Tempo de Anjos

Protetores, iluminados, esses seres surgem mais fortes no imaginário popular durante o final do ano

 

Cinthya Leite

 

Para a ciência eles são seres transcendentais. Platão preferia chamá-los de guardiões espirituais. O espiritismo considera que eles são seres da natureza ou guias. Ainda há quem diga que são protetores sobrenaturais. Apesar de os anjos (como são chamados esses seres alados pelo catolicismo) possuírem um leque amplo de denominações, o que vale mesmo é pensar que, mesmo com símbolos, eles são portadores de mensagens divinas e significados misteriosos. Principalmente durante o final do ano, quando são mais evocados por aqueles que neles creem. Ou nem tanto…

Os registros revelam que o interesse em relação a esses seres já existe desde a sociedade persa, passou pelos gregos, mas não foi tão intenso na Idade Média, época em que os santos tomaram lugar de destaque”, comenta o professor e historiador Alexandre Costa. Para ele, o impacto atual que os anjos exercem sobre a sociedade moderna é explicado pelo fato de as pessoas, preocupadas com o autoconhecimento, estarem cada vez mais em busca de suas raízes espirituais. “E o debate sobre a simpatia em relação aos anjos não se esgota aí. O homem quer uma proteção superior que, nem sempre, é encontrada no campo terrestre. Então, ele procura segurança na fé e na religião”, relata o parapsicólogo Valter da Rosa Borges, fundador do Instituto Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas (IPPP).

De acordo com ele, os anjos estão incluídos no grupo dos seres transcendentais, aqueles que nunca passaram pela experiência humana. “Essa definição é baseada na concepção católica. O espiritismo, por exemplo, não faz referência a anjos, mas fala de guias espirituais, seres que passaram pela prática biológica, mas que já atingiram um alto estágio evolutivo”, acrescenta o parapsicólogo, que já escreveu 14 livros sobre os fenômenos incomuns da mente humana.

Por falar em acontecimentos que fogem do habitual, a discussão sobre a existência dos seres angelicais e a função que eles exercem em relação ao homem desperta a curiosidade dos estudiosos desde o século 19, quando Friedrich Schleiermacher, considerado o pai da teologia liberal, questionou o propósito da doutrina dos anjos. Já no século 20, o estudioso do Novo Testamento, Rudolf Bultmann, negou totalmente a existência deles.

Mesmo assim, a nova geração parece ter descoberto que a busca por ordem, sanidade e base espiritual leva de volta aos princípios bíblicos. Uma pesquisa realizada pela revista americana Newsweek em 1994 mostrou que 13% dos americanos já viram ou sentiram a presença de um anjo. Outro estudo realizado pelo Time descobriu que 69% dos americanos acreditam na existência dos anjos, e 46% confiam em anjos da guarda.

No Brasil, não existem dados concretos, mas os estudiosos já fazem algumas conclusões. “O interesse dos brasileiros pelo tema foi grande entre 1994 e 1997. Desde 2001, no entanto, percebe-se que a comunidade que se volta para os ‘assuntos angelicais’ cresce freneticamente. O mais curioso é que boa parcela desse público é masculino”, afirma a angiologista (como são chamadas as pessoas que estudam os anjos) e autora do livro Anjos Cabalísticos, Mônica Buonfiglio. “Diferente do que acontecia há algum tempo, as pessoas não apenas procuram os seres celestiais em busca de proteção, mas fazem orações para eles com o intuito de atingir algo material e, de fato, conseguem”, assegura Mônica.

Outro fato que explica a moda dos anjos recai no papel que eles exercem de mediadores entre Deus e os homens. Algumas pessoas, entretanto, oram a Jesus, pois a Bíblia o identifica como a única ‘ponte’ entre o Ser Supremo e a humanidade. “Outros, porém, preferem se voltar aos anjos, pois têm medo de orar diretamente a Deus. É como se Ele esperasse apenas obediência e santidade. Com os seres transcendentais, fica mais fácil falar sobre problemas e pecados”, salienta Valter da Rosa Borges.

Por sinal, foi o receio de entrar em contato espiritual com Deus que fez aparecer a hierarquia angelical. “Os judeus sequer pronunciam a palavra Jeová, porque é como se Ele fosse uma potência, uma supremacia. Na tentativa de usar outras nomeações, eles terminaram criando essa hierarquia que foi escrita no século 13, mas difundida, no Brasil, em 1992”, garante Mônica Buonfiglio.

Segundo a angiologista, apesar de a expressão ‘hierarquia angelical’ dar ideia de subordinação e grau de escala crescente dos poderes eclesiásticos, não é verdade afirmar que existe um anjo mais superior do que os demais. “Não se trata de uma questão qualitativa, pois todos são iguais e têm a função, entre outras, de auxiliar o homem durante sua passagem pela Terra”, diz Mônica.

Mas, se eles estão por aqui, por que há tantas calamidades? “Não há como mudar a vontade divina. Os seres celestiais estão aqui para nos servir, mas ficam sujeitos à vontade soberana de Deus”, completa Mônica.

 

ENTRE OS BONS E OS CONTRÁRIOS

 

Teólogos, religiosos e cientistas dividem-se quanto às denominações angelicais. Guias ou espíritos de luz, a verdade, dizem, é que eles estão entre nós.

 

Ludmila de Abreu

Quando o debate em torno dos anjos vem à tona, é fácil perceber que há contradições e enigmas em relação à existência deles. De acordo com B. J. Oropeza, um teólogo americano que relatou temas ligados aos seres espirituais (no livro 99 Perguntas sobre Anjos, Demônios e Batalha Espiritual), a expressão ‘anjo da guarda’ não aparece na Bíblia, mas algumas passagens deixam transparecer a ideia de guardiões.

“A Igreja Católica até celebra a memória dos santos anjos da guarda no dia dois de outubro de cada ano”, reforça o bispo auxiliar de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido. Na visão dos angiologistas, um anjo bom e outro mau são destinados para cada pessoa. “Os que praticam o bem são protetores; os demais atormentam o homem e são chamados de anjos contrários”, explica a angiologista Mônica Buonfiglio.

Segundo ela, é preciso identificar o ser que traz a maldade para evitar que acontecimentos negativos prejudiquem a vida do indivíduo. Os estudos acerca da batalha espiritual ainda incluem a presença do demônio em terras celestiais. Segundo Dom Fernando Saburido, o diabo foi criado por Deus como sendo bom em sua natureza, mas se tornou mau por iniciativa própria. “Um dos poderes que Jesus deu aos discípulos foi o de expulsar os demônios do céu”, enfatiza Saburido.

Para o estudioso da Parapsicologia e fundador do Centro Latino-Americano de Parapsicologia (CLAP) em São Paulo, Padre Quevedo, a ideia de que houve uma grande guerra celestial entre os anjos é pura lenda. “Lúcifer só aparece uma vez na Bíblia, em uma passagem que não se refere à expulsão do céu”, argumenta Quevedo.

A crença em anjos da guarda, apesar de ter começado a ganhar força há pouco tempo, não é nova. As tradições judaicas antigas, por exemplo, afirmavam que todas as pessoas tinham um anjo da guarda. A angiologista Mônica Buonfiglio, precursora em estudos sobre o tema no Brasil, afirma que essas ‘criaturas’ estão presentes desde o segundo dia da criação do mundo. “Os pássaros citados pelo Gênesis são os anjos”, acredita a estudiosa. “A tradição mitológica também disseminava o culto aos anjos, que eram chamados de daimones e vistos como seres sobrenaturais que acompanhavam as pessoas em todos os momentos”, comenta o professor e historiador Alexandre Costa.

Os padres da Igreja Católica afirmam que os seres angelicais existem, mas citam apenas três. “Há os anjos Rafael, Gabriel e Miguel. Eles representam, respectivamente, a cura, a manifestação e a fortaleza divina”, diz Quevedo. O teólogo B. J. Oropeza escreveu que algumas correntes que estudam os seres celestiais, no entanto, não sabem ao certo o número de anjos (exceto a angiologia, que afirma haver 72 ‘amigos celestiais’). Ele diz que, no Apocalipse, o número de anjos chega a cem milhões, segundo as escrituras.

O teólogo acredita, conduto, que a conta é apenas uma forma figurada de expressar um número incontável de anjos. “Mas se sabe que existe uma angiologia cristã presente em todos os catecismos editados ao longo da história pelos católicos”, relata Alexandre Costa.

Mas, afinal de contas, eles estão ao redor do homem ou é o imaginário que fabrica o fato? “Sim, eles estão por aqui. Todas as raças falam sobre seres espirituais. Deus criou o ser humano, os bichos, as bactérias e os vegetais. É claro que Ele não esqueceria os guias espirituais”, responde Padre Quevedo.

A linha parapsicológica defende que a existência dos seres transcendentais é provável, mas não como geralmente é descrita nos documentos e vista nas imagens. “O imaginário faz com que o homem crie companheiros. Nesse caso, são os amigos transcendentais, que não o deixam sozinho e podem até guardar os passos de cada um”, salienta Valter da Rosa Borges.

Para a professora e angiologista Ana Maria Moraes, os seres celestiais são apenas formas de energia que, simbolicamente, receberam formas de anjo, no catolicismo, para fazer com que as pessoas compreendam que são possuidoras de força mental. “Eles nada mais são do que uma luz que liga o homem a Deus, independente da religião que cada sociedade segue”, afirma Ana Maria.

“Até o mundo que vemos hoje é fruto da mente. A diferença é que cada um de nós enxergamos as coisas e os fatos de acordo com a cultura e a religião que possuímos”, explica Valter da Rosa Borges. Assim, a visão que cada um tem dos anjos não deve ser julgada. “O que importa é acreditar em algo que vele nossos caminhos “, completa o parapsicólogo.

 

JORNAL DO COMMÉRCIO

14 de dezembro de 2003

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