiteiam a existência de um nível mental na natureza e que o psiquismo do ser humano é, por sua natureza, uma mente em que o telepático, o clarividente, o precognitivo estão presentes. Entendem que a parapsicologia deveria responder aos seguintes problemas, entre outros: como funciona a ESP? Qual o mecanismo ou dinamismo mediante qual o inconsciente ascende à consciência? O que favorece ESP? O que a pertuba? De que maneira ESP pode impulsionar nossa conduta? Qual a medida de receptibilidade de ESP?
Krippner (2006: 146) assinala que a parapsicologia é a disciplina que estuda as interações entre de organismos com outros organismos, e entre organismos e o seu ambiente, que parecem transcender o entendimento científico de espaço, tempo e energia. Relacionando a parapsicologia com a psicologia transpessoal, afirma que os estados transpessoais de mente/corpo, podem ser entendidos em termos da teoria do caos e complexidade como sistemas auto-organizáveis e autocriativos (autopoiese). Afirma que ambas as abordagens apresentam uma alternativa ao pensamento ocidental de causa e efeito, como as encontradas nas filosofias orientais, como o budismo, os Vedas, o taoísmo e os ciclos encontrados nas tradições dos nativos norte-americanos. Krippner acredita que a parapsicologia e a psicologia transpessoal podem suplementar e enriquecer a psicologia e a filosofia ocidentais.
O biólogo Rupert Sheldrake (2004: 16-17) aborda os indícios a favor da existência de um sétimo sentido, indicando que devemos adotar uma visão mais ampla da mente, na qual não só a mente humana, mas também a dos animais sai do corpo e se projeta em direção ao mundo que a rodeia. Entende que os campos mentais, que se estendem além do cérebro, podem ajudar a explicar a telepatia. Ela parece ser extremamente comum no reino animal e faz parte da nossa natureza biológica. Advoga a existência de um sétimo sentido. O sexto sentido foi encontrado pelos biólogos que estudam os campos elétricos e magnéticos nos animais. Como, por exemplo, os encontrados nas enguias, tubarões e arraias. Define que o termo sétimo sentido expressa a idéia da telepatia, da sensação de estar sendo observado e das premonições. O sétimo sentido se inclui numa categoria diferente dos princípios físicos conhecidos para os cinco sentidos comuns e dos diferentes sextos sentidos encontrados.
Todos esses problemas são inerentemente conceituais. Extrapolam os limites da nossa atual realidade.
A EXPLICAÇÃO E A PREDIÇÃO EM PARAPSICOLOGIA
Modernamente, a ciência, notadamente o grupo denominado de empiristas lógicos (Feijó, 2003: 81), enfatiza a explicação e a predição como os principais critérios de cientificidade. Lakatos & Marconi (1986:29-37) colocam a predição entre as principais características do conhecimento científico, juntamente como conhecimento racional, objetivo, factual e transcendente aos fatos. Santo (1992: 20) afirma que a predição é fundamental para o trabalho da Ciência. Apresentou a figura abaixo onde classifica as ciências numa escala indicadora de níveis probabilísticos de predição. As ciências humanas, nas quais tenta se inserir a parapsicologia, são as de nível mais baixo de predição.
Ciências Ciências Ciências Ciências Baixa predição I I I I—————————– >I Alta Predição
Humanas Sociais Biológicas Exatas
Observem a abordagem lógica empirística acima referida por Lakatos&Marconi e Santo. A baixa predição dos fenômenos psi é onde os céticos e detratores da parapsicologia se apoiam. Tomemos, como exemplo, os experimentos ganzfeld, nos quais ainda discutem os parapsicólogos, através das meta-análises, se os resultados foram significativos. São de baixa previsibilidade.
A falta dos aspectos explicativos e preditivos da psi ensejam as maiores críticas sobre o conhecimento parapsicológico. A informação contida em psi, além de inconstante, também parece ser estocástica, por variar com o tempo. Radin (1997: 42-43) alerta que, além de estocástico, psi pode ter efeitos reativos à situação experimental, alterando suas características por causa do experimento. Argumenta que, nas ciências sociais e comportamentais, é virtualmente impossível garantir que um indivíduo testado uma vez será exatamente o mesmo quando testado posteriormente. Ao lidar com organismos vivos não se pode esperar estrita estabilidade de comportamento no tempo.
Os modelos existentes em parapsicologia são meramente descritivos e não explicativos. Por exemplo, modelo geral proposto por Borges & Caruso (1986: 256-260), de bases cibernéticas, é um exemplo de um bom modelo descritivo. Nesse modelo, há três elementos circunstanciais em psi: o agente (AP), o meio psi (MP) e o fluxo psi (FP). A função psi = {(AP), (MP), (PF)}é o resultados da interação entre esses elementos. Não há o como ocorre o processo
Ian Stevenson (1999: 261, 264) não considera como critério essencial de cientificidade a predição nem tão pouco o falseamento. Compilou as seguintes tabelas demarcatórias abaixo sobre o que considera essencial e não essencial em ciência:
Características que NÃO são essenciais ao empreendimento científico | Características que são Essenciais ao empreendimento científico |
1 Localização | 1.Os métodos devem ser públicos e publicamente reportados |
2. Controle das Condições Experimentais | 2. Os eventos observados devem ser públicos |
3. Repetibilidade | 3. objetividade nas observações |
4. Falseabilidade | 4. Comparação de uma observação ou conjunto de observação com outras observações |
5. predição | 5. Poder explanatório de uma teoria derivado de uma nova oservação |
6. Quantificação | 6. Testes repetidos na teoria contra novas observações e teorias alternativas |
7. Controle de grupos | 7. Replicação independente das observações |
8. Persuasão da maioria dos cientistas da acuidade das observações e teorias alternativas |
Sobre a utilidade em ciência, Lakatos& Marconi (1986: 38) admitem que o conhecimento científico é útil em decorrência de sua objetividade, porque cria ferramentas de observação e experimentação, conferindo um conhecimento adequado das coisas e, consequentemente, o seu manuseio com êxito. Mantém a Ciência, uma conexão com a tecnologia, e todo avanço tecnológico suscinta problemas científicos tornando a Ciência e a tecnologia um ciclo de sistemas interatuantes.
A utilidade não é um critério científico. Mas, na sociedade tecnológica ocidental, esta é uma questão fundamental. Os investimentos são feitos em pesquisas pela utilidade proporcionada.
Pensamos que o problema da predição em parapsicologia não é seu calcanhar de Aquiles. O ponto em questão é o da utilidade da parapsicologia em um contexto tecnológico. O que ainda não existe, apesar das colocações otimistas de Radin (1997: 191-207) sobre uma possível utilidade tecnológica da parapsicologia em relação a diagnósticos psi em saúde (como os feitos por Edgar Cayce), as aplicações militares e de inteligência, os investigadores psíquicos (para elucidação de crimes), possíveis aplicações em tecnologia e na tomada de decisão (intuição) nos negócios.
ASPECTOS POSITIVISTAS NA PARAPSICOLOGIA
O positivismo traz um enfoque científico firmemente apoiado em fatos empíricos. Tem como pressuposto a existência de uma ordem imutável na natureza e o conhecimento a reflete (Andery & Sério: 1988: 378). Nele, o conhecimento científico não comporta julgamento de
valor: apenas fatos. Há um princípio subjacente – o da verificação. Embora hoje superado, ele foi por muito tempo considerado o principal conceito científico de uma hipótese. O francês Auguste Comte (1798-1857), autor do Curso de Filosofia Positiva, em 6 volumes (entre 1830 e 1842), foi um dos seus principais expoentes.
No positivismo, há uma crença na testabilidade das teorias. Os fatos possuem um enorme peso. Implica na ideia de uma realidade exterior e da correspondência da realidade com essa teoria. Ou seja, a teoria parece ser um espelho da realidade. Se a teoria é verdadeira logo a ontologia revelada por ela é verdadeira. Na metafísica positivista não há diferença entre essência e aparência. É baseada em organizar e não destruir, no real, útil/ocioso; certeza/ indecisão; preciso/vago. Atualmente, o legado positivo de Comte pode ser notado na análise quantitativa estatística moderna. Ainda hoje, a parapsicologia pratica uma busca desenfreada pelos fatos: mostrar que psi existe.
Hessen (1999: 33, 35) chama o positivismo de Comte de ceticismo metafísico, que nega a possibilidade do suprassensível. Não existe saber ou conhecimento filosófico- metafísico, mas somente o saber e o conhecimento das ciências particulares. Difere do ceticismo de Descartes, que proclama os direitos da dúvida metódica, ou seja, um ceticismo metódico e não de princípio. Lembra a postura que os céticos de hoje têm com relação à parapsicologia. Ao invés de um ceticismo metódico, os céticos praticam um ceticismo de princípio, uma posição filosófica, em relação aos fenômenos psi, negando a sua existência.
Bunge (2003: 26-27) adverte que o mais comum é o cientista aceitar os dogmas positivistas, segundo os quais só importam os feitos da experiência e as teorias como resumos de dados observáveis ou experimentais. Afirma que, quem se atém a essa filosofia tosca, se condena a juntar dados sem saber por que nem para que. Não é o que ocorre com as críticas às pesquisas psi?
A parapsicologia tem trilhado uma abordagem tipicamente positivista. Como tal, ela demonstra, na maior parte das vezes, não ter ainda passado do princípio da verificabilidade enquanto ciência. Os parapsicólogos parecem querer, acima de tudo, tentar verificar a existência das funções psi. E demonstrar à comunidade científica que ela existe. Mesmo nas pesquisas orientadas ao processo.
VERIFICAÇÃO, CONFIRMAÇÃO, E A CONVENÇÃO EM CIÊNCIA (DEMARCAÇÃO E FALSEAMENTO) E PARAPSICOLOGIA.
Desde Rhine, procura-se “verificar” e “confirmar” a existência de psi. A abordagem rhineana é denominada orientada à prova. Os experimentos típicos são através dos testes zener e suas variações. Na abordagem orientada ao processo se procura descobrir como ocorre psi e as condições e situações psi condutivas. Os experimentos típicos são ganzfeld, mas há outros diversos estudos da consciência suportados por geradores de números aleatórios, e as meta-análises desses experimentos. Na abordagem orientada ao processo procura-se, sistematicamente, verificar estatisticamente que os resultados apresentados são significativos. E tenta-se replicar esses resultados. Esta é a “realidade” do parapsicólogo, hoje.
O confirmacionismo procurou ser uma saída ao verificacionismo. Teoria já sujeita a n-1 experimentos bem sucedidos, é tida como confirmada em grau maior se resiste a n experimentos comprobatórios. Uma teoria nunca é completamente confirmada. Mais e mais experimentos aumentam o grau de confirmação. Não há limite superior. Novas filosofias, não mais as de Aristóteles (arché, a causa primeira) e Kant (coisa em si) foram elaboradas para se ajustarem à física moderna.
Dantas (2000: 142-143) contesta a questão da replicabilidade, como critério de cientificidade. Baseado na teoria do caos, explica que um experimento que funcionou no passado pode não funcionar no futuro, devido a pequenas variações perceptíveis ou não. Traz, como consequência, a imprevisibilidade e não a replicabilidade de determinados fenômenos. Aplica-se principalmente aos fenômenos psicocinéticos, onde parece que a mente pode influenciar mais facilmente um objeto em movimento do que um estacionário. Base das pesquisas com os sistemas aleatórios, como os de dados em movimentos ou partículas subatômicas.
No Círculo de Viena criado em 1922, a filosofia ganha abordagem mais analítica. São denominados de positivistas lógicos. Eles aceitam o conhecimento hipotético, desde que possa prever fatos empíricos e proporcionar novas tecnologias. Para eles a tarefa essencial da filosofia consiste em analisar as sentenças do conhecimento com o propósito de torná-las claras e não ambíguas. Isto foi incorporado pela parapsicologia e por todas as ciências de uma forma geral.
Modernamente os positivistas lógicos enfatizam a significância dos enunciados. Para os empiristas lógicos, a ênfase está na explicação e na predição. A partir dos anos 30 do século XX procura-se não testar, mas descartar a teoria. Não ver os casos em que ela funciona. Mas procurar situações em que ela não funciona, delimitando-a. Para valer-se de que é uma ciência e não uma abordagem mística a parapsicologia muito se tem valido dos critérios de demarcação e falseamento.
O falseamento de Popper (1985) passa a ser o critério decisivo de cientificidade malha complexa de decisões, que envolve riscos. Quanto mais uma teoria proíbe mais ela diz. Surge a demarcação. Teorias que não foram refutadas pelo teste continuam com o caráter de conjecturas. Substitui o indutivismo pelo dedutivismo. A teoria primeiro é formulada, e só então testada. É a convenção que demarca a ciência e a não ciência.
O primeiro passo, em uma pesquisa científica, é a formulação do problema. A hipótese, de acordo com Lakatos e Marconi (1986: 118-119), é uma proposição enunciada para responder tentativamente a um problema, devendo ser submetida à verificação para ser comprovada. A hipótese pode ser considerada como uma declaração de crença relativa a um fenômeno, fato ou relacionamento entre variáveis antes de ser aceita ou rejeitada (Santo, 1992: 150), e deve ser testada. Já uma teoria é um sistema de proposições ou hipóteses, que têm sido constatadas como válidas (ou plausíveis) e sustentáveis, conforme Trujillo, apud Lakatos e Marconi (1986: 109). A teoria deve ter, entre outros requisitos: sistematicidade ou unidade conceitual, simplicidade semântica, coerência externa (coerente com a massa de conhecimentos aceita, neste caso, permite apenas mudanças muito restritas e limita o progresso da ciência – Feijó, 2003: 92). A teoria deve ter ainda poder explanatório (= alcance x precisão, tendo limites, senão não é científico), ter sólidos fundamentos, e ser unilateral (não podendo abrigar hipóteses contraditórias).
Ou seja, a teoria tem uma faixa restrita. Veremos adiante que os conceitos de programa de pesquisas e principalmente a tradição de pesquisa são mais abrangentes e mais adequados às ciências e a parapsicologia
Convém separar modelo de teoria, uma vez que esses termos são muito utilizados. Santo (1992: 22-23), diferencia teoria e modelo, notadamente em certos ramos das ciências aplicadas (i.e. modelos físicos ou icônicos, esquemáticos, matemáticos ou simbólicos, etc.). Nesses, os modelos são instrumentos para solução de problemas emanados de um sistema ou parte dele. Neste particular, modelos são tratados de forma bem mais concreta que teorias. Os modelos são algo mais operacional, a representação de parte de um sistema, uma parte específica da realidade. A teoria tem, portanto, alcance mais amplo. O termo modelo pode ser mais adequado para estudo de certos fenômenos psi, tais como. os poltergeist (psicocinese espontânea recorrente) para ressaltar o aspecto operacional e restrito de determinado problema psi.
A parapsicologia, com sua etimologia para = ao lado, no caso ao lado da psicologia, mostra uma tentativa de associação com essa ciência. Parecia não ter objeto próprio e sim emprestado. A demarcação dos fenômenos psi como um objeto diferente das demais ciências foi uma conquista da parapsicologia. A filiação da Parapsychological Association à American Association for the Advancemento of Science., em 1969, retrata esse avanço.
O RELATIVISMO EM CIÊNCIA E PARAPSICOLOGIA – KUHN e FEYERABEND
A convenção de Popper e sua característica a – histórica foi modificada pela introdução do pensamento relativista. Deslocando o debate do campo lógico, alguns filósofos da ciência como Kuhn e Feyerabend, com base em fatos da história da ciência, fizeram novas proposições,
A contribuição de Kuhn (1970) foi mostrar que as ciências progridem de modo revolucionário. E que o trabalho do cientista é moldado por paradigmas. No caso da parapsicologia há algum tempo se espera que haja alguém capaz de lançar uma teoria revolucionária.
A própria imprecisão e ambiguidades trazidas pelo termo paradigma, levou Kuhn (1970: 182-185) a sugerir sua substituição por matriz disciplinar. Matriz porque é composta de elementos de várias classes, cada uma requerendo especificações posteriores. Disciplinar porque se refere aos elementos comuns dos praticantes de uma disciplina específica em ciência. Na visão de Kuhn, o paradigma é orientado por princípios psicológicos gestálticos, que orientam a percepção. E aspectos sociológicos, quando se refere à constelação de crenças, valores e técnicas compartilhadas de determinados membros de uma comunidade científica. Ontologicamente, a ciência é guiada por paradigmas. Ou seja, por verdades relativas. Não só está distante, mas enfraquece a visão de Popper de falseamento, de crença na verdade científica, e de regras metodológicas atemporais.
Feyerabend (1993: 9) afirma que ciência é essencialmente um empreendimento anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário e mais provável de encorajar o progresso do que as alternativas de lei e ordem. Defende o princípio da tenacidade: ideias sejam lançadas mesmo contra as evidências de teorias bem estabelecidas. Um exemplo clássico foi a controvérsia de Galileu contra os escolásticos da época. Ele só pôde avançar porque agiu contra indutivamente, contra fatos bem estabelecidos. Considerou que os avanços científicos ocorrem quando as regras metodológicas são postas de lado. Conferiu papel importante às hipóteses ad doc, por proliferar teorias. Das hipóteses ad doc é o de que precisamos, por exemplo, para as aparições e assombrações, pois essas experiências “tenazmente” continuam a ocorrer em nossa sociedade.
Para Feyerabend, o princípio da tenacidade leva à proliferação de teorias e ao progresso da ciência, se a percepção dos fatos e a interpretação do significado dos conceitos científicos forem condicionadas pela teoria. Quanto mais teorias, maiores os leques de percepções e de significados. Os avanços científicos ocorrem quando as regras são postas de lado. A única regra metodológica clara é que se deve quebrar as regras. A prática que prevalece em ciência é, essencialmente, a anarquia e não o acatamento de um método (popperiano). Priorizou o uso da história na interpretação da ciência. Mas não criou uma teoria da comunidade científica ou outra que desse ordenamento ao material histórico.
As ideias de Paul Feyerabend são interessantes para estimular o debate sobre o progresso das ciências, pois o associa à proliferação de teorias. Instigam particularmente a parapsicologia, que tem uma grande variedade de fenômenos e situações anômalas, e pode proliferar teorias dessas situações. Da telepatia e clarividência, micro-PK, temos também as experiências fora-do-corpo – EFC, as experiências na proximidade da morte – EQM, os casos sugestivos de reencarnação, as aparições, os poltergeist e tantos outras que levantam especulações e hipóteses sobre os limites das interações mente-corpo e mente ambiente.
O conceito de revolução paradigmática de Kuhn trouxe expectativas que a parapsicologia se mostrasse revolucionária e então se afirmasse como ciência. No nosso entender, essas expectativas são falsas. A racionalidade que a parapsicologia busca na construção de uma teoria psi (ainda inexistente) não é metodologicamente adequada se baseado em Kuhn. Pois, tanto Kuhn quanto Feyerabend parecem negar a racionalidade na escolha de teorias em prol de um relativismo cultural, com elementos como poder, prestígio, idade e propaganda (Feijó: 2003, 81). Todos esses citados elementos estão longe de ocorrer na ciência parapsicológica. Logo, como esperar que uma revolução ocorra?
As pesquisas Psi até o momento não se mostram revolucionárias, no sentido trazido por Kuhn. Se psi trará um conhecimento revolucionário, Krippner e Holverman (2004: 210-211) reafirmaram as mesmas posição de um trabalho anterior apresentado em 1986, que até aquele momento (2004) a parapsicologia não tinha produzido evidências de magnitude que mereçam ser chamadas de revolucionárias.
O mesmo Krippner (2007) apresentou uma posição cética quanto à disseminação do conhecimento parapsicológico. Afirma que esta é a melhor época e ao mesmo tempo também a pior época para o estudo de psi. Há muitos bons livros e pesquisadores, mas poucos são os recursos financeiros disponíveis. O conhecimento psi na internet avança embora de forma imprecisa, mas a uma velocidade que não pôde ser prevista dez anos atrás. As assinaturas das revistas céticas se multiplicam devido aos esforços no combate aos anti-evolucionistas, e fundamentalistas, entre outros Admite que avanços possam vir de não parapsicólogos, o que seria irônico.
Uma posição otimista para o progresso da parapsicologia como ciência, vem de E. W. Bauer (2007). Mostra que houve proliferação da disciplina parapsicologia no Reino Unido, pois dez universidades oferecem essa disciplina dentro dos departamentos de psicologia. Bauer defende que o paradigma rhineano da mente que, como força, deve ser abandonado e que a física quântica pode trazer grandes contribuições à parapsicologia.
OS CONCEITOS DE PROGRAMA DE PESQUISAS E A FORMAÇÃO DE UMA TRADIÇÃO DE PESQUISAS EM PARAPSICOLOGIA
Abordaremos conceitos de Programa de Pesquisas trazido por Imre Lakatos e o de Tradição de Pesquisas apresentado por Larry Laudan. Nesses dois conceitos não há uma teoria única sobre um determinado problema, mas um conjunto de teorias e de pressupostos metafísicos.
Acreditamos que os mesmos possam ampliar a abordagem científica dos fenômenos psi. Vimos que o caminho para afirmação da parapsicologia como ciência não virá da verificação, nem da confirmação de uma teoria psi, nem do falseamento das hipóteses psi. Nem tampouco de uma revolução paradigmática. Uma aceitação de psi como ciência deverá ocorrer através de uma metafísica ampliada, onde seu núcleo duro faça parte de um sistema de crenças e pressupostos implícitos e não falseáveis. Mas que tragam respostas a problemas empíricos e principalmente respostas a problemas conceituais que envolvam psi.
Lakatos (1979) trouxe o conceito de Programa de Pesquisas. De base empirista, resgata o princípio de racionalidade contido em Popper, que foram deixados de lados pelo enfoque relativista de Kuhn e Feyerabend. Nele, Lakatos incluiu ainda uma interpretação histórica. Em vez de falsear uma teoria, deve-se examinar se a cadeia temporal de teorias é progressiva ou degenerativa. Ao lado das teorias individuais há uma estrutura que as conecta ao mesmo sistema de crenças. Esses pressupostos compartilhados de uma série de pesquisas relacionados é o Programa de Pesquisas. Este oferece a heurística orientadora (dos caminhos da pesquisa científica) e dos caminhos a evitar (heurística negativa).
As hipóteses do programa de pesquisa são metafísicas, pois não são postas em questão. Essas hipóteses constituem seu núcleo (duro), e somente são descartadas junto com o programa como um todo. Lakatos defende que, em torno do núcleo, organiza-se o cinturão protetor, a cadeia de teorias que suportam o impacto dos testes empíricos. Os cientistas envolvidos no programa protegem o núcleo com um cinturão de proteção chamado de hipóteses auxiliares. Em vez de perguntar se uma hipótese era verdadeira ou falsa, Lakatos pergunta se o programa de pesquisa era progressivo ou degenerativo.
Em Lakatos não há a racionalidade instantânea. E sim a racionalidade que ocorre devagar. A mudança do programa de pesquisa não é um processo psicológico como o que ocorre na mudança de paradigmas. É um processo lento e gradual e não uma recomendação metodológica para a ciência (Feijó, 2003, 73-74). É o que ocorre com a parapsicologia desde os tempos de Rhine – lenta evolução de métodos e da aceitação científica.
Lakatos acha ingênuo o falseamento de Popper, pois os cientistas não mudam apenas porque os fatos falseiam uma teoria. Eles não hesitam em invocar hipóteses auxiliares para salvar a teoria. Não veem os fatos como refutações, mas como simples anomalias que não requer uma solução imediata. Nem todas as mudanças das hipóteses auxiliares são aceitáveis. A hipótese é considerada progressiva se explica aparentes refutações e tem habilidade de produzir fatos novos. Se não explica, é dita hipótese ad hoc.
É o que ocorre com a parapsicologia. Muitas manifestações psi ou correlatas (telepatia, aparições, poltergeist, EFC, EQM, casos sugestivos de reencarnarão, etc.) têm hipóteses para cada caso. Isso talvez explique porque muitas anomalias psi são postas de lado, pois não são vistas como refutações. São tratadas como ad hoc, casos circunstanciais.
O conceito de programa de pesquisa, embora filosoficamente abra perspectivas para a parapsicologia, não enfoca os problemas conceituais. No nosso entender, acreditamos que os conceitos trazidos por Laudin são mais amplos por enfocar os problemas conceituais e definir ciência como atividade de solucionar problemas. Os problemas conceituais trazidos pelos fenômenos parapsicológicos são, no nosso entender, o porquê dos fenômenos psi não serem “vistos” pelos ditos céticos.
Por sua vez, Laudan propõe uma visão de ciência como atividade de solucionar problemas buscando sua clarificação e resolução. Acredita que os debates mais importantes em ciência dizem respeito não apenas aos problemas empíricos, mas principalmente aos problemas conceituais, às questões não empíricas. Estendemos essa argumentação para os problemas em parapsicologia.
Laudan afirma (1977: 45, 48) que os problemas conceituais têm sido largamente ignorados pelos historiadores e filósofos da ciência. Define simplesmente problemas conceituais como sendo não empíricos. Os problemas conceituais são caracterizados pelas teorias e não têm existência independente das teorias que os exibem, nem mesmo uma autonomia limitada que os problemas empíricos parecem ter. Problemas empíricos são mais fáceis de ilustrar do que definir. Laudan credita às questões não empíricas os debates mais importantes em ciência. Um exemplo clássico: Berkeley e Leibniz argumentavam não aceitar a hipótese de ação à distância proposta por Newton. Um exemplo parapsicológico: a mente humana é por sua natureza uma mente em que o telepático, o clarividente, o precognitivo estão presentes.
Laudan (1977: 12) defende a visão de ciência como um sistema de solução de problemas tem mais esperança de capturar o que é mais característico sobre ciência do que qualquer outro sistema. Defende que, se levarmos seriamente em conta que o objetivo da ciência (e todas as investigações associadas) é a resolução ou clarificação de problemas, então teremos um quadro muito diferente da evolução histórica e da evolução cognitiva da ciência. Para Laudan não parece tenha existido uma “ciência normal”. Segundo Feijó (2003: 82), a maior vantagem em definir ciência como atividade de solucionar problemas é que tal definição possibilita uma reconstrução racional dela, que confere importância a fatores não empíricos e conceituais, que condicionam a investigação.
Nossa análise é verificar se a parapsicologia, enquanto ciência, pode trabalhar seus problemas conceituais, tais como mente e consciência, de forma a se inserir no contexto científico. Teixeira (2000: 15, 17) adverte que a primeira questão a ser colocada pela filosofia da mente é: mente e corpo são a mesma coisa? Qual a natureza dos fenômenos mentais? Ele define o problema mente-corpo como de natureza ontológica. O mundo é composto de apenas uma substância? Ou de dois tipos de substâncias totalmente distintas com propriedades irredutíveis entre si? Há duas substâncias? Ou apenas uma só? Há uma realidade ou pelo menos duas? É um problema ontológico milenar. Desde os tempos de Platão, e o mundo das ideias.
A vantagem do enfoque de Laudan para as pesquisas psi seriam trazer pressupostos, como, por exemplo, a mente pode influenciar diretamente a matéria, dentro de um contesto verificável, passando ao largo das questões filosóficas e focando na solução de problemas.
A abordagem trazida por Laudan (1977: 5), questiona quais são os tipos de problemas em ciência? O que faz um problema mais importante que o outro? O critério que conta algo como solução adequada, a relação entre problemas científicos e não científicos? Por que a ciência progride e como, de fato, ela o faz? Ele questiona a confirmação e o falseamento como critérios científicos. Propõe que a racionalidade (conceito atemporal) e a progressividade (conceito temporal) de uma teoria estão proximamente relacionadas. Questiona ainda a herança positivista: a ciência como busca da verdade (convenção e. método) e o realismo epistemológico. Recusa o irracionalismo e o relativismo extremado.
Para Laudan (1977: 33), é a solução que nos permite reconhecer o problema como um problema de fato genuíno. Por esta razão, não é frequentemente claro se um aparente problema realmente é um problema empírico, i.e., se há algum fenômeno natural para explicá- lo. Dá o exemplo da percepção extra-sensorial. Segundo ele, a maioria dos cientistas afirma ser incerto haver alguma evidência de ESP que precise de explicação teórica..
A tradição de pesquisa TP, proposta por Laudin, fornece um conjunto de diretrizes para o desenvolvimento de teorias específicas, bem como uma ontologia geral para a natureza e um método geral de solucionar problemas. A parapsicologia não pára de trazer problemas: a telepatia, a clarividência, e o micro-Pk, para ficar apenas em situações laboratoriais. Mas, qual a ontologia por trás disso?.
A Tradição de Pesquisa (TP) delimita, pela metodologia e pela ontologia, os tipos de teorias que podem ser desenvolvidas em seu domínio. As teorias individuais fazem predições e são testadas. A TP não é preditiva e não resolve problemas específicos. Também não é explicativa nem é diretamente testada. A TP é fundamentalmente normativa e metafísica. Fornece ferramentas para a solução de problemas, definindo-os e assegurando sua importância.
Laudan (1977: 13-14) defende duas teses Tese 1: O primeiro essencial e real teste de qualquer teoria é se ela proporciona respostas aceitáveis para questões interessantes: se, em outras palavras, proporciona soluções satisfatórias para problemas importantes. A literatura da metodologia da ciência não nos oferece nem uma taxonomia dos tipos de problemas científicos, nem qualquer método aceitável de graduar sua importância. Tese 2: Na avaliação dos méritos de teorias, é mais importante perguntar se elas constituem soluções adequadas para problemas significantes do que perguntar se são “verdadeiras”, “corroboradas”, “bem- confirmadas”, ou de outra forma justificáveis dentro do arcabouço da epistemologia contemporânea. Devemos tornar mais claro o que são problemas e como eles funcionam, como são pesados, e sobre a natureza das teorias e a relação precisa dos problemas que as geram .
Laudan (1977: 17, 24) afirma que um fato só se torna num problema quando alguém decidiu que era suficientemente interessante e importante para merecer explicação. Sociedades primitivas sabiam que certas drogas podiam produzir alucinações. Mas, isto só se tornou um problema reconhecido para as teorias fisiológicas recentemente. Problemas não resolvidos geralmente contam como problemas genuínos somente quando eles já não são mais problemas. Até que sejam resolvidos por alguma teoria em um domínio cognitivo, eles são geralmente apenas problemas “potenciais” do que efetivamente problemas reais. Exemplo: o movimento browniano, os cometas durante a Idade Média. Os cientistas geralmente não consideram questões da verdade ou falseamento ao determinar se uma teoria resolve ou não resolve um particular problema empírico.
Acreditamos que essas ponderações, trazidas por Laudan, possam ser úteis quando direcionadas para a parapsicologia. Remete-nos ao âmago das questões, porque a parapsicologia não parece progredir como ciência.
REFLEXÕES FINAIS E DISCUSSÃO
A grande dificuldade das pesquisas psi não será apenas a sua verificabilidade, confirmação, testabilidade, predição e falseabilidade, mas principalmente a falta do estabelecimento de um conjunto de crenças (unificadas), nas quais se baseie, e que se assemelhe a uma Tradição de Pesquisa. Para o progresso da parapsicologia, por que não aceitar como problema conceitual:
- Admitir, como núcleo de trabalho, uma visão expandida da consciência humana, pois psi parece contradizer o funcionamento mental, baseado somente na estrutura cerebral e atividades eletroquímicas correlatas?
- Reconhecer psi como uma anomalia empírica, haja vista as pesquisas fenomenológicas de casos e os registros físicos e laboratoriais?
- Reconhecer que psi levanta problemas essenciais sobre a natureza da realidade, tais como, a aquisição de informações sem as usuais limitações de tempo, espaço, mente e energia e que a natureza da percepção, memória, cognição e comunicação estão incompletas?
Acreditamos que, para a parapsicologia avançar, teremos de utilizar um núcleo de pressupostos e constructos, um conjunto de crenças, mais gerais e menos testáveis. Uma tradição de pesquisas própria, com ênfase nos problemas conceituais e não apenas nos problemas empíricos, como tem sido até agora. Se os próprios parapsicólogos não estabelecem um núcleo duro das pesquisas psi muito pouco avançaremos. Parece-nos estéril a discussão entre parapsicólogos se psi existe ou não..
Defendemos que a questão conceitual é o ponto a ser considerado pela parapsicologia. A questão conceitual deve ser ampliada E não apenas os problemas empíricos, como que tem sido a ênfase até agora.
.Procuramos mostrar, neste artigo, que nossas maiores dificuldades não são as empíricas. São as teóricas e conceituais. Cabe-nos proliferar teorias, conforme instigou Feyrabend. É a multiplicidade de interações que na parapsicologia e sua intensa e extensa interdisciplinaridade, torna essa tarefa gigantesca.
Nós, parapsicólogos, se quisermos criar uma tradição de pesquisas própria, precisamos nos tornar menos vulneráveis às tradições de pesquisa de outras ciências, como se delas dependêssemos para nos referendar. Temos um referencial próprio, precisamos afirmá-lo. A título de ilustração, a psicanálise, apesar do seu caráter não científico, tem se desenvolvido bastante no Brasil e na Ibero América. Criou um referencial próprio, se libertou da dependência dos ramos das ciências, que a descredenciam e continua a expandir seus adeptos.
Como já afirmávamos anteriormente (2006), apostamos na complementaridade das pesquisas e metodologias empregadas para um entendimento unificado de psi. A utilização do construto de psi interagindo com o(s) modelo(s) psicológico(s) (obtendo indicadores psicológicos para os agentes psi), as contribuições da psicologia transpessoal, a hipnose (e a utilização de técnicas de indução, repetíveis e manipuláveis), o modelo biológico (identificação de campos nos moldes especulados por Sheldrake), o modelo cultural (a cultura como elemento permeável), a abordagem fenomenológica (a experiência do ponto de vista de quem a vivenciou), a abordagem tecnológica para registros anômalos (medições e mediações – para facilitar ou modular sua ocorrência, tais como, medição ou indução de campos eletromagnéticos, geração de ondas acústicas estacionárias, entre outros), e a abordagem neurofisiológica (para obtenção de marcadores fisiológicos para psi), a abordagem do funcionamento psi para o atendimento de determinadas necessidades (reais, percebidas ou psicológicas) trazidas por Braude (1999: 9), são exemplos do que poderemos incluir nesse núcleo de pressupostos psi.
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