Revista Brasília em dia

Por Marcone Formiga

 

Nesta edição, Brasília Em Dia entrevista o estudioso Valter da Rosa Borges, um especialista em parapsicologia, que expõe suas relações com o Direito e recebe visitas em sua casa, em Recife (PE), de pessoas interessadas em se aprofundar no tema, que conhece profundamente. Ele reconhece, por exemplo, que é possível requisitar a paranormalidade em perícias judiciais, para subsidiar informações existentes nos autos do processo, auxiliando a magistratura e o Ministério Público em cada caso concreto.

Ressalta que no processo penal não prevalece a hierarquia de provas, podendo o magistrado expor a sua convicção pela livre apreciação de cada uma delas. “É, assim, evidente a admissibilidade das mensagens psicografadas como provas documentais, desde que se harmonizem com o conjunto de provas produzidas”, sugere Valter da Rosa Borges.

 

 

Há quase um mês, tomou forma em Brasília uma polêmica que deverá continuar, iniciada depois que a delegada Martha Vargas, ex-chefe da 1ª Delegacia de Polícia (DP), na Asa Sul, resolveu recorrer à telepata Maria Jaques para colaborar na investigação do assassinato do ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Guilherme Villela, de 73 anos; de sua esposa, Maria Carvalho Mendes Villela, de 69 anos; e da governanta do casal, Francisca Nascimento da Silva, de 58 anos.

O triplo homicídio ocorreu em 28 de agosto do ano passado, tendo como cenário um apartamento da SQS 113, onde todos moravam.

Pivô do episódio que culminou com o afastamento da delegada Martha Vargas da chefia da 1ª DP, a paranormal Rosa Maria Jaques prestou depoimento, no início deste mês, na Coordenação de Investigação de Crimes contra a Vida (Corvida), que assumiu a apuração sobre o crime, de grande impacto na sociedade da capital da República. A questão que prevalece é saber se uma telepata, realmente, pode contribuir com as investigações da polícia. A história registra casos em que parapsicólogos forenses ou investigadores psíquicos, que são sensitivos, já trabalharam em conjunto com a polícia na investigação de crimes de difícil solução, como tem sido este da 113 Sul.

A legislação americana, por exemplo, admite que a polícia inclua depoimentos nas investigações inclusive de médiuns ou sensitivos que se disponham a colaborar. Todavia, eles não têm o poder de proceder como “policiais” para a solução de crimes.

Nesta edição, Brasília Em Dia entrevista o estudioso Valter da Rosa Borges, um especialista em parapsicologia, que expõe suas relações com o Direito e recebe visitas em sua casa, em Recife (PE), de pessoas interessadas em se aprofundar no tema, que conhece profundamente. Ele reconhece, por exemplo, que é possível requisitar a paranormalidade em perícias judiciais, para subsidiar informações existentes nos autos do processo, auxiliando a magistratura e o Ministério Público em cada caso concreto.

Ressalta que no processo penal não prevalece a hierarquia de provas, podendo o magistrado expor a sua convicção pela livre apreciação de cada uma delas. “É, assim, evidente a admissibilidade das mensagens psicografadas como provas documentais, desde que se harmonizem com o conjunto de provas produzidas”, sugere Valter da Rosa Borges.

 

Leiam e confiram o tema, leitores.

 

– De que forma alguns fenômenos paranormais podem produzir consequências jurídicas?
– Teoricamente, somente quando a informação for admitida como originária do psiquismo inconsciente do paranormal ou do agente psi [qualquer pessoa envolvida no fenômeno paranormal, que constitui um dos conjuntos dos elementos que participam da função psi] e esteja coerente com o elenco de outras provas juridicamente admissíveis, reforçando-as ou esclarecendo melhor certos detalhes da argumentação. Nesse caso, não se trata de mediunidade, que consiste na comunicação entre vivos e mortos, mas de paranormalidade, que é uma aptidão do ser humano que permite que ele tome conhecimento de fatos passados, presentes e até futuros.

– O senhor pode citar alguns casos?

– Há casos em que paranormais ajudaram a polícia na investigação de homicídios e de desaparecimento de pessoas, com resultados quase sempre positivos. Os melhores desse gênero pertencem ao falecido Gerard Croiset, cujos serviços foram solicitados pela polícia de alguns países da Europa. Croiset tinha um índice alto de acertos na localização do paradeiro de crianças desaparecidas. Ele jamais alegou ter recebido a ajuda de “espíritos”.

– Em que circunstâncias no Brasil é possível se recorrer à paranormalidade?

– Poderemos, assim, cogitar da utilização da paranormalidade em perícias judiciais, a fim de subsidiar informações existentes nos autos ou pertinentes ao processo, auxiliando a magistratura e o Ministério Público em cada caso concreto. No elenco dos procedimentos periciais e até mesmo nas provas admitidas em direito, poder-se-á, ad futurum, incluir os recursos da paranormalidade. Se em alguns países se utiliza a paranormalidade na investigação policial alternativa, para desvendamento de crimes misteriosos e localização do paradeiro de pessoas desaparecidas, por que não se fazer o mesmo no Brasil?

– Quais são as relações interdisciplinares entre o direito e a parapsicologia?

– São relações interdisciplinares teóricas, porque juristas, magistrados, promotores de justiça e advogados não sabem que a parapsicologia é uma ciência e a confundem com o espiritismo. Além desses fenômenos paranormais ou aparentemente paranormais que provocaram a manifestação da Justiça, poderemos especular sobre outros, suscetíveis de gerar responsabilidades no campo penal ou na área dos direitos e das obrigações na órbita civil.

– Que fenômeno é esse?

– O fenômeno conhecido pelo nome de poltergeist é uma modalidade da ação do psiquismo inconsciente de uma pessoa sobre o mundo exterior que, em alguns casos, pode resultar em danos materiais para terceiros. Habitualmente, o agente é uma pessoa menor de idade, que, por isso, não pode ser responsabilizada civilmente por seus atos, embora os seus pais ou responsáveis respondam por eles. A responsabilidade civil por atos ilícitos, nesse caso, só é constituída a partir do momento em que o representante legal do menor, uma vez informado e orientado por um parapsicólogo a respeito do fenômeno, não adote as providências recomendadas por ele, permitindo a continuidade do fenômeno e a consequente deterioração do patrimônio alheio.

– Existe outro fenômeno?

– Outro fenômeno paranormal secularmente conhecido é o das casas mal-assombradas. Na Inglaterra, a Justiça já se pronunciou sobre casos dessa natureza, reconhecendo-os como causa de extinção de locação imobiliária. Mais de uma centena de casas, na Inglaterra, foram abandonadas porque eram mal-assombradas.

Nos arquivos da Corte de Apelação de Bordéus, foram encontrados diversos processos do século XVIII julgados e concernentes à rescisão de contratos de aluguel por motivo de assombração.

Os mais célebres comentaristas do direito francês tratam longamente dessa questão, mencionando a jurisprudência dos antigos tribunais de Bordéus e de Paris. Em Nápoles, no ano de 1907, o advogado Zingarapoli, patrocinando a causa da duquesa de Castelpoto contra a baronesa Laura Englen, defendeu, em juízo, a hipótese de que o locatário de uma casa infestada por espíritos tem o direito de pleitear a rescisão do contrato. As casas mal-assombradas foram reconhecidas, desde muitos séculos, pela jurisprudência europeia, como causa para a rescisão de contratos imobiliários.

– Qual é, neste caso, o direito do inquilino?

– Não se pode negar que um imóvel onde ocorram assombrações torna-se impróprio ao uso a que é destinado. E, em se tratando de alienação imobiliária, esse fenômeno paranormal lhe diminui o valor. Em tal caso, o comprador tem duas opções: ou promove a extinção do contrato ou propõe a redução do preço do imóvel. Se a mente humana, como constatou a pesquisa parapsicológica, age sobre o mundo exterior, parece-nos teoricamente possível que, por esse processo, uma pessoa influa sobre o organismo de outra, produzindo-lhe enfermidades e mesmo a morte.

– Por exemplo?

– Na Rússia, em 10 de março de 1970, um psiquiatra de Leningrado, tendo ouvido falar das experiências de Nina Kulagina, registradas pela eletrocardiografia, de influir psiquicamente no coração de um sapo, desafiou-a, por intermédio do doutor Genady Sergeyev, a tentar a mesma experiência com ele.

Sergeyev aceitou o desafio e colocou Kulagina e o psiquiatra sentados e afastados um do outro a uma distância de três metros, ligados a eletrocardiógrafos e observados por uma equipe médica.

Após aproximadamente dois minutos, o psiquiatra começou a apresentar sérias alterações cardíacas, evidenciando grande tensão emocional. A pulsação de Kulagina também se acelerou, mas a do psiquiatra subiu de maneira assustadora, apresentando risco para sua vida. Isso levou Sergeyev a interromper a experiência cinco minutos depois de seu início, temeroso de que o psiquiatra viesse a falecer. Se, psiquicamente, é possível produzir uma alteração cardíaca capaz de levar uma pessoa à morte, também é admissível que um agente psi lesione outros órgãos, produzindo distúrbios fisiológicos e desencadeando ou agravando patologias. Portanto, se a lesão corporal ou a morte de uma pessoa decorrer de uma ação paranormal voluntária do agente psi, o crime por ele cometido será de natureza dolosa, uma vez que o Direito reconheça a realidade da interação mente-matéria e estabeleça esse novo típico penal.

– O senhor pode descrever a primeira circunstância em que a Justiça brasileira foi solicitada a contribuir no campo do Direito Civil? Refiro-me ao caso da viúva do escritor Humberto de Campos.

Detalhe, por favor, este fato…

– A primeira ocasião em que a Justiça brasileira foi chamada a decidir sobre este caso insólito ocorreu no campo do Direito Civil, em 1944, quando a senhora Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor Humberto de Campos, ingressou em juízo com uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e o médium Francisco Cândido Xavier, exigindo o pagamento de direitos autorais sobre as obras psicografadas pelo médium e atribuídas a seu falecido esposo. Pretendia que se declarasse judicialmente se as obras eram da lavra do espírito de Humberto de Campos e, em caso afirmativo, a quem pertenciam os direitos autorais. Na hipótese contrária, a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier deveriam ser passíveis de sanção penal e proibidos de usar o nome de Humberto de Campos em qualquer publicação literária, estando ainda sujeitos ao pagamento por perdas e danos.

– Qual foi o resultado?

– Como era de se esperar, a ação foi julgada improcedente por sentença prolatada pelo juiz João Frederico Mourão Russel, sob fundamento de que o Poder Judiciário não é órgão de consulta para decidir sobre a existência ou não de um fato e, na hipótese dos autos, sobre a atividade intelectual de um morto. Inconformada, a autora agravou da decisão, a qual, no entanto, foi mantida, por seus jurídicos fundamentos, pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, tendo sido relator o ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa.

– Como foi a participação de Francisco Cândido Xavier em todo esse processo, psicografando obras literárias?

– À luz da parapsicologia, a atividade literária ou artística de um agente psi resulta de um processo criativo de seu psiquismo inconsciente, embora, em razão de sua crença espírita, ele acredite que seus trabalhos sejam da lavra de escritores, pintores e músicos falecidos. No Brasil, Francisco Cândido Xavier psicografou obras literárias no estilo de mais de uma centena de escritores e poetas brasileiros e portugueses já falecidos, podendo-se destacar, entre eles, Olavo Bilac, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimarães, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Emílio de Menezes, Guerra Junqueiro, João de Deus e Bocage. Os escritores Humberto de Campos e Monteiro Lobato ficaram deslumbrados com o desempenho literário do famoso médium brasileiro.

– De acordo com o Direito Penal, quais foram os casos ou as decisões judiciais resolvidas mediante comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier?

– No nosso Direito Penal, há três casos cujas decisões judiciais se fundamentaram em comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier nas quais os pretensos espíritos das vítimas de homicídio inocentaram os respectivos réus. Os casos são os seguintes: 1) crime de homicídio ocorrido em Goiânia de Campina, Goiás, no dia 8 de maio de 1976, praticado por José Divino Gomes contra Maurício Garcez Henriques; 2) crime de homicídio ocorrido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia primeiro de março de 1980, praticado por José Francisco Marcondes de Deus contra a sua esposa, Cleide Maria, ex-miss Campo Grande; 3) crime de homicídio ocorrido na localidade de Mandaguari, Paraná, no dia 21 de outubro de 1982, praticado pelo soldado da Polícia Militar Aparecido Andrade Branco, vulgo “Branquinho”, contra o deputado federal Heitor Cavalcante de Alencar Furtado. No primeiro caso, da 6ª Vara Criminal de Goiânia, Orimar de Bastos absolveu o réu, sob fundamento de que a mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, merecia credibilidade e nela “a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado”.

– Como o senhor interpretou a sentença?

– Trata-se de uma sentença equivocada à luz do Direito e sem qualquer respaldo na parapsicologia, por fundar-se numa hipótese extrajurídica e não científica, visto que a existência do espírito e sua pretensa interferência no mundo dos vivos não constituem matéria atinente a estas duas ciências. No segundo caso, o advogado do réu, devidamente autorizado pelo magistrado, entregou aos jurados cópias de três mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier, nas quais o espírito da vítima afirmava que o seu esposo a matara acidentalmente.

– Por que o senhor defende que é juridicamente admissível, como provam judicial, mensagens psicografadas?

– No processo penal, não há hierarquia de provas, e o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação de cada uma delas. É, assim, evidente a admissibilidade das mensagens psicografadas como prova documental, desde que se harmonize com o conjunto das provas produzidas. Nesse caso, não se discute se a mensagem psicografada se originou de uma pessoa falecida, pois não cabe ao juiz pronunciar-se sobre questões transcendentais: a sobrevivência post mortem não é uma questão jurídica.

Portanto, sob esse aspecto, não se deve atribuir a autoria da mensagem psicografada a um “espírito”, mas ao psiquismo inconsciente do psicógrafo. O cerne do problema é o reconhecimento jurídico de que a mente humana possui aptidões extraordinárias, capazes de tomar conhecimentos de fatos por meios não convencionais. A percepção extrassensorial é um fato exaustivamente estudado pela pesquisa científica no campo da parapsicologia.

– Um jurista se permitiria alhear-se a constatações de tanta importância para o entendimento mais aprofundado do ser humano?

– Não interessa a um magistrado investigar como um “médium” consegue o acesso a informações dessa natureza, mas sim a veracidade das informações, para que elas possam ser consideradas elemento probatório. Poder-se-ia contra-argumentar, alegando que a admissão desse tipo de prova abriria um perigoso precedente para o abuso de cartas psicografadas em procedimentos judiciais. É uma probabilidade viável, mas que seria analisada em cada caso concreto.

–  Por que se invalidaria essa prova sob a alegação de seu possível abuso?

– A prova é sempre uma questão delicada nas atividades policiais e judiciárias. Elas variam no que diz respeito ao grau de sua confiabilidade. A prova testemunhal é a mais frágil de todas, porque a percepção do ser humano é afetada por fatores culturais e emocionais, entre outros. Os laudos periciais não estão isentos de falhas e os então famosos detectores de mentira podem ser burlados, nos seus resultados, por certos tipos psicológicos.

Restam, então, as provas produzidas pelas impressões digitais e pelos testes de DNA. Até agora, eles não apresentaram falhas. Mas quem pode garantir que, em todas as circunstâncias, eles sejam infalíveis? Se o psiquismo humano, como as pesquisas parapsicológicas vêm comprovando, possui recursos cognitivos extraordinários, por que, então, excluir as informações fornecidas, por esse meio, na formação da prova judicial?

– Apesar de tudo, a parapsicologia ainda é vista com desconfiança?

– Qualquer fato novo que esteja em desacordo com o paradigma científico sempre desperta suspeitas nos cientistas ortodoxos. Principalmente naqueles em que as manifestações paranormais agridem a sua área científica. Não é fácil alguém aceitar que um fato novo venha a perturbar os postulados de sua especialização.

Esse fato sempre aconteceu na ciência e continuará sempre acontecendo. Apesar disso, cresce o número de cientistas interessados nos fenômenos parapsicológicos nas áreas da biologia, da medicina e da física quântica.

– É possível identificar um fenômeno paranormal? Caso seja, de que forma?

– Sim, mediante a adoção da metodologia científica em cada caso concreto. Pode tratar-se de pesquisa de casos espontâneos ou dos obtidos em experimentações controladas em laboratório.

– Em mais de 100 anos, o que a parapsicologia demonstra de forma incontestável?

– Em ciência, não há hipóteses incontestáveis, porque se elas assim o fossem não seriam científicas. Enquanto a explicação de um fato resistir às críticas que lhe forem feitas, ela pode subsistir durante anos e até séculos, mas, um dia, confrontar-se-á com fatos que a contrariem no todo ou em parte. Só o que é imutável é o dogma, porque é o sustentáculo da religião. Há fatos de natureza paranormal interpretados por hipóteses suscetíveis de contestação. Por isso, a parapsicologia é uma ciência cujos fenômenos que estuda são explicáveis pelas aptidões ainda pouco conhecidas do psiquismo inconsciente. Ela tem por objeto o estudo da mente humana e não se pronuncia sobre questões relativas à sobrevivência post mortem das pessoas, o que não impede que, pessoalmente, alguns parapsicólogos acreditem nela.

 

REVISTA BRASÍLIA EM DIA.

29 de maio a 04 de junho de 2010. Ano 14. Nº 695

Compartilhe: