Casarões povoados por histórias de assombração

Palácio Municipal de Olinda teria ruídos noturnos inexplicáveis no andar de cima, segundo dizem os guardas que vigiam.

Vigilantes e usuários de prédios antigos têm experiências sobrenaturais

 

Tânia Passos

 

Desde a pré-história que o homem tenta descobrir o que acontece depois da morte. Para onde vão os espíritos e de que forma os mortos podem se comunicar com os vivos. No cinema e na literatura as histórias de assombração, ajudam a povoar o imaginário coletivo. Não é difícil encontrar alguém que acredite ter passado por alguma experiência sobrenatural, o que dizer então dos vigilantes que passam a noite em casarões e prédios antigos, onde o tempo parece não apagar as experiências de seus antigos moradores. Recife e Olinda estão cheios de endereços mal-assombrados.

O prédio do Palácio Municipal de Olinda, reedificado no ano de 1660 por André Vidal de Negreiros, herói da Insurreição Pernambucana, já foi sede do Governo do Brasil. O prédio que guarda muitas histórias da pátria brasileira, tem também o seu lado sombrio. Os dois guardas municipais que fazem a segurança noturna do, Dário Silva, 39 anos e José Monte, 50, dizem que já presenciaram cenas dignas de um filme de terror. Na calada da noite, os dois garantem escutar pisadas no andar de cima. Cada um segue então por um lado para se certificar se há algum intruso no prédio e não encontram nenhuma alma viva, além deles. Dário diz que, mesmo assim, sente que eles não estão sozinhos. “Quando subo as escadarias sinto um arrepio. Sempre tenho a impressão de que alguém está nos olhando”.

Também em Olinda, dessa vez no casarão onde funciona a Secretaria de Patrimônio Cultural, na rua de São Bento, o vigilante Sivaldo José de Melo, 45, conta que a antiga moradora da casa morreu e já apareceu para uma funcionária, hoje, aposentada, e que ela nunca mais subiu no andar superior da casa. O vigilante também diz que todas as noites escuta pisadas de uma pessoa na escada, levanta para olhar e não encontra nada. “No início eu ficava assustado, mas já me acostumei, sei que não vai acontecer nada comigo”, afirma.

No prédio do Arquivo Público do Estado, erguido em 1731, na rua do Imperador, onde funcionou a cadeia pública da cidade, os vigilantes contam que escutam barulho de pisadas e móveis sendo arrastados. O vigilante Valdemar do Nascimento, 37, disse que muitos colegas não querem passar a noite no prédio onde ele já trabalha há um ano. “No início eu escutava muito barulho, mas me tornei espírita e hoje em dia não tenho mais medo”, garante.

O prédio da Faculdade de Direito do Recife, construído em 1912, guarda muitas histórias, algumas também relatadas pelos estudantes Venceslau da Costa Filho, 23, aluno do último período, conta que a lenda do velho da cartola que aparece na biblioteca na sessão de filosofia sempre assustou os alunos, principalmente os novatos. Outro fantasma que transita pelos corredores da faculdade é o do negão da bermuda, que faria aparição sem cabeça. Na faculdade os alunos contam que os vigilantes ouvem vozes na madrugada como se os professores estivessem dando aulas.

As primeiras histórias de assombração da capital pernambucana, foram relatadas no livro de Gilberto Freyre, Assombrações do Recife Velho, da década de 50. Mais de meio século depois o assunto ainda provoca discussões e desperta a curiosidade. O parapsicólogo Válter da Rosa Borges, do Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas, fundado há 35 anos, diz que toda a experiência de aparição é de natureza subjetiva. Assim, o sonho é subjetivo. Segundo ele, as pessoas são sugestionadas pelas experiências de outras e acabam com medo. “Pode acontecer de alguém ver ou ouvir um fantasma, simplesmente porque acredita”. Por isso que não deixa de ser real para as pessoas que passam por tal experiência, o digam os vigilantes dos casarões que acreditam ouvirem nas noites ruídos do além.

 

TEMA VIROU LIVRO E SITE

 

A curiosidade sobre as histórias de assombração reuniu num único projeto o jornalista Roberto Beltrão e os músicos Sérgio Barva e André Andrade. Primeiro eles fizeram um jornal, mas não passou do primeiro número. Depois, pensaram em escrever um livro com as pesquisas e histórias ouvidas por cada um, mas não emplacou. Foi só em 2000, que eles tiveram a ideia de criar o site www.orecifeassombrado.com.br, que reúne mais de 200 histórias assombradas.

Em 2002, o grupo lançou finalmente o primeiro livro com material colhido no site, chamado Histórias Medonhas do Recife Assombrado, pela editora Bagaço. “Hoje o forte do site são as próprias histórias enviadas pelos internautas”, explicou o jornalista. Segundo Beltrão, todo o visual vai ser renovado em breve para facilitar ainda mais o acesso. Em 2002 o site foi finalista no concurso iBest da internet.

A estudante Cíntia Carvalho, 23 anos, é uma das que enviam histórias para o site do trio. Ela acredita que vê pessoas mortas desde criança, assim como o personagem do filme Sexto Sentido. “Às vezes, sinto o cheiro de cravo e em alguns momentos de podre como se a pessoa já estivesse morta há muito tempo”, diz Cíntia. A estudante, que se tornou kardecista há sete anos, contou que no velório de um tio-avô, viu o espírito dele deitado um pouco acima do corpo. Hoje, ela diz que ainda sente medo e preferia não ter esse dom.

No site, o internauta pode encontrar desde depoimentos, contos e alguns dos lugares tidos como assombrados. Segundo Beltrão muita gente não gosta de ter o nome associado a assombrações para não ser malvista e não prejudicar os negócios, em alguns casos.

TESTEMUNHO – Sem querer se identificar, uma dona de casa que morou na casa 141 da rua de São Bento, em Olinda, garante que, há muitos anos, viu na residência um homem vestido de fraque com o rosto muito branco, e pensou que era alguém fantasiado para o Carnaval até perceber que ele flutuava a um palmo do chão. Hoje, os novos moradores dizem que nunca foram incomodados por fantasmas.

 

DIÁRIO DE PERNAMBUCO

25 de janeiro de 2004

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