— Qual a sua opinião a respeito de uma reportagem publicada no DP, de responsabilidade de Victor Vincent, na qual se informava que os pesquisadores do laboratório de parapsicologia da Universidade de Miami declaravam que John Lennon morrera assassinado em lugar de Paul Mc Cartney?
— É sempre temerário emitir-se qualquer juízo definitivo, baseado tão somente em informe jornalístico, principalmente em se tratando de matéria de natureza científica. Portanto, preliminarmente, quero deixar patente que a minha opinião, em tal circunstância, não é um posicionamento rigidamente científico, mas simples reflexo de uma leitura sem compromisso. Pelo que diz a reportagem, a conclusão a que chegaram os parapsicólogos da Universidade de Miami resulta de ilações baseadas na posição ocupada por Paul Mc Cartney, em centenas de fotografias, ao lado dos outros Beatles. Nestas fotos, obtidas pelo laboratório daquela Universidade. “Paul se mantinha atrás ou estava de costas, sem deixar dúvidas em advertir seus companheiros da iminência de sua partida”. Para esses parapsicólogos, a situação espacial de Cartney nas fotografias se constituía um aviso premonitório de sua morte. Acontece, porém, que o destino, contrapondo-se àquelas indicações, escolheu John Lennon ao invés de Paul Mc Cartney, contrariando, assim, o que fora programado.
— Acha que essas previsões, baseadas em fotografias, têm algum fundamento científico?
— Claro que não. A ciência não possui qualquer controle sobre o futuro, pois o fenômeno precognitivo, além de esporádico, é imprevisível e, portanto, incontrolável. É óbvio, assim, que só poderemos saber se uma precognição foi verdadeira, quando o fato anunciado acontece. Por outro lado, a conclusão dos parapsicólogos de Miami, com arrimo na posição de Paul Mc Cartney nas “centenas de fotos” que tirou com os outros Beatles, é, na verdade, gratuita e não passa, por conseguinte, de mera conjectura.
— Um psicólogo poderia interpretar a posição de Mc Cartney como a expressão simbólica de uma atitude de hostilidade em relação aos companheiros, revelando o desejo de desligar-se do grupo. Ou ainda: uma maneira narcisista de destacar a personalidade, numa disfarçada pretensão de liderança. Como se vê, interpretações é que não faltam. Qual delas, porém, a verdadeira? Paul Mc Cartney tomou conhecimento dessas pesquisas. Visitou a Universidade de Miami, obteve fotografias de tais estudos e pagou generosamente para que os pesquisadores prosseguissem o trabalho. Que acha de tudo isso?
— Acho tudo isso muito estranho e lamentável. A parapsicologia é uma ciência em formação. Os fenômenos paranormais, cuja existência ela já comprovou – telepatia, clarividência, precognição e psicocinesia —, estão mais em regime de observação do que de controle. Por isto, pesquisas deste tipo não se revestem, em nível metodológico, de qualquer confiabilidade. Informar a alguém que a sua morte está próxima, com base em mera especulação e sem qualquer constatação científica, além de eticamente censurável, importa em perigosa sugestão que pode culminar em resultado funesto. Uma pessoa altamente impressionável pode, inconscientemente, criar as condições favoráveis para que o evento preconizado se realize.
— Para se obter essa previsão foi utilizado um pêndulo que oscilava sobre os retratos dos Beatles, e nestas experiências Paul Mc Cartney aparecia como mais vulnerável. Não seria isto uma prova de que Cartney era a pessoa escolhida?
— O pêndulo, em si, não revela nada. Ele é uma extensão da mente da pessoa que o segura, oscilando os impulsos do seu inconsciente. O pêndulo é um dos chamados “indutores psicométricos”, ou seja, determinados objetos que auxiliam os clarividentes a utilizar as suas faculdades paranormais. Assim, o pêndulo revela a mensagem do inconsciente de quem o manipula. Não há dúvida, porém, de que um clarividente, não raras vezes, acerte seus diagnósticos e até prognósticos. Não foi, portanto, o pêndulo que acertou. A “revelação” é que ocorreu por seu intermédio.
— No laboratório de parapsicologia da Universidade de Miami, organizado pelo professor Truby, se medem as ondas vitais, dinâmicas, que são emitidas pelos seres humanos, diferindo segundo a idade, a saúde e o tempo que resta de vida às pessoas. Tal equipamento não poderia ajudar essas previsões?
— Inicialmente, é preciso saber o que são essas “ondas vitais, dinâmicas, emitidas pelos seres humanos”. Há pessoas que têm o hábito de jogar com palavras, alterando, com isto, conceitos já consagrados, em busca de inovações simplesmente semânticas. Na terminologia parapsicológica, a energia emitida pelos seres humanos tem o nome de telergia. Esta força, porém, ainda não é passível de qualquer controle ou mediação. Assim, se as “ondas vitais” são manifestações telérgicas, os parapsicólogos de Miami conseguiram um feito realmente notável: medir o que, até agora, ninguém medira. Se isto é verdade — embora eu duvide —, então o professor Truby está de parabéns: poderá, a seu talante, medir a capacidade telérgica de cada médium, determinando o seu potencial per si. Porém, enquanto tal evento não for confirmado por parapsicólogos de renome e proclamado pelos mais categorizados institutos de parapsicologia, não se pode dar crédito a esse tipo de informação.
— E, se, no entanto. Paul Mc Cartney viesse mesmo a morrer? Tal fato não confirmaria a previsão?
— A previsão, sim, mas na condição de um singelo dado empírico. Porém, esta feliz adivinhação não validaria, por si só e isoladamente, o procedimento experimental dos parapsicólogos de Miami. A sua metodologia teria de ser testada em vários experimentos rigidamente controlados a fim de se comprovar, definitivamente, a sua validade. Tudo o mais que se disser, sem o crivo da experimentação, não passará de palpite. E, talvez, palpite infeliz.
Diário de Pernamb0uco
21 de junho de 1981