A entrevista foi coordenada por Manoel Barbosa.
A visão de uma mão que se materializa numa sala em penumbra, esvoaça e, diante de uma ordem verbal, aproxima-se e deixa-se examinar meticulosamente, se contida no relato de um pesquisador crédulo pode parecer facilmente, se não pura invenção, fruto da ilusão de alguém desejoso de crer no inusitado. Mas quando o relato de um fenómeno como esse é de um pesquisador reconhecidamente cético, implacável, cáustico até, como o professor de Direito Civil e parapsicólogo Valter Rosa Borges, tem-se de admitir que o impossível é viável. Essa e outras experiências fazem parte de relatos feitos por Valter Rosa Borges, em depoimento prestado ao DIARIO DE PERNAMBUCO sobre os seus 31 anos de pesquisas parapsicológicas em Pernambuco. Estudos que não têm avanço maior porque, segundo alega, os centros espíritas pernambucanos se recusam a colaborar com a verificação científica, incluindo a própria equipe do médico Edson Queiroz, que não tem permitido a presença do parapsicólogo. Quanto a Edson Queiroz, Valter Rosa Borges admite a possibilidade de ele ser um sensitivo de grandes poderes, mas faz restrições à versão de que ele atue com o espírito de Dr. Fritz, o médico alemão que teria morrido na Segunda Guerra Mundial.
DP – Como fazer a diferença, de maneira clara, entre a Parapsicologia séria, cientifica, da charlatanesca?
VRB – No Brasil, nós ainda estamos lutando para, justamente, distinguir a Parapsicologia de outras ciências, de outras paraciências, até mesmo de religiões, porque como a Parapsicologia lida com fenômenos extraordinários da mente humana, geralmente as pessoas procuram compreendê-la como se fosse uma panaceia, ou seja: tudo o que é fantástico, tudo o que não tem explicação científica, fenômenos são atribuídos ao seu campo. O que acontece? A Parapsicologia é confundida com espiritismo. Inclusive, é até usada, seja como instrumento contra o espiritismo ou a seu favor, quando na verdade seu objeto é o estudo, a pesquisa sistematizada do fenômeno paranormal. O que seria o paranormal? Seria aquele fenômeno extraordinário da mente humana, como a telepatia, a clarividência e a precognição, que evidenciam a capacidade da mente de ter um conhecimento que não pode ser atribuído aos sentidos nem à sua capacidade analítica. Como também estuda a ação da mente humana sobre a matéria, utilizando-se de recursos não físicos. No caso, por exemplo, de fenômenos de psicocinesia, que consistem na movimentação de objetos pela simples vontade de uma pessoa dotada dessa faculdade. Então, a Parapsicologia não estuda todos os fenômenos fantásticos. Por exemplo: fenômenos ufológicos, discos voadores, aparição de ETs, ou fenômenos mediúnicos, que pertencem ao campo do espiritismo. A Parapsicologia lida com o homem vivo, com o homem biológico, com o homem histórico, não com o homem transbiológico-transistórico. Quer dizer: a sobrevivência não é objeto da Parapsicologia. Pode constituir-se num estudo interdisciplinar. O parapsicólogo pode preocupar-se com o tema da sobrevivência numa área de interdisciplinaridade. No entanto, o próprio Joseph Rhine reconheceu que a especulação sobre a sobrevivência é matéria de especulação científica. Mas não é objeto da Parapsicologia: seria objeto da especulação parapsicológica. Daí porque nós temos de reconhecer que esse ponto atrai muitos charlatães, muitas pessoas dotadas de pensamento mágico e que ou utilizam esses fenômenos como meio de ganhar dinheiro ou simplesmente confundem as coisas.
DP – Até que ponto a Parapsicologia se choca com o pensamento religioso que acredita na sobrevivência?
VRB – A Parapsicologia não a rejeita. Apenas não é sua área de competência. Não seria sua jurisdição. Mas os fenômenos nos interessam porque são produzidos pelo inconsciente da pessoa. Fenômenos que acontecem nos terreiros de umbanda, nos candomblés, nos centros espíritas, claro que não são interpretados pelos estudiosos como causados pelos seres extracorpóreos, seres espirituais, mas sim pela atividade do inconsciente das pessoas. Assim, a Parapsicologia não afirma nem nega a sobrevivência das pessoas e vê nesses fenômenos que acontecem em casos religiosos manifestações do inconsciente.
DP – O senhor se considera um parapsicólogo?
VRB – Há 31 anos que me dedico às pesquisas parapsicológicas. Agora, a Parapsicologia ainda não é uma profissão em nenhuma parte do mundo. Tanto que a Federação Brasileira de Parapsicologia, da qual eu sou membro do Conselho Superior, tem tentado sua profissionalização. É uma luta muito árdua. Porque a profissionalização impedirá c charlatanismo. Porque muita gente se diz parapsicólogo quando, na verdade, nada entende. Porque o elemento tem de ter uma formação humanista, um nível universitário. E, naturalmente, não se deve confundi-lo com o paranormal. Este é dotado do chamado talento psi. E o parapsicólogo é apenas aquela pessoa que estuda esses fenômenos. Mas, como ciência, a Parapsicologia está reconhecida. Há mais de 200 cadeiras desse estudo nos Estados Unidos, na Europa. Aqui no Brasil há a Faculdade de Ciências Biopsíquicas do Paraná, que possui um curso com período de cinco anos. A nossa luta, aqui no Brasil, não é mais pelo reconhecimento, mas pela profissionalização.
Parapsicologia não tem religião
DP – Como parapsicólogo e pessoa humana, qual sua crença religiosa?
VRB – Sou um livre pensador. Claro que tenho uma inclinação maior pela doutrina espírita. Porque eu acho altamente significativa certas posturas filosóficas da doutrina. Com isso não estou me comprometendo em defender este ou aquele postulado. Como livre pensador, tenho minha mente disponível. Porque, no momento de me vincular a uma posição religiosa eu me veria na obrigação de defender seus postulados. E na condição de livre pensador, hoje eu aceito a sobrevivência, a comunicabilidade com os mortos e também a reencarnação, acho um modelo explicativo bastante fértil. Mas com isso não estou dizendo que, definitivamente, passo a integrá-las à minha concepção da realidade.
DP – Nos seus 31 anos como pesquisador dos fenômenos paranormais, tem tido oportunidade, certamente, de tirar muitas conclusões pessoais. Teria podido observar, durante esse período, que de algum modo há uma força agindo por trás ou paralelamente à existência humana, conforme alguns pesquisadores sugerem?
VRB – Aí depende do enfoque do problema. Um famoso parapsicólogo disse que a pesquisa da sobrevivência vem sendo prejudicada porque até o momento não conhecemos o fenómeno da mente humana em sua totalidade. Seria um tanto perigoso fazer afirmações porque desconhecemos o potencial da mente humana. Já Rhine dizia que os fenómenos paranormais sugerem fortemente a sobrevivência. Eu confesso que guardo simpatias enormes pela sobrevivência. E entendo que alguns raros fenômenos, como da memória extracerebral, indicam fortemente o fator extracorpóreo. Então, nesse caso, eu responderia afirmativamente: na minha opinião estritamente pessoal certos fenômenos paranormais sugerem fortemente a sobrevivência. Quando eu digo sobrevivência, não digo imortalidade. É possível que a consciência continue após a morte da estrutura biológica que a agasalhava. Agora, se essa consciência permanece indefinidamente nunca será matéria para especulação científica, mas sim pertencente à filosofia religiosa. Agora, pode-se, naturalmente – e isso eu apresentei no I Simpósio Brasileiro de Parapsicologia e Espiritismo – ter um modelo para pesquisar a sobrevivência dentro de referenciais científicos. Naquela oportunidade eu disse aos meus amigos espíritas de São Paulo que o espiritismo não é uma ciência, por não ter sido reconhecido pela comunidade cientifica e por não utilizar metodologia científica.
DP – A resposta explica alguns pontos. Mas o problema é que alguns físicos, sobretudo os especialistas em estruturas subatômicas, além de muitos biólogos, dizem perceber uma espécie de inteligência orientadora por trás das formas ultimas da matéria. Eles sentiram isso em determinado momento. Por exemplo: o que orienta o código genético? É como se houvesse uma força, que eles não sabem o que é. O senhor, no decorrer das experiências, já sentiu algo assim?
VRB – Eu sinto isso também. Há realmente uma inteligência subjacente por trás de tudo isso. Aliás, determinado físico diz que o Universo não é mais aquela máquina imaginada por Descartes, mas é pensamento. Então, ele sentia que o Universo tem inteligibilidade, intencionalidade. Os físicos quânticos reduzem a matéria a nuvens de eventos, matéria é intensificação de campo, como já dizia Einstein. Isso até evidencia que há um consórcio e a física quântica e o pensamento oriental. Existe o “tao”, que é aquele vazio, mas é um vazio que representa um potencial onde existe tudo e todas as formas. No caso o homem seria uma individualização da inteligência. Nós já estamos saindo do campo da Física, porque os físicos hoje já são metafísicos. Hoje, nós estabelecemos relações matemáticas. Matéria, energia, substância, tudo parece manifestação de uma mesma coisa.
E quando uma mão surge do nada
DP – Durante os seus 31 anos de pesquisas, qual o fenômeno que mais o impressionou?
VRB – Inegavelmente, foi um fenômeno de ideoplastia, que na linguagem espírita chama-se materialização. Agora, veja você: esse fenômeno ainda não está inserido oficialmente dentro do quadro oficial da Parapsicologia. Até o momento, a Parapsicologia só tem comprovados em laboratório quatro fenômenos: telepatia, clarividência, precognição, que são fenômenos do conhecimento chamados psi-gama; e o fenômeno psi- kapa, que é aquele que a mente age sobre objetos sem utilização de qualquer meio físico. Mas, com isso, não quer dizer que a Parapsicologia jogou na lata de lixo todos aqueles fenômenos que são pesquisados por homens notáveis da metapsíquica. Então, eu assisti, com um médium – que, aliás, perdeu essa aptidão da noite para o dia -, um fenômeno extraordinário de ideoplastia, sob controle rigoroso. E consistiu justamente no aparecimento de uma mão, completamente materializada. Eu solicitei, então, a essa mão que viesse junto de mim e a examinei detidamente, sentindo as articulações ósseas. Essa mão só ia até o pulso.
DP – Quando o senhor chamou, a mão veio voando?
VRB – Ela veio no espaço. Inclusive, uma das coisas que essa mão fez foi descerrar a cabine e apontar para o médium, que se encontrava adormecido. Com a cabine descerrada, com a luz acesa – uma luz vermelha -, eu solicitei que essa mão viesse até junto de mim para eu examinar. E a mão veio, se jogou no espaço e chegou até junto de mim, parou e eu a examinei.
DP – Chamou-a como? Com gestos ou palavras?
VRB – Eu disse: “Você poderia vir até aqui?” Então, veja que houve uma pergunta e uma resposta. A mão se deslocou até junto de mim, eu a examinei e senti, inclusive, todas as articulações ósseas.
DP – Parecia com a carne humana, comum?
VRB – Ela estava como que dentro de uma luva. Não satisfeito, solicitei à mão se ela poderia levantar a mesa. Era uma mesa de peroba, torneada. Mesa antiga, bem pesada. E a mão não se fez de rogada: desvencilhou-se das minhas mãos e ergueu a mesa – e o que é importante – sem deslocar o centro de gravidade, como se uma força anti-gravítica estivesse atuando. Então a mesa ergueu-se cerca de 50 centímetros do solo, depois a mão soltou a mesa e houve um estrondo. E esse estrondo não despertou o sensitivo, que continuou dormindo tranquilamente. Depois, a mão retornou e se desfez. Esse foi, realmente, o fenômeno mais impressionante que presenciei.
DP – E quando foi isso?
VRB – Há cerca de 20 anos.
DP – Foi no Recife?
VRB – Foi. No bairro do Arruda. Dessas pessoas que participaram da reunião, algumas estão mortas.
DP – Todas elas viram?
VRB – Todas elas viram. Inclusive, eu até solicitei que algumas pessoas também examinassem a mão, mas elas demonstram estar satisfeitas com meu exame – naturalmente tiveram um certo receio.
DP – No momento como o senhor era ainda um pesquisador com apenas 11 anos de experiência em pesquisas, teve algum receio? Qual a sensação que teve?
VRB – Quando iniciamos a experiência com médium – que era uma mulher -, os fenômenos iniciais causaram assim um certo temor. Fenômenos de pancadas, deslocamentos de objetos, objetos que surgiam repentinamente na sala. De repente, a sala ficava atapetada de cravos. Eles caiam do teto. E os fenómenos que mais causavam impacto eram as pancadas. Com continuação veio, naturalmente, o costume porque, às vezes, nós nos acostumamos até com o insólito. Quando a mão apareceu, eu já estava psicologicamente preparado. Aquele temor, aquele receio, já tinham desaparecido, substituído pela emoção do pesquisador de poder examinar um fenômeno que até então, só tinha conhecimento através da literatura especializada. Eu senti não medo, mas uma emoção muito forte.
DP – Por que quem fez a pesquisa não se lembrou de fotografar, para documentá-la?
VRB – Porque naquela oportunidade havia um receio de dar-se publicidade ao fenômeno, por não haver ainda clima. E tudo isso ocorreu num ambiente familiar. A médium era pessoa da família. E ela solicitou que, por hipótese alguma, desse publicidade àquilo!
Fenômeno é quando não há fraude
DP – Alguns estudiosos fazem críticas aos métodos usados pela Parapsicologia, sob o argumento de que ela tenta apurar o paranormal de maneira quantitativa. Por isso, segundo esses críticos, as pesquisas não avançam. O que diz?
VRB – Você pode em Parapsicologia, usar dois procedimentos: o método quantitativo – estatístico – matemático, que é da escola norte-americana, que considero muito seguro, sob certo ponto de vista – o da expressão estatística; e o método qualitativo, que é utilizado pela Parapsicologia soviética e foi usado também pelos metapsiquistas, ou seja, o fenômeno vale pelo que ele é, desde que estejam afastadas as possibilidades de fraude, ilusão e alucinação. Eu confesso que sou muito mais simpático ao método qualitativo. Porque o método quantitativo é muito castrativo, embora mais seguro. Essa experiência que eu estou fazendo com um sensitivo, é através do método qualitativo. Eu peço que ele sinta as pessoas. Ele não vai fazer jogo de baralho Zener para adivinhar cartas. Ele, simplesmente, na frente de uma pessoa, que pode ser o próprio jornalista, procura entrar em sintonia e tenta senti-la. Se ele estiver num dia muito bom, vai dizer que a simples percepção não trará informações suficientes.
DP – E que coisas ela pode dizer da pessoa com quem entra em sintonia?
VRB – Ela diria sobre sua personalidade, que são dados puramente observacionais. Mas, à medida que ela vai se envolvendo com a pessoa, vai trazendo outras observações. Por exemplo: o estado de saúde, uma enfermidade que a pessoa já teve fatos que, às vezes, não dizem respeito à pessoa, mas a alguém da família dela. Então, vêm informações que podem ser interpretadas a nível psicológico. Ou seja: ela, naturalmente, tem uma habilidade muito grande de perceber, pela sua postura, pela sua maneira de olhar, de falar e, com esses dados, fazer uma “Gestalt” da sua personalidade. Mas, â medida que ela vai entrando em você, penetra nas camadas mais profundas. Então, o dado não é mais psicológico. Aí é, realmente, um fenômeno telepático.
Valter: Centros dificultam pesquisas parapsicológicas
Presença carismática pode curar
DP – Dentro dessa exposição, parece que não se pode descartar que certos curandeiros têm, realmente, os poderes alegados de influir sobre as pessoas, induzindo curas? E isso, inclusive, do ponto de vista científico?
VRB – Pode. O efeito placebo pode curar. A presença carismática faz despertar na pessoa uma confiança tão grande que ela se cura. Há curas espontâneas. O curandeiro/feiticeiro teria um efeito catalisador. Sua presença desenvolveria o potencial da própria pessoa. A transferência de energia é que é ainda discutível.
DP – Quanto mais primitivo esse ser não teria um poder maior?
VRB – Claro, porque tem menos bloqueio, menos senso crítico. O superego não é tão ativo. E essas pessoas, por serem mais simples, interagem melhor.
DP – Ainda dentro desse mesmo nível de enfoque, o médico Edson Queiroz – a quem o senhor parece fazer algumas reservas – não poderia ser um sensitivo altamente dotado?
VRB – Poderá ser. E eu quero esclarecer mais uma vez a posição do Instituto, que tem sido tão mal compreendida pelos meus amigos espíritas: a nossa posição é essencialmente científica, e não nos foi dada oportunidade de investigar o médico Edson Queiroz. Nossa proposta de investigação foi simplesmente castrada. Mas eu não posso, então – e seria leviano da minha parte se o fizesse – afirmar ou negar que o Edson Queiroz é um paranormal. Há uma polêmica muito grande em torno dele. E nesse tumulto de emoções, há espíritas que são favoráveis, outros que são contra, a presença de parapsicólogos – ainda não há nenhum pronunciamento oficial. Nada nos permite ainda uma avaliação. Agora, é possível que o Edson Queiroz seja portador de uma paranormalidade muito forte. Entre ele ser um paranormal e servindo de instrumento do que se diz Adolfo Fritz, a distância é grande. Eu ficaria só na parte da paranormalidade – isto é, se tivesse tido oportunidade de pesquisar Edson Queiroz. Quanto à questão do dr. Fritz, aí já pertence a outro departamento que não o da parapsicologia. Porque dr. Fritz nunca deu provas concretas de sua individualidade: nasci em tal lugar, minha família foi tal. Se desse provas concertas de sua identidade, haveria dados precisos para uma investigação. A alegação é que cria problemas. Ora, um homem que morreu na segunda guerra mundial criaria problemas para a família!? Com os dados, poderia haver pesquisa adequada para saber se, realmente, dr. Fritz existiu. Mas nada disso ele fornece. Por causa disso, temos de admitir que, se Edson é um paranormal tudo o que ele faz é, na verdade, pela própria aptidão que possui. Espero que haja uma abertura maior para a pesquisa parapsicológica e os centros espíritas não se fechem tanto.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO
3 de novembro de 1985