Simbologia e interpretação analítica do fenômeno paranormal (*)

Silvino Alves da Silva Veto

 

Abstract

This work aims to demonstrate that the psi kappa phenomena, when they keep relation with unconscious conflicts of the psi agent which has given rise to them, show themselves in a symbolic form and they may be interpreted psychoanalytically. To this purpose the author analyzed several cases quoted by the parapsychologists Valter da Rosa Borges, Oscar Quevedo and Edvino Friderichs, and the author also used the Sigmund Freud’s Psychoanalysis concepts, and the Carl Gustav Jung’s Analytic Psychology

Introdução

A mente humana sempre instigou a curiosidade dos estudiosos, desde os antigos filósofos até os neurofisiologistas atuais.

Um grande marco, contudo, foi fincado nessa área, quando o neurologista Sigmund Freud divulgou suas descobertas sobre o Inconsciente e do papel que seus Complexos exerciam no surgimento dos distúrbios mentais, principalmente as neuroses. Freud idealizou, então, a Psicanálise, método de tratamento que se baseia na interpretação de material trazido pelos pacientes através das associações livres, sonhos, fantasias, atos falhos e sintomas.

Outro pesquisador que muito contribuiu nesse sentido foi o psiquiatra Carl Gustav Jung, que enfatizou a repressão da libido como fator causai de distúrbios psíquicos e de­senvolveu conceitos sobre o Inconsciente Coletivo e seus arquétipos.

Atualmente, é aceito pelos psiquiatras e psicólogos que pelo menos uma parte das patologias mentais tem sua causa em conflitos intrapsíquicos.

Sabe-se que os sintomas psicossomáticos, conversivos e obsessivos, bem como os delírios e as alucinações têm a sua linguagem, ou seja, simbolizam algum conteúdo incons­ciente. A cegueira histérica, por exemplo, pode representar alguma situação que o   doente não quer “enxergar”.

Em um trabalho anterior, “O Fenômeno Paranormal como Manifestação de Distúr­bios Psíquicos”, foi defendida a hipótese de que a telergia seria uma transformação da energia libidinal e que o fenômeno paranormal tipo psi-kapa pode ser equivalente a um sin­toma psiquiátrico, ou seja, pode surgir como expressão de um conflito intrapsíquico. (1) Decorrente disto, pode-se deduzir que o dito fenômeno também deve apresentar uma simbologia e, portanto, pode ser interpretado psicanaliticamente.

Para demonstrar este fato, neste trabalho foi feita a análise de alguns casos de Psicocinesia Espontânea Recorrente, utilizando os conceitos da Psicanálise Freudiana e da Psicologia Analítica de Jung.

Dessa forma, fica evidente a importância do estudo dos fundamentos da Psicanáli­se na formação dos parapsicólogos, bem como, em contrapartida, a necessidade do conhe­cimento da Parapsicologia por parte dos psicoterapeutas.

1- Considerações sobre o Símbolo

O símbolo é um objeto, uma idéia, uma emoção ou um ato, usado para representar um outro objeto ou uma outra idéia.

O mesmo se compõe de forma e significado. A forma é o seu componente objetivo, material ou perceptivo. O significado é o fator inconsciente, psíquico ou conceptual e emocional, que é representado pela forma.

A simbolização é uma capacidade essencialmente humana. A memória, a imagina­ção e as impressões psíquicas empregam essa função. Os animais aprendem a utilizar os símbolos, mas são incapazes de simbolizar. Uma grande parte do conhecimento nos chega através dos símbolos. As religiões os utilizam, a Ciência, o misticismo, a mitologia, bem como os sonhos, as alegorias, os contos de fadas e os rituais (adiante será visto que tam­bém os fenômenos paranormais).

Jung afirma que os símbolos atuam como transformadores, conduzindo a libido de uma forma “inferior” para uma forma “superior”. (2)

2- Analogia dos Fenômenos Paranormais com os Sonhos

Apesar de os sonhos e os fenômenos paranormais serem de naturezas diferentes, apresentam um aspecto em comum: têm sua origem no inconsciente.

Sendo assim, verifica-se que o fenômeno paranormal, da mesma maneira que o so­nho, também apresenta uma forma e um significado, ou seja, apresenta um conteúdo mani­festo e outro latente, tanto o do tipo psi-gama como o do tipo psi-kapa.

Naturalmente, o autor não se refere àqueles fenômenos produzidos experimental­mente pelos agentes psi confiáveis, e sim, aos casos espontâneos nos quais os fenômenos paranormais expressam conflitos ou atividades do psiquismo inconsciente de certos indiví­duos.

Na elaboração do fenômeno paranormal, portanto, identifica-se os mesmos proces­sos que Freud encontrou nos sonhos, ou seja, a censura, o deslocamento e a simbolização. Não foi possível identificar a condensação, provavelmente pelo fato de que as representa­ções, no caso dos fenômenos paranormais, sejam bem menos complexas do que nos fenô­menos oníricos. A condensação ocorre quando vários significados podem estar combina-

dos em um único elemento onírico. A censura é uma função da estrutura do superego. Para Freud, os elementos mais importantes no processo onírico são os impulsos instintivos reprimidos, provenientes do id, impedidos pelo superego de atingirem a consciência. É a censura exercida pelo superego que provoca as distorções dos sonhos.

Sabe-se que a informação psigâmica pode sofrer deformação pela censura,     como ocorre, por exemplo, nos casos de acidentes graves ou morte, em que a decodificação em geral é feita de forma mais “branda”, certamente para poupar o agente psi de um    choque mais sério.

Verifica-se o deslocamento quando há transferência de energia de um elemento im­portante do sonho, para outro sem importância.

No fenômeno psigâmico, observa-se o deslocamento quando, por exemplo, uma determinada senhora recebe uma informação telepática (de forma onírica ou alucinatória) de que um amigo de seu filho foi acidentado e depois vem a constatar que foi o seu pró­prio filho quem sofreu o sinistro.

No caso do fenômeno de psi-kapa, é graças à função de deslocamento que a ener­gia é transferida do objeto principal para o meio ambiente.

Finalmente, será abordado o processo de simbolização. De acordo com Freud, não há condições de se interpretar um sonho de outra pessoa, a não ser que se saiba os pensa­mentos inconscientes que estão por trás do conteúdo do mesmo. No entanto, afirma ele que, em determinado caso, nossa atividade interpretativa independe dessas associações, ou seja, quando o sonhador emprega elementos simbólicos para representar seus pensamentos oníricos latentes. (3)

É bastante comum o conteúdo psigâmico ser decodificado de forma simbólica. Uma informação de morte, por exemplo, pode se apresentar como cheiro de velas ou visão de um caixão de defuntos.

A simbolização ocorre também nos fenômenos de psi-kapa. Por exemplo: rasgar as próprias roupas telecineticamente pode representar rejeição às regras de moral.

Deduz-se então que, da mesma forma que os sonhos, os fenômenos paranormais podem ser interpretados analiticamente, propiciando assim, ao psicoterapeuta, mais um meio de acesso aos conteúdos inconscientes de seu paciente e constituindo-se em auxílio valioso no seu tratamento.

3- Simbologia e Interpretação Analítica do Fenômeno de Psi-Gama

A interpretação analítica do fenômeno psigâmico não se constitui em fato novo. Freud percebeu ser possível interpretar conteúdos telepáticos, desde que os mesmos te­nham origem em conflitos inconscientes de determinado indivíduo. Em seu artigo   “Psicanálise e Telepatia”, relata alguns casos em que informações psigâmicas captadas por adivi­nhos ocupavam, na verdade, uma posição central na problemática de seus consulentes. (4)

O psicanalista Jan Ehrenwald, por sua vez, também deu sua contribuição nesta á-rea, fazendo interpretação de sonhos telepáticos de pacientes seus, cujos conteúdos tam­bém se referiam a seus conflitos inconscientes. (5)

4- Simbologia e Interpretação Analítica do Fenômeno de Psi-Kapa

É fato conhecido de todos os parapsicólogos que os transtornos emocionais po­dem se manifestar como fenômenos de psi-kapa. Tal processo é conhecido como Psicocinesia Espontânea Recorrente, ou “Poltergeist”.

Fazendo-se a análise de cada caso detidamente, observa-se que os ditos fenômenos não ocorrem de forma aleatória. Melhor dizendo, pode-se verificar que os fenômenos de psi-kapa, da mesma forma que os de psi-gama, têm também o seu significado, ou seja, apresentam uma simbologia e podem ser interpretados psicanaliticamente.

Jung ensaiou alguns passos neste sentido, porém suas observações se limitaram apenas ao fenômeno de estigmatização. Para ele, os fatores psicológicos subjacentes a esta modalidade de psi-kapa, no caso particular dos estigmas de Cristo, têm relação com a exi­gência da “imitatio Christi” adotada pelo cristianismo, ou seja, de seguir o seu modelo. O religioso de mentalidade superficial e formalística, entretanto, transforma esse modelo num objeto externo de culto. Por conta disso, “Cristo pode ser imitado até o ponto extremo da estigmatização, sem que seu imitador chegue nem de longe ao modelo e seu significado”. (6)

O mesmo autor afirma que Cristo é um símbolo do Si- mesmo e que quando o adepto em sua obra experimenta o Si-mesmo, se lhe apresenta o seu análogo, Cristo, e ele reconhece na mudança operada nele uma semelhança com a Paixão de Cristo. Nesse caso, já não se trata de uma imitação de Cristo, mas sim da assimilação Deste ao seu próprio Si-mesmo. Um santo não busca os estigmas conscientemente. Eles lhe sobrevêm de forma inesperada e espontânea. (7)

Jung também identificou um componente erótico no fenômeno de estigmatização. Para ele, “a cena de estigmatização significa uma incubação feita por Cristo, pouco dife­rente apenas do antigo conceito de unio mystica como uma coabitação com o deus”. (8)

Será explicitada, a seguir, a análise de alguns casos espontâneos de fenômenos de psi-kapa relacionados a distúrbios psíquicos.

Caso l

Fotogênese

Valter da Rosa Borges refere que, em 1884, “o Dr. Ferre apresentou à Sociedade de Biologia o caso de uma histérica que emitia luminosidade e descargas elétricas, notada-mente intensas, quando ela se encontrava em estado de excitação”. (9)

 

A Interpretação

Freud escreveu que “os mais variados sintomas, que são ostensivamente espontâ­neos e … produtos idiopáticos da histeria, estão … estritamente relacionados com o trau­ma desencadeador”. (10)

O mesmo autor também afirmou que “em outros casos a conexão causai não é tão simples. Consiste apenas no que se poderia denominar uma relação ‘simbólica’ entre a causa precipitante e o fenômeno patológico – uma relação do tipo da que as pessoas sau­dáveis formam nos sonhos”. (11)

Para Freud, toda histeria é redutível à sexualidade, e Jung admitia que pelo menos “uma série de casos de histeria, por enquanto extremamente grande, tem sua origem na se­xualidade”. (12)

Para Jung, a luz é um dos símbolos da libido. (13)

O presente autor não dispõe de informações pormenorizadas a respeito deste caso. No entanto, o quadro apresentado sugere um recalque de natureza sexual sendo exteriori-zado na forma de fotogênese.

Caso II

Parapirogenia

Este episódio foi investigado pelo parapsicólogo Edvino Friderichs em uma casa da Rua Prudente de Morais, na cidade de Jundiaí, S.P., em 7 de outubro de 1974.

“Dentro da residência houve três pequenos incêndios. No aposento das crianças queimou parte de uma colcha. (…) Na cama de uma das meninas o fogo carbonizou uma superfície de 46 cm sobre 33 cm-do colchão. A chama alcançou cerca de 1 m de altura, queimando a roupa de cama, em parte. (…) Em outra ocasião, a borda de uma cama foi carbonizada numa faixa de 36 cm de comprimento por 35 cm de largura. Os demais casos sucederam na garagem, nas adjacências e no quartinho de despejos. (…)”

O parapsicólogo concluiu a partir de suas investigações que o epicentro do fenô­meno era uma das duas empregadas da casa. A mesma andava revoltada, descontente, porque não se dava com os pais que a tratavam com brutalidade, e fazia pouco tempo que havia brigado e rompido com o namorado. (14)

A Interpretação

Em se tratando de sonhos, a casa geralmente simboliza a mente ou o corpo do so­nhador, mas em certos casos pode representar também alguma pessoa com quem o mesmo tenha qualquer relação emocional.

Para Jung, o fogo é um símbolo da libido e a produção de fogo pode ser uma analogia do ato sexual. (15)

Como símbolo da libido, o fogo pode expressar também agressividade.

A psicanalista Ella Sharpe, analisando dois sonhos de diferentes pacientes, em que ambos sonharam com uma casa queimando, concluiu que “cada paciente estava atraves­sando uma tensão psíquica causada pelos impulsos agressivos sentidos em relação á mãe”, onde a casa simbolizava o corpo desta. (16)

No episódio citado, de forma análoga, a casa pode representar tanto os pais como o namorado da paranormal. A parapirogenia pode simbolizar as pulsões agressivas repri­midas dirigidas aos pais e ao namorado, bem como os impulsos de natureza sexual repri­midos por conta do término de seu relacionamento amoroso.

Caso III

 

Levitação e Alquimia Psi

Será analisado o caso de um “endemoniado”, ocorrido em 1974, com o garoto G. O. A. de 14 anos, em um lugarejo chamado “El Tigrito”, próximo à cidade de Los Teques, na Venezuela, citado pelo parapsicólogo Oscar Quevedo.

O menino iniciou o seu quadro com convulsões e desmaios. Depois, passou a pro­duzir fenômenos paranormais. Foi chamado, então, o padre Tinoco para administrar os exorcismos.

A descrição do padre:

“Com efeito, encontro o menino nu e no teto. Tão logo entro, começa a me insultar e a dizer obscenidades. Masturba-se… Depois cai no chão vertiginosamente… Mando que o vistam. Os pais o fazem e, ao ponto, a roupa ficou como cinza… Trago um médico à casa. O médico e eu o encontramos grudado no teto e nu. Logo que o médico entra co­migo, o menino começa a insultar-me com toda classe de impropérios. Masturba-se e che­ga ao orgasmo na nossa presença. Cai do teto, e o médico o faz vestir… Pulveriza-se a roupa. O médico está atônito…”

“Vou de novo à casa. O rapaz está na mesma posição de outrora: grudado no teto. Rezo o exorcismo e quando chego ao interrogatório ‘Qual é o teu nome’, me diz com voz rouca e potente: ‘Sou o espírito das trevas, a força incontestável do mal.'” (17)

 

A Interpretação

 

Depreende-se dos fatos apresentados que o garoto deveria apresentar sentimentos de culpa ligados à prática masturbatória. Passou a apresentar convulsões dissociativas. Como isto não foi suficiente para chamar a atenção dos pais para sua problemática, desenvolveu uma dissociação a nível de consciência e de identidade, ou seja, apresentou   um transtorno de transe e possessão, com surgimento de uma personalidade secundária.

É significativo, neste caso, a personalidade secundária ser representada pelo demô­nio, pois este, para Jung, é um dos mais nobres símbolos da libido. (18)

A levitação seria o equivalente parapsicológico do “sonho de voar”, que é um dos “sonhos típicos”. Estes são assim chamados por Freud, pelo motivo de serem repetitivos e ocorrerem com quase todas as pessoas. Para este autor, o “sonho de voar” tem sua origem na infância, nessas brincadeiras que os adultos costumam fazer com as crianças pequenas, de jogá-las para cima e depois ampará-las, o que lhes causa sensação de medo e, ao mes­mo tempo, de prazer. Segundo Freud, não é incomum que esses jogos de movimento, in­cluindo balanços e gangorras, “embora inocentes em si, dêem lugar a sensações sexuais.” (19)

Portanto, a levitação pode simbolizar o prazer sexual, ou mesmo o orgasmo.

Temos, ainda, o fato das roupas se transformarem em cinzas. Trata-se de uma es­pécie de alquimia paranormal. A roupa representa as regras de moral, o superego. Destruí-la significa o desejo de liberar-se das repressões que o estariam impedindo de exprimir a-dequadamente a sua sexualidade.

Caso IV

Dermografismo

Um outro caso citado por Quevedo foi o do “endemoniado” de Mount Rainier,  o-corrido em Saint Louis -Maryland – E.U.A.

Foi constatado que, no curso dos exorcismos, o “endemoniado”   evidenciou   uma cruz no antebraço direito, que ficou visível durante uns quatro ou cinco minutos. (20)

A Interpretação

A cruz, evidentemente, é o símbolo do cristianismo. Representa a resistência de sua personalidade principal contra aquele complexo autônomo do inconsciente que perio­dicamente dominava sua consciência. Tal complexo, naturalmente, estava representado pela figura do demônio, que como foi visto é um símbolo da libido.

Sobre a importância do cristianismo no controle dos impulsas libidinais, vale citar o que escreveu Jung a respeito:

“A sexualidade era demasiado fácil no relacionamento entre os homens. A deca­dência moral dos primeiros séculos do cristianismo produziu uma reação moral nascida das trevas das camadas mais baixas da sociedade, reação essa que nos séculos II e III en­contra sua manifestação mais pura nas duas religiões antagônicas, o cristianismo de um la­do e o mitraísmo de outro.” (21)

 

Caso V

Pneumatografia e Metafanismo

Friderichs relata um caso ocorrido em Minas Gerais, com uma família composta de um casal de idosos, um filho esquizofrênico e sua esposa, também doente mental.

Além de vários episódios de telecinesia, metafanismo e parapirogenia, diversos fe­nômenos de pneumatografia foram observados.

Certa vez, apareceu na parede de um dos quartos os seguintes dizeres: “Cuidado com o pedaço da cobra”. Dias depois, uma das netas veio gritando: “Olhem um rabo de cobra em cima da cama!” Posteriormente, dentro de uma caixa de fotografias que havia no guarda-roupa, foi encontrada a parte anterior da serpente.

Havia uma vizinha, Dalva, que muito colaborou com o parapsicólogo em suas pes­quisas neste caso. Certa ocasião, surgiu a seguinte pneumatografia: “Dauva não se Mete na vida de um Eroi”.

O parapsicólogo identificou o rapaz como epicentro do “poltergeist”.

Segundo Friderichs, o mesmo apresentava episódios de agitação psicomotora em que quebrava os objetos de uso doméstico e os vidros. Dizia que sua “missão” era de “ma­tar a mãe”. Esta era tida como “supermãe” , assumindo a iniciativa em tudo que deveria ser feito pelo filho e mantendo com o mesmo uma relação simbiótica. (22)

A Interpretação

De acordo com Freud, a serpente é um símbolo fálico. Para Jung, “a serpente não deve ser interpretada apenas como falo, mas é também um atributo da imagem do Sol (o í-dolo solar dos egípcios), portanto, um símbolo da libido” (23)

Mais adiante ele escreveu: “Segundo o testemunho de Clemente de Alexandria, a arca mística continha uma serpente. Esta serpente indica o perigo do movimento regressi­vo da libido.” (24)

Logo, a pneumatografia que se refere à serpente, bem como o aporte da mesma na cama (onde se tem relações sexuais), indicam desejo reprimido de relacionar-se sexual­mente com a mãe, bem como o medo do incesto.

A segunda pneumatografia se refere à sua identificação coma figura do herói, que segundo Jung é também um símbolo da libido. Citou ele, a propósito, o seguinte mito: “Na figura de Hagen o ciclópico Wotan abate o filho-herói. O herói é um tipo ideal de vi­da masculina. O filho abandona a mãe, a fonte de sua vida, impelido, por uma nostalgia de reencontrá-la para voltar a seu seio. Todo obstáculo que se ergue no caminho de sua vida e ameaça sua ascensão tem veladamente os traços da terrível mãe, que com o veneno da dúvida secreta e do recuo inibe sua coragem de viver; e em cada vitória ele reconquista a mãe sorridente, doadora de amor e vida.” (25)

O rapaz do caso dizia que sua “missão” era de “matar a mãe”. Existe aqui certa analogia com uma outra lenda, também analisada por Jung: ” Contra o terrível exército de Tiâmat, os deuses finalmente destacam o deus da primavera Marduk, o Sol vencedor… Aproxima-se de Tiâmat e a desafia para a luta. (…) Tendo matado a mãe, Marduk planejou a criação do mundo. (…) Assim Marduk criou o universo a partir da mãe. (…) O mundo é criado a partir da mãe, isto é, com a libido tirada da mãe ( por meio do sacrifício ) e pelo impedimento da regressão, que constituía uma ameaça para o herói.” (26)

Mais adiante ele complementa: “O ‘filho de sua mãe’, enquanto apenas ser huma­no, morre cedo, mas como deus pode realizar o que não é permitido, o sobre-humano, po­de cometer o incesto mágico e com isto alcançar a imortalidade. Em muitos mitos o herói não morre, mas em compensação precisa vencer o dragão da morte. (…) O dragão, como imagem materna negativa, exprime a resistência contra o incesto, ou melhor, o medo dele. O dragão e a serpente são os representantes simbólicos do medo das conseqüências da quebra do tabu, da regressão para o incesto.” (27)

Deduz-se, portanto, que os conteúdos das duas pneumatografias estão, na verda­de, relacionados entre si e dizem respeito a processos inconscientes do agente psi que as produziu. Tem-se duas imagens arquetípicas exteriorizadas por um esquizofrênico, através de fenômenos paranormais.

Conclusão

Pelo exposto, chegamos à conclusão de que os fenômenos de psi-kapa, quando ocorrem de forma espontânea tal como na Psicocinesia Espontânea Recorrente, o fazem de forma simbólica, representando assim os conflitos inconscientes que lhe deram origem.

Dessa forma, analogamente às associações livres, sonhos, fantasias, atos falhos, sintomas e conteúdos psigâmicos, também os fenômenos de psi-kapa podem ser interpretados psicanaliticamente.

Portanto, quando um parapsicólogo identificar alguma pessoa que esteja passando por semelhante processo e achar por bem encaminhá-lo a um psicoterapeuta, seria interes­sante que o fizesse para um profissional com conhecimentos de Parapsicologia, visto co­mo a análise dos fenômenos paranormais certamente lhe proporcionaria melhor compreen­são da problemática de seu paciente.

Por outro lado, fica evidente a necessidade dos parapsicólogos de possuírem no­ções de Psicanálise, pois tais conhecimentos lhes propiciam uma melhor compreensão das origens psicológicas dos fenômenos paranormais, bem como maior segurança no momen­to de prestar as orientações necessárias que requer cada caso.

 

GLOSSÁRIO

Agente psi – paranormal, indivíduo que produz fenômenos parapsicológicos.

Agente psi confiável – indivíduo em presença do qual há grande probabilidade de    ocorrer

um fenômeno paranormal.

Arquétipo – concentração de energia psíquica que funciona como uma matriz arcaica e

toma forma nas imagens dos mitos, contos de   fadas, rituais, obras de arte, tratados

filosóficos e fantasias.

Libido – no conceito de Jung, a totalidade de energia psíquica ou vital, da qual o impulso

sexual é apenas uma fração.

Si-mesmo – arquétipo que representa a totalidade da psique; no sonho, aparece

personificado por um ser superior, como um velho sábio ou um rei.

 

(*) Trabalho apresentado no I Congresso Internacional e Brasileiro, realizado, em 1997, no Recife, Pernambuco.

 

 

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